domingo, 10 de abril de 2011

CORONÉIS DO SERTÃO

CORONÉIS DO SERTÃO
(Clerisvaldo B. Chagas, 11 de abril de 2011).

       Tenho em meu poder um pequeno grande livro, recebido pela cortesia do Museu Darras Noya, no último final de semana. (VASCONCELLOS, Hélio Rocha Cabral de. Coronéis do sertão e sertão do São Francisco. Maceió, 2005, s.e.). O saudoso desembargador fornece um material enxuto, valioso e esclarecedor, principalmente para quem atua nas áreas de pesquisas. O livro faz uma síntese com alguns fatos inéditos sobre quatro coronéis conhecidos no Sertão no início do século XX: Ulisses Luna, em Água Branca; Delmiro Gouveia, na Pedra; Manoel Rodrigues da Rocha, em Santana do Ipanema e José Rodrigues de Lima, em Piranhas.
       Hélio Cabral, membro da família do Coronel Manoel Rodrigues da Rocha, foi prefeito em Santana do Ipanema, gestão 1956-60, na época, promotor público da cidade. Entre outras realizações, Hélio Cabral organizou a primeira feira de livros do município e construiu a estrada de rodagem Carneiros ─ povoado Riacho Grande (atual Senador Rui Palmeira), que pertenciam a Santana do Ipanema. Tendo valorizado muito a área social, recebeu deste autor o título de “Prefeito Cultura”. Hélio Cabral, entretanto, estendeu sua fama até os dias de hoje, pilotando os carros chefes da sua administração, pelo menos as obras mais lembradas: criação da Biblioteca Pública Municipal e do Museu Histórico e de Artes do Município.
       Na faixa dos dez anos de idade, conheci o prefeito que, vez ou outra, chegava à loja de tecidos de meu pai (frente com a esquina do atual museu) e sempre de costas para o balcão, com olhar estendido para o centro do comércio, em direção ao “sobrado do meio da rua”, falava por alguns minutos indagando e dizendo. Sempre elegante, jamais sentava nos degraus mais altos da porta maior, como outros frequentadores habituais. Certa feita eu tinha ido à missa da manhã na Matriz de Senhora Santa Ana, cuja frente era um jardim dividido em duas partes cortadas pelos degraus. No centro de cada parte havia um poste de metal próximo à calçada alta. Gostávamos de pular da calçada para uma pequena saliência do poste trabalhado e vice-versa. Fui flagrado na brincadeira por Hélio Cabral que disse quase ríspido: “Deixe disso, menino!”.
       Todas as autoridades mantinham uma atitude respeitosa com meu pai e eu diria ainda, muito carinhosa até, por reconhecê-lo como homem de bem. Sem saber que iria mexer com letras no futuro, perdi muitas oportunidades de pesquisas ─ até por timidez ─ com pessoas que eram verdadeiros arquivos como os comerciantes Pedro Agra, Evilásio Brito, promotor Fernando, alguns ex-volantes de combate ao cangaço e o próprio Vasconcellos. Durante uma visita que o fazendeiro Ialdo Falcão iria fazer ao doutor Hélio, em Maceió, convidou-me. Ialdo queria fazer uma pesquisa para um livro sobre sua própria família. Não fui. Em Maceió Hélio Cabral perguntou-lhe “de quem é filho o grande escritor santanense Clerisvaldo B. Chagas, que por certo não é da minha geração”. Respondida a pergunta “é de Manezinho Chagas”, Hélio disse de imediato: “É mesmo, homem!... Manezinho é muito meu amigo”. Se era amigo de meu pai, era meu amigo sem saber. Entre todos os prefeitos de Santana, eleva-se o homem que hoje denomina o Fórum da cidade. Muito irá contribuir o seu trabalho CORONÉIS DO SERTÃO.



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quinta-feira, 7 de abril de 2011

SOU FILHO DO DONO

SOU FILHO DO DONO
(Clerisvaldo B. Chagas, 8 de abril de 2011).

       Quando imaginamos uma época tão distante como a década de 1920, é como deitar a vista sobre estradas poeirentas e caminhões gemedores palmilhando o Brasil. As máquinas possantes vão chegando, cruzando pontes, vadeando rios, vencendo distâncias. Moças às janelas, acenos apaixonados, cheiros fortes de gasolina. Lá vai o caminhão, subindo ladeiras, descendo montanhas, comendo as planícies. A buzina tange o gado, espanta o passarinho, cativa a mulher. É a carga linheira, torta, aprumada, saudosamente levando o progresso do Brasil. Finda-se a carroceria na curva da estrada, eleva-se o pó esbranquiçado, se acomoda ao chão. Carros de boi ciumentos choram nos cocões. Ornejar de burros protesta com seus cargueiros e, os ventos das pradarias anunciam à nova. Corre o tempo, estradas viram rodagens, rodagens viram pistas, mas saudade continua saudade e romantismo não tem fim, com quatro, com oito, com dezoito pneus.
       Quem aprecia vai colecionando as frases de para-choques, da frente, da lameira, da filosofia grega, da sabedoria popular. Nessas engrenagens funciona a autêntica democracia do gosto, o poder sacrossanto de pensar, de berrar, de seguir.
       As frases que se espalham pelo mundo, vão dizendo, do homem que se afirma. Do trabalhador que longe da família ganha o pão suado, abastecendo sem parar a pátria amada, idolatrada, às vezes madrasta que o faz sofrer. E sua brincadeira vai à frente: “Oi eu aqui de novo”. Sua religiosidade atrás: “Com Deus vou e volto”, “Vai com Deus”, “Tenha fé”. Ou na ironia conselheira: “Não me inveje, trabalhe”. No humorismo: “Mulher feia eu não carrego”. Aconselhador: “Calma, amigo”. E assim vão se cruzando sulistas, nordestinos, brasileiros gerais, soberanos das cabinas, senhores dos volantes, generais do asfalto. Ferro, algodão, cimento, passeiam na madeira volante que não cansa nunca. Não só as lameiras vão inspirando o povo. O próprio caminhão desperta sentimentos. Passa nome à bebida brasileira por excelência. Sua figura surge no rótulo da garrafa. Sua carroceria vai levando canas verdinhas, saindo do canavial, subindo topete: “Beba Chora na Rampa”, diz o comercial da cachaça.
     Ficamos impressionados com tantos dizeres, com diversos chavões, com essas inventividades. Mundo interessante que procura ser divertido para não ficar amargo. O açúcar das palavras acalenta o pranto, dissipa o furor, seduz a alma. Arrogantes, mas consoladoras, benditas palavras as que levaram o escritor a reagir ao banzo: “Não sou o dono do mundo, mas SOU FILHO DO DONO”.


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