ARRANCA-RABO Clerisvaldo B. Chagas, 26 de maio de 2023 Escritor Símbolo do sertão Alagoano Crônica: 2. 892   O “sobrado do meio ...

 

ARRANCA-RABO

Clerisvaldo B. Chagas, 26 de maio de 2023

Escritor Símbolo do sertão Alagoano

Crônica: 2. 892



 

O “sobrado do meio da rua”, em Santana do Ipanema, tinha um salão grande e livre no 10 andar. Ali funcionou teatro, cinema, Fórum, escola e muito mais. O sobrado foi demolido juntamente com a grande construção vizinha “prédio do meio da rua”, na gestão do prefeito Ulisses Silva que os substituiu por duas praças modernas. Era um tempo em que havia apenas as diversões tradicionais da terra, nada ainda de televisão, rádio era coisa rara. Ficando o lazer nos periódicos bailes do Tênis Club, dos banhos no rio Ipanema, nos jogos de futebol, etc. Então, era garantido também os embates no Fórum que funcionou no “sobrado do meio da rua”.  Quando o caso tinha grande repercussão, o prédio ficava lotado, com pessoas até na escadaria de acesso.

Os maiores debates eram entre o Dr.  Aderval Tenório – considerado um dos dois melhores advogados do Nordeste – e o promotor Dr. Fernandes. Dr. Aderval, sertanejo, alto, vozeirão, intelectual e serpente no Direito. Dr. Fernandes, de fora, bigodinho, educado, morava na avenida principal da cidade vizinho ao cine-Glória. Quando os dois se engalfiavam num debate no Fórum, era de estremecer a base do prédio, pois o dr. Fernandes, era o único promotor à altura do dr. Aderval, daí o duelo de gigantes. E aquela diversão forçada para á época, também buscava justiça em cada caso que arranhava a sociedade. Muitos casos escabrosos levavam multidões para o “sobrado do meio da rua”, principalmente, se fosse um duelo entre os famosos Fernandes e Aderval.

Quando o prefeito Ulisses Silva, por vontade própria, resolveu demolir os dois prédios mais centralizados da cidade, não demorou muito entre a ideia e as ações. Demoliu primeiro o “prédio do meio da rua”, enorme, quadrangular e repleto de casas comerciais e   prestadoras de serviços nas suas quatro faces. Em seu lugar construiu uma praça. Chegou a vez do sobrado que seguiu o mesmo destino do primeiro. Houve aprovação e muita comoção na cidade.  O argumento era que precisava mudar o aspecto central da urbe. Apenas isso. O surgimento de muitas novidades que foram preenchendo o núcleo, foi aos poucos lambendo as feridas do ato brutal que demoliu a alma de vila. O Fórum foi parar onde hoje é a Câmara de Vereadores, para a frente do cine-Gloria, até ser erguido na BR-316. Houve muito embates, mas nunca um duelo igual ao do dr. Aderval e o dr. Fernandes. Um verdadeiro arranca-rabo.

“SOBRADO DO MEIO DA RUA”, SENDO DEMOLIDO. PRAÇA NO LUGAR DO “PRÉDIO DO MEIO DA RUA” (FOTO: RARÍSSIMA E DE DOMÍNIO PÚBLICO/ Livro 230).

 

  CARREIROS, CARROS E PROCISSÃO Clerisvaldo B. Chagas, 26 de maio de 2023 Escritor Símbolo do sertão Alagoano Crônica: 2891   Era ...

 

CARREIROS, CARROS E PROCISSÃO

Clerisvaldo B. Chagas, 26 de maio de 2023

Escritor Símbolo do sertão Alagoano

Crônica: 2891

 


Era ainda o auge dos carros de boi.  Na margem direita do rio Ipanema, só havia cercados de criação e de roças, casas pobres e longe uma das outras entre caminhos e estradas poeirentas e carroçáveis. Muitas vezes fui comprar o leite à casa do senhor Antônio Alcântara, compadre de meu pai e que morava onde hoje é o supermercado Nobre, vizinho a Ponte do Padre. Seu Antônio todos os dias atravessava o Ipanema para pegar o leite de venda no seu criatório da margem direita.  Perto da sua propriedade ou nela mesma, nas proximidades do Poço dos Homens, morava um carreiro gente boa, chamado Cícero. E meu pai mandou fazer um carro de boi muito bem feito, tamanho máximo e, com quatro bois enormes, vermelhos e bem nutridos, entregando-os ao Seu Cícero para carrear.

Santana ainda tinha um título de “Terra dos Carros de Boi”, carros esses que lotavam o poço do Juá, no rio Ipanema, aguardando mercadorias da feira do sábado para o destino da zona rural.  Mais progresso chegou e o carro de boi ficou obsoleto. Nos últimos tempos desapareceu da cidade, mas continua firme e forte na área rural que tanto precisa dos seus serviços no dia a dia. Mas, como o destino tece à sua maneira, a Paróquia de Senhora Santana incorporou uma procissão de carreiros e seus carros de madeira na abertura das festas do mês de julho.

A procissão aludida já chegou a desfilar com 1.800 carros de boi, contados pelos participantes. Logo cedo no dia anterior à procissão, os carreiros vão chegando e acampam no “Parque de Exposição Izaías Vieira Rego”, a 2 km da cidade, onde se preparam para o grande dia. Os carros desfilam rumo a Santana, pela AL-130, indo a imagem de Senhora Santana no carro de boi da frente, onde também vai o pároco da Matriz. Após a procissão é realizada a bênção que geralmente acontece no Largo Cônego Bulhões.   E no início dessa friezinha que está acontecendo no mês de maio, já se ouve carreiros providenciando coisas para a grande felicidade de escoltar a santa até a casa sagrada Matriz de Senhora Santana.

PADRE JACIEL, PARÓQUIA D SENHORA SANTANA (FOTO: B.CHAGAS/ARQUIVO)

 

 

  O CACHIMBO DA SERRA Clerisvaldo B. Chagas, 24 de maio de 2023 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2890   Terça-feira (2...

 

O CACHIMBO DA SERRA

Clerisvaldo B. Chagas, 24 de maio de 2023

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2890



 

Terça-feira (23), mais um dia nublado frio e chuvoso. A chuva fina, insistente e molhadeira, como se diz por aqui no sertão de Santana do Ipanema. E a temperatura de 24 graus é bastante para o escritor buscar agasalho e abrigo. Sou filho da caatinga e bicho de 26 a 27 graus. Mesmo com essa particularidade, vejo a rua completamente deserta e seres semelhantes devem estar na preferência da cama, do sofá, sob a égide do cafezinho quente ou da pipoca estaladeira. E apesar do cinza esbranquiçado que cobre a cidade, posso assegurar que é um belo dia para um passeio de carro e apreciação do tempo. Vai continuar chovendo? Vai parar? Uma foto do serrote Gonçalinho, que circunda a cidade, mostra o monte cachimbando. E a serra cachimbando, por aqui é estar parcialmente coberta de neblina quando o tempo estia; ou no pé ou no pico do monte. Se a neblina é na base o tempo vai para o estio, se a neblina é no pico, mais chuvas chegará.

Como já disse antes, o nosso tempo chuvoso é de outono/inverno. E como ainda estamos no outono, as chuvadas vão iniciando suas jornadas anuais. Como não temos sites especializados, nem sabemos ainda se o homem do campo já iniciou o seu plantio. Mas o certo é que todos sonham com milho assado, pamonha e canjica do período junino. Ainda não se fala em São João por essas bandas... Nem forró, nem fogueira, nem quadrilhas, mas é a própria Natureza que vai pintando o cenário de festa e fartura para o próximo mês. Milho assado, milho cozinhado, bolo de milho, povoam mentes que antecipam o São João.

E o verde da periferia, das margens do rio, da estrada, da colina e dos elevados procura enquadra-se no verde da bandeira nacional. O perfume do mato molhado é uma saudação aos riachinhos que alegram o cenário e oferecem beijos carinhosos aos pés dos caminhantes. O orvalho nas folhas molha os braços de quem logo cedo ama ao tempo e rompe a trilha. E se tudo na vida tem a sua hora, por que pensar em seca, em acauã, em sacrifícios se os céus estão derramando bênçãos sobre a terra e sobre as esperanças do seu coração?

Ainda existe o arco-íris.

O Sol chegou tímido. Abra seu coração e deixe-o entrar.

PERIFERIA OESTE DA CIDADE (FOTO: B. CHAGAS).