quinta-feira, 7 de abril de 2011

SOU FILHO DO DONO

SOU FILHO DO DONO
(Clerisvaldo B. Chagas, 8 de abril de 2011).

       Quando imaginamos uma época tão distante como a década de 1920, é como deitar a vista sobre estradas poeirentas e caminhões gemedores palmilhando o Brasil. As máquinas possantes vão chegando, cruzando pontes, vadeando rios, vencendo distâncias. Moças às janelas, acenos apaixonados, cheiros fortes de gasolina. Lá vai o caminhão, subindo ladeiras, descendo montanhas, comendo as planícies. A buzina tange o gado, espanta o passarinho, cativa a mulher. É a carga linheira, torta, aprumada, saudosamente levando o progresso do Brasil. Finda-se a carroceria na curva da estrada, eleva-se o pó esbranquiçado, se acomoda ao chão. Carros de boi ciumentos choram nos cocões. Ornejar de burros protesta com seus cargueiros e, os ventos das pradarias anunciam à nova. Corre o tempo, estradas viram rodagens, rodagens viram pistas, mas saudade continua saudade e romantismo não tem fim, com quatro, com oito, com dezoito pneus.
       Quem aprecia vai colecionando as frases de para-choques, da frente, da lameira, da filosofia grega, da sabedoria popular. Nessas engrenagens funciona a autêntica democracia do gosto, o poder sacrossanto de pensar, de berrar, de seguir.
       As frases que se espalham pelo mundo, vão dizendo, do homem que se afirma. Do trabalhador que longe da família ganha o pão suado, abastecendo sem parar a pátria amada, idolatrada, às vezes madrasta que o faz sofrer. E sua brincadeira vai à frente: “Oi eu aqui de novo”. Sua religiosidade atrás: “Com Deus vou e volto”, “Vai com Deus”, “Tenha fé”. Ou na ironia conselheira: “Não me inveje, trabalhe”. No humorismo: “Mulher feia eu não carrego”. Aconselhador: “Calma, amigo”. E assim vão se cruzando sulistas, nordestinos, brasileiros gerais, soberanos das cabinas, senhores dos volantes, generais do asfalto. Ferro, algodão, cimento, passeiam na madeira volante que não cansa nunca. Não só as lameiras vão inspirando o povo. O próprio caminhão desperta sentimentos. Passa nome à bebida brasileira por excelência. Sua figura surge no rótulo da garrafa. Sua carroceria vai levando canas verdinhas, saindo do canavial, subindo topete: “Beba Chora na Rampa”, diz o comercial da cachaça.
     Ficamos impressionados com tantos dizeres, com diversos chavões, com essas inventividades. Mundo interessante que procura ser divertido para não ficar amargo. O açúcar das palavras acalenta o pranto, dissipa o furor, seduz a alma. Arrogantes, mas consoladoras, benditas palavras as que levaram o escritor a reagir ao banzo: “Não sou o dono do mundo, mas SOU FILHO DO DONO”.


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quarta-feira, 6 de abril de 2011

UM MUNDO ENCANTADO

UM MUNDO ENCANTADO
(Clerisvaldo B. Chagas, 7 de abril de 2011).

       Nas últimas décadas, graças a vários pesquisadores, a xilogravura, aos poucos, alcançou a ressurreição. Arte vinda da antiguidade foi bastante utilizada na Europa do século XV. Seus trabalhos prestavam-se a ilustrar cartas de baralho e imagens sacras naquele continente, segundo estudiosos. A xilogravura é uma espécie de carimbo feito em madeira. Desenhado, entalhado pelo buril, o motivo recebe tinta no alto relevo e fica pronto para imprimir com perfeição. No Brasil, a arte de xilogravar chegou em 1808, com a Imprensa Real Portuguesa, mas se destacou no Nordeste onde casou com o folheto de cordel, também vindo de Portugal. As histórias em versos dos chamados cordelistas são tantas e tão variadas, tornando difícil uma perfeita classificação. Para ilustrar as capas dos seus folhetos, esses poetas populares ─ que se dedicaram e se dedicam a escrever criativas histórias em versos rimados e metrificados ─ adotaram a xilogravura como padrão permanente em seus trabalhos. Encantando gerações no Nordeste brasileiro, vendidos pendurados em barbantes ou não, o folheto divertia, ensinava a ler e transmitia as novidades numa época ainda pobre em meios de comunicação. Visto a princípio como um desenho grosseiro, pesado, malfeito, o exposto trabalho em imburana foi rareando e morrendo juntamente com o folheto nordestino. Inúmeros são os poetas autores desses livros magérrimos, tendo alguns alcançados famas no Brasil e no exterior. Após a fase negra de quase morte, tanto voltou o folheto quanto essa arte da madeira.
       Os vates das páginas populares souberam se adaptar aos acontecimentos modernos para cantarem suas histórias maravilhosas. Os xilógrafos capricharam cada vez mais nos desenhos e detalhes que atraem pesquisadores das mais variadas origens. É tanto que a arte voltou à moda com uma força nunca antes vista. E a prima pobre da arte nordestina, ganha vestido novo, roupa de gala para desfilar as vistas do público e dos críticos que antes torciam o nariz. Caruaru e Juazeiro do Norte, grandes centros do interior, são lugares que mais oferecem esses serviços tradicionais, pois funcionam como receptores e dispersores do folclore nordestino. Outras cidades importantes como Campina Grande, Feira de Santana e Recife, contribuem enormemente com a cultura popular dessa região, hoje tão progressista.
       Entre tantos e tantos folhetos, quem não se lembra daquele que deu origem à novela “Pavão Misterioso”? Com a nova narrativa “Cordel Encantado” ─ rodada em Piranhas ("Cidade Presépio") Alagoas ─ a xilogravura vive a sua fase de princesa. Quando meu caro leitor quiser relaxar dessa vida braba, saia um pouco da rotina tecnológica. Entregue-se por alguns momentos, dias ou semanas aos folhetos de cordel, ao esmiunçar dos xilógrafos, sonhando de verdade em UM MUNDO ENCANTADO.



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