SURPRESA
DOIDA
Clerisvaldo B. Chagas, 6 de novembro de 2024
Escritor
Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica; 3.143
Como observador da Natureza, quase caio de
costas ao abrir a porta da rua, ontem pela manhã. O Sol já estava alto e pude
comtemplar no pé de pau-brasil da casa vizinha, três pássaros típicos da minha
adolescência. São muitas dezenas de anos que não me deparava com um bicho
daquele. E com desmatamento contínuo do Sertão, já apareceram na minha rua, bem-te-vis,
rolinhas-brancas, rolinhas caldo-de-feijão... todos esses pássaros fugindo do
desmatamento e encontrando restos de comidas nas ruas e nos lixos da cidade. Ainda
não tinha visto de perto os três anus-pretos que pulavam da árvore para o chão
e vice-versa. Passado o susto da grande surpresa, vi-me novamente rapaz pelas
capoeiras, pela caatinga, pelos quintais longos repletos de pássaros e, entre
eles, o anu-preto.
Quando em nossas caçadas de peteca (estilingue,
baladeira) já sabíamos que dois passarinhos são muito difíceis de matar: o Zé
Neguinho e o anu. O Zé Neguinho, pequeno e preto parece debochar do caçador a
cada tiro disparado, pula para cima e para baixo na cabeça da estaca e grita
como quem está lhe dizendo: “Atire mais seu bestão”. Já o anu-preto não se move
tanto, mas é muito difícil acertá-lo. Daí vai que no Sertão alagoano existe um
ditado que diz: “Quem tem pólvora pouca, não atira em anu”. Uma grande reflexão
para a vida. E diante de tantas coisas passadas, é interessante como voltam à
memória diante de uma cena como a que me deparei. Sim, que a minha casa está
situada a cem metros do rio Ipanema, cujo leito seco é um jardim, porém, de
todo jeito é surpreendente.
Podemos dizer que a presença dos pássaros em
nossas vidas urbanas é verdadeiro colírio e não deixa de ser. Mas, por outro
lado, quando se pensa no desaparecimento das matas, também aperta o coração, pincipalmente
dos que provaram das suas delícias na juventude. O problema é que as árvores
das ruas, no geral, não são frutíferas; o que faz com que a passarada vinda dos
sítios rurais procurem o lixo e as migalhas das ruas ou os quintais que
oferecem frutas variadas. Os ninhos e ovos dessas criaturas divinais estão
ficando cada vez mais fácil de encontrá-los na arborização das avenidas e nos
pátios das escolas. Os passarinhos perderam o medo dos transeuntes e do barulho
das máquinas que diariamente cruzam as vias. Esqueci de dizer: no Sertão não se
come anu-preto, consumidor de carrapato.
E você o que acha?