LAMPIÃO NO RIACHO GRANDE Clerisvaldo B. Chagas, 22/23 de agosto de 2019 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.168 M...

LAMPIÃO NO RIACHO GRANDE


LAMPIÃO NO RIACHO GRANDE
Clerisvaldo B. Chagas, 22/23 de agosto de 2019
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.168

Martiniano Cavalcante Wanderley, boiadeiro em Riacho Grande (atual Senador Rui Palmeira, AL) recebeu uma carta de Lampião pedindo três contos de réis. Recusou enviar. Partiu para Santana do Ipanema onde comunicou o fato ao, então, major Lucena. O major sugeriu comprar armas e balas para enfrentar o bandido. Martiniano nem fez uma coisa nem outra. Certa feita, em Viçosa, contando o caso para amigos, foi aconselhado pelo coronel Eduardo Maia que enviasse o dinheiro pedido e ficasse calado “pois Lampião era filho da besta–fera”. O boiadeiro não seguiu o conselho.
Aproveitando o bom inverno, Lampião chegou de repente à casa do vaqueiro Leandro Xixiu, com mais de setenta homens.   Pediu comida e, depois de comerem, era para o vaqueiro mostrar no Riacho Grande onde ficava a casa de Martiniano Cavalcante Wanderley e seu sogro José Wanderley. Escalado para buscar água num barreiro, Xixiu terminou fugindo e foi avisar os Wanderley no povoado Riacho Grande. Os avisados caíram fora com a família. Lampião chegou à casa dos Wanderley, encontrando apenas o vaqueiro Pedro Breba que servia de boi de piranha. Depois de o bando se fartar com tanta comida deixada, Lampião ainda deu uns safanões em Pedro Breba pelas suas mentiras. Depois mandou tocar fogo nas casas dos Wanderley e na tapera de Pedro Breba, que revoltado chamou Lampião de “fio de uma égua”. O bandido, sacando a parabélum matou o fiel vaqueiro.
Os Wanderley passaram a morar em Santana do Ipanema, porém, Martiniano continuou atravessando os sertões comprando garrotes e levando para a zona da Mata. Recebendo um alerta de coiteiro amigo que quase era pego ao comprar uma boiada na fazenda de Antônio Caixeiro, Sergipe, dessa vez resolveu aceitar. Mudou-se para Palmeira dos Índios onde permaneceu e ainda mais progrediu. Martiniano viveu mais de oitenta anos. Não se sabe o que ele fez pela família do vaqueiro Pedro Breba. Mas, como era muito “mão de vaca”, a única coisa que fez pelo vaqueiro Leandro Xixiu, que lhe salvou a vida, foi riscar um resto de dívida com juros, calculada em que cinco contos que o vaqueiro não conseguia pagar.
CHAGAS, Clerisvaldo B. & FAUSTO, Marcello. Lampião em Alagoas. Grafmarques, Maceió, 2012. Págs. 143-144.


O RAIZEIRO Clerisvaldo B. Chagas, 21 de agosto de 2019 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.167 FOTO: NATURAL & BE...

O RAIZEIRO


O RAIZEIRO
Clerisvaldo B. Chagas, 21 de agosto de 2019
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.167
FOTO: NATURAL & BELA GARRAFADAS

As plantas selvagens curativas utilizadas pela sabedoria dos pajés foram preservadas no crânio dos caboclos descendentes. O raizeiro ou a raizeira é pessoa simples que herdou os conhecimentos das plantas e com elas trabalha. Apesar do nome raizeiro, utiliza-se todas as partes da planta e não somente a raiz. Em todas as regiões brasileiras, encontramos esses doutores do mato, tanto fazendo garrafadas, quanto vendendo partes avulsas das plantas. Existem aqueles que apenas sabem fazer um tipo específico de garrafada, como exemplos têm a garrafada para alérgicos ou para bebida cachaça, chamada “misturada” ou “ninho de garrincha”, no sertão. Mas tem os que fazem garrafadas para todos os tipos de doenças.
Em todos os mercados do Brasil, mulheres vendem ervas para os mais diferentes fins. Muitas delas apenas vendem, mas não fazem as garrafadas. Acumulam, porém, a experiência como elo entre o raizeiro e o cliente. Para todos os tipos de doenças, desde as mais simples às mais perigosas, não falta esse tipo de medicina nas bancas dos mercados. Se não tem o que você procura, o produto pode ser encomendado. E quando se pergunta os nomes de tanta coisa de dentro da garrafa, geralmente o raizeiro desconversa. Cita dois ou três produtos e complementa “com muito mais”. Quem é da profissão também tem os seus preceitos, assim como a parteira prática e o rezador (benzedor, curador). É comum o raizeiro encomendar produtos de outra região: casca, raiz, folhas e entrecasca.
Em vários lugares do país, os conhecedores de mato são valorizados em reuniões, seminários e congressos dos conhecimentos naturais. São bases para estudos e pesquisas. Em outros lugares, entretanto, a valorização do raizeiro fica apenas em parte da população que não dispõe do acesso a médicos e farmácias. 
E se você sente atração pela Fitoterapia, não precisa adoecer para acompanhar o prazeroso trabalho de um raizeiro. Isto é, se souber conquistá-lo, pois a profissão guarda vários segredos que não gostam de exposições.
Quer tomar um “ninho de garrincha”?

AS CUECAS DE LABIRINTO Clerisvaldo B. Chagas, 20 de agosto de 2019 Escritor Símbolo do Sertão Alag oano Crônica: 2.166 RIACHO...

AS CUECAS DE LABIRINTO


AS CUECAS DE LABIRINTO
Clerisvaldo B. Chagas, 20 de agosto de 2019
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.166

RIACHO DO NAVIO. (FOTO: BLOG ROBÉRIO SÁ).
A tradição teve início quando alguns pescadores de Santana do Ipanema foram pescar no alto sertão de Pernambuco, precisamente no riacho do Navio. Com o tempo e novos adeptos, foi formado um grupo de cerca de vinte pessoas que anualmente ia à pesca no Navio. Uma feira bem sortida para passar três dias e uma longa viagem que parecia não ter fim. Em um poço do riacho, cercado de pedras e árvores frondosas, a turma fazia acampamento e dormia em redes ou em barracas. Havia o cozinheiro, mas qualquer um podia comer o que quisesse a qualquer hora do dia ou da noite. As mantas de carne ficavam expostas no lajeiro à disposição e o restante da feira em engradados.  As brincadeiras eram grosseiras desde cortar os punhos da rede alheia aos cabeludos palavrões.
Durante a noite alguns cantavam, outros ralavam lata para não deixarem o companheiro dormir. Algumas vezes o pescado ficava exposto no areal e no pedregulho por falta de tratadores. A força da cachaça não deixava.
Depois essa tradição foi arrefecendo, os enfrentantes foram rareando e parece que hoje não mais existe. A distância também contribuiu contra a adesão de novos adeptos.
Naquele fuzuê todo, encontrava-se o senhor Sebastião Gonçalo, apelido “Labirinto”. A sua idade avançada não se incomodava com as brincadeiras sobre si. Cidadão decente e querido, sempre estava presente nas viagens a Pernambuco. Em Santana, companheiros começaram a dizer que Sebastião Labirinto só possuía uma cueca. Bastião afirmava que não, possuía doze, mas que eram todas da mesma cor. As lorotas continuaram até que um dia Sebastião chegou à roda de amigos com um pacote debaixo do braço. Conversa vai, conversa vem, quando os companheiros voltaram a brincar com o mesmo assunto. Sebastião entregou o pacote a um deles, dizendo olhe aí. Aberto o pacote, para surpresa de todos, havia onze cuecas iguais.
Sim senhor, exatamente o estoque de cuecas de Sebastião Labirinto.
Matou a pau.