terça-feira, 5 de novembro de 2024

 

SURPRESA DOIDA

Clerisvaldo B. Chagas, 6 de novembro de 2024

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica; 3.143



 

Como observador da Natureza, quase caio de costas ao abrir a porta da rua, ontem pela manhã. O Sol já estava alto e pude comtemplar no pé de pau-brasil da casa vizinha, três pássaros típicos da minha adolescência. São muitas dezenas de anos que não me deparava com um bicho daquele. E com desmatamento contínuo do Sertão, já apareceram na minha rua, bem-te-vis, rolinhas-brancas, rolinhas caldo-de-feijão... todos esses pássaros fugindo do desmatamento e encontrando restos de comidas nas ruas e nos lixos da cidade. Ainda não tinha visto de perto os três anus-pretos que pulavam da árvore para o chão e vice-versa. Passado o susto da grande surpresa, vi-me novamente rapaz pelas capoeiras, pela caatinga, pelos quintais longos repletos de pássaros e, entre eles, o anu-preto.

Quando em nossas caçadas de peteca (estilingue, baladeira) já sabíamos que dois passarinhos são muito difíceis de matar: o Zé Neguinho e o anu. O Zé Neguinho, pequeno e preto parece debochar do caçador a cada tiro disparado, pula para cima e para baixo na cabeça da estaca e grita como quem está lhe dizendo: “Atire mais seu bestão”. Já o anu-preto não se move tanto, mas é muito difícil acertá-lo. Daí vai que no Sertão alagoano existe um ditado que diz: “Quem tem pólvora pouca, não atira em anu”. Uma grande reflexão para a vida. E diante de tantas coisas passadas, é interessante como voltam à memória diante de uma cena como a que me deparei. Sim, que a minha casa está situada a cem metros do rio Ipanema, cujo leito seco é um jardim, porém, de todo jeito é surpreendente.

Podemos dizer que a presença dos pássaros em nossas vidas urbanas é verdadeiro colírio e não deixa de ser. Mas, por outro lado, quando se pensa no desaparecimento das matas, também aperta o coração, pincipalmente dos que provaram das suas delícias na juventude. O problema é que as árvores das ruas, no geral, não são frutíferas; o que faz com que a passarada vinda dos sítios rurais procurem o lixo e as migalhas das ruas ou os quintais que oferecem frutas variadas. Os ninhos e ovos dessas criaturas divinais estão ficando cada vez mais fácil de encontrá-los na arborização das avenidas e nos pátios das escolas. Os passarinhos perderam o medo dos transeuntes e do barulho das máquinas que diariamente cruzam as vias. Esqueci de dizer: no Sertão não se come anu-preto, consumidor de carrapato.

E você o que acha?


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segunda-feira, 4 de novembro de 2024

 

DONA MARIA

Clerisvaldo B. Chagas, 5 de novembro de 2024.

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 3.142

 



Nos anos 60, estava em moda na cidade, a Revista Nacional “O Cruzeiro”, revistas novelas como “Capricho”, “Contigo”, “Idílio” e mais uma ou duas. Era dos gibis “Zorro”, “Fantasma”, “Tarzan”, “Os Sobrinhos do Capitão”, “Popay e muito mais. Além disso, figurinhas de jogadores de diversos times do Brasil, enroladas em confeito (bala doce) para colecionarmos. Portanto diversão para moças e adolescentes e que além disso, havia ainda as revistas de passatempo: “Palavras Cruzadas” e Charadas. Todas essas coisas chegavam de Maceió, no ônibus ou ainda na “sopa” –  que era um tipo de ônibus com bagageiro no teto externo –  de quinze em quinze dias ou de mês em mês. Ávidos pelas atualizações, comprávamos essas coisas na casa de Dona Maria, esposa de Seu Quinca Alfaiate, bem pertinho da Cadeia Velha.

Mulher já de idade, Dona Maria tratava muito bem todos os clientes. Quando o ônibus chegava com as mercadorias, sua casa se enchia de adolescentes e moças. Revistas novas, cheiro gostoso de gráfica, de papel novo, embriagava. Quanto as figurinhas de jogadores, comprávamos e trocávamos as duplicatas com os colegas. Umas erem raras, com os jogadores mais famosos do momento, Ademir do Vasco, Zizinho, se não me engano, do Palmeiras.  João Neto de Zé Urbano, João Neto de Coaracy e Vivi de Seu Antônio Alcântara, colecionavam gibis. O primeiro tornou-se advogado, o segundo, médico, o terceiro, Juiz de Direito. O que vos escreve, professor e escritor romancista.

No caso de charada, o maio charadista de Santana e região era o Antônio Honorato ou Tonho de Marcelon que também era o melhor no jogo de Xadrez. Minha mãe, Helena Braga gostava muito de Charadas e eu de Palavras Cruzadas. E para ajudar a desenvolver a nossa leitura, comprávamos na feira os folhetos, folhetos de cordel, ou romances, daquelas maravilhosas histórias em versos: Cancão-de-fogo, Pedro Malasarte, índia Necy, João Grilo, o Pavão Misterioso, o Cachorro dos Mortos, A chegada de Lampião no Inferno e muitos outros da produção cordelista nordestina. O médico e o juiz, acima, já fizeram passagem. Continua eu e o João Neto Oliveira, como os sobreviventes dos gibis.

Estamos apenas querendo colaborar com as histórias do Sertão com suas virtudes e defeitos. Fui.

ÔNIBUS SOPA (IMAGEM PINTEREST).


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domingo, 3 de novembro de 2024

 

OS CIRCOS E OS VALORES

Clerisvaldo B. Chagas, 4 de outubro de 2024

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 3.141

 



Na década de 60, os circos mais famosos do Brasil, sempre faziam uma temporada em Santana do Ipanema. E os bons círcos sempre se apresentavam de casas cheia. O lugar de armar circos em Santana, era no terreno baldio onde hoje é o Mercado de Cereais, Bairro do Monumento. Depois, passou a ser por trás da Delegacia, quando demoliram a casa da idosa Mirandão e sua frondosa cajarana defronte. Nessas peregrinações pelo sertão de Alagoas, os circos costumavam contratar cantores da terra, como estratégia. Assim os primeiros desses cantores, foram “Cícero de Mariquinha” e “Caçador”. “Cícero de Mariquinha”, a mais bela voz que eu conheci, só encontrava concorrência na voz de “Agnaldo Gaguinho”, que ingressera na banda da polícia. Cícero gostava das canções de Cauby Peixoto, Caçador, de Nelson Gonçalves.

E ainda estudante do Ginásio Santana, eu via os colegas “Omir” e “Sebastião das Queimadas” (originário do sítio Queimadas) brilharem como valores da terra nos circos que chegavam. Um tocava trombone, outro cantava, ambos também funcionários do Banco da Produção do Estado de Alagoas – PRODUBAN. Lembro-me  que estava sempre pedindo para que o Omir cantasse alguma canção, quando estávamos juntos. Ele gostava das músicas: “Você Fez Coisa” e ..... “Hoje a notícia correu”. Lembro também que pelo dia saía nas ruas o palhaço pernas-de-pau, anunciando o espetáculo noturno, seguido por meninada que fazia coro sob seu comando. Lá na frente, não era mais o pernas-de-pau, mas sim um novo tipo de palhaçada: o comediante montado num jegue, voltado para trás e seguido pela multidão de adolescentes que ficavam com o braço marcado para entrarem sem pagar, no circo.

Os circos em nossa cidade sempre foram apoteóticos. Apesar dos atrasos das tecnologias da época, sempre tínhamos divertimentos como os grandes bailes do Tênis Club, o Guerreiro, o futebol, os banhos do rio Ipanema, o encontro de violeiros repentistas, o Cassimiro-Coco, o cinema, o teatro...  Mas, a chegada da televisão acabou com tudo. Os circos desapareceram. Mas por andam os colegas artistas Omir e Sebastião? Bem que nós, humanos estamos novamente precisando de circos, circos e mais circos, concorda?


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