terça-feira, 26 de abril de 2011

OS MAIS VELHOS

OS MAIS VELHOS
(Clerisvaldo B. Chagas, 26 de abril de 2006).

          No último dia 21, chegamos aos 219 anos da morte do Tiradentes. Pela história narrada, lida em nosso tempo de escola, vemos a Inconfidência Mineira de um modo. Quando estudamos paradidáticos, surgem fatos polêmicos. Mas a história sempre foi e continua assim por que ela é vista sobre vários ângulos de quem as escreve. Restam ainda detalhes de pesquisas posteriores que complementam ou polemizam os fatos.
          Foi colocada para nós, a imagem de um herói brasileiro mostrado às escolas durante muitos anos. Estranha-me, entretanto, que a representação iconográfica fosse um herói dividido em quatro pedaços, inclusive a cabeça, perna espetada, mais crucifixo e corda. Era aquele quadro horripilante de Pedro Américo de Figueiredo e Melo (1843-1905) em 1893. Todo artista tem o direito de produzir suas criatividades. Acho, porém, que os mandatários não têm razão quando querem nos impingir um herói, muitos menos em condições terrificantes. Os quadros macabros verdadeiros eram apresentados aos Brasil como sinal de castigos para os que ousavam desafiar os de cima. A história está cheia de exemplos de cabeças espetadas em vias públicas. Contudo, as autoridades não deveriam ter mostrado os seus ícones naquela situação pincelada por Pedro Américo. Dizem que a imagem ficara esquecida por quase um século.
          Logo depois da coisa acima, a estampa escolhida para representar Joaquim Xavier da Silva, no panteão nacional, foi a de um homem de cabelos longos e barba espichada, produzido por Décio Villares, à semelhança de uma alegoria, com ramos de palmeira, pedaço de cruz e laço datado. Não resta dúvida de que a segunda imagem é bem melhor do que a primeira ─ considerada desrespeitosa. Mesmo assim, por que insistir no aspecto miserável do herói? Finalmente surgiu a imagem do Tiradentes, sem barba, limpo, bem vestido, altivo, parecido com os retratos oficiais de qualquer autoridade. Ah, bom! Agora sim. Os outros castigos após o enforcamento de Xavier pareciam escondidos. Não sei por que alguns livros didáticos ainda insistem em exibir os despojos do homem. Para assustar crianças? Eu mesmo não quero um herói esculhambado daquele.
          Penso que o Ministério da Educação e seus departamentos, bem que poderiam pensar nesses tipos de apresentações didáticas que nada trazem de importante. Outros querem afastar o tradicional Joaquim Xavier, por político de partido “A” ou “B”. Basta o Papai Noel que tomou o aniversário do Cristo. Ê mundo cão sem porteiras!... É morrendo e aprendendo como falavam os nossos avós, como diziam OS MAIS VELHOS.




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domingo, 24 de abril de 2011

DÊ-ME UM CIGARRO

DÊ-ME UM CIGARRO
(Clerisvaldo B. Chagas, 25 de abril de 2011).

          Ao contemplar a paisagem da baía da Guanabara, chega-me ao pensamento, certa marca de cigarro. Deixo-me percorrer uma faixa de lembrança que vai caldeando o cotidiano com a história da minha terra. Arte tem tempo e tem história sim, melhor de que a escrita, muitas vezes. Busco um colecionador de marcas de cigarros que tem mil e setecentas marcas. A mãe dele e ele ficaram encantados com a beleza das estampas, assim como os meninos da minha rua, da minha cidade. Ah! Mas não lembro tantas marcas assim. Mas houve época em que nós, os meninos, andávamos com maços de notas semelhantes às cédulas verdadeiras. Serviam como troca e pagamento em nossos jogos de ximbras. Os cigarros mais conhecidos eram o Continental (maço azul com desenho do continente americano); Astória (maço amarelo); depois o Hollywood. A partir daí um festival de marcas, entre elas, Fio de Ouro, Urca e Yolanda. Continental era de classe. Astória, de quem não podia adquirir continental. Era forte e substituiu o fumo de rolo. Um amigo comprava um maço de cada. No bolso de cima o Astória, “para os pidões”, dizia ele. O Continental no bolso de baixo, bem guardado.
          Nunca fumei, mas achava bonito o vício em mulheres fumantes, entre elas, na minha rua, Dona Mirtes, inveterada. A belíssima Zezé Oliveira, filha de Seu Manezinho Quiliu, mulher em toda plenitude que me fazia sonhar com seu charme, classe e elegância. Ai, ai, meu caminhãozinho de apenas dez anos! Mas a minha prima Isabel Sobreira fumava que só uma caipora. Vi homens que não tirava o cigarro da boca. Partiram em consequência, como o contabilista Luís Medeiros, o comerciante Idelzuíto Melo, Damião irmão de Mirtes, e outros que jamais foram vistos sem um cigarro, pois o próximo era sempre aceso com o anterior. Nessa época, passava frequentemente à porta da minha casa, um cidadão moreno claro, bigodinho, paletó esporte, sempre elegante. Cabelos pretos, cigarro entre os dedos, olhar para baixo, passos rápidos e duros. Caminhava em direção à Rua São Pedro, nem sei se entrava antes ou depois. Ainda hoje procuro saber seu nome e não tenho a quem perguntar. Sei apenas que era jogador de baralho. Mantive seus dois vícios, dei-lhe o dom da poesia e o transformei em personagem do meu romance, Basileu, "Deuses de mandacaru". O cigarro Hollywood chegou como coisa mais fina e até hoje continua na praça. (Os cigarros de hoje possuem cheiro de lixo em combustão). O Yolanda foi motivo de samba. E as outras marcas enriqueceram os nossos bolsos de crianças com a categoria dos seus desenhos e cores.
Os cigarros continuam matando como nunca. Dizem que são os índios americanos vingando os massacres dos brancos europeus. Uma herança indígena, o vício de fumar, que se espalhou por todos os continentes. Mas não quero, falar das doenças provocadas pelo fumo, nem dos óbitos, nem dos males dos vícios. Queria ressaltar apenas o atrativo, a sedução, o fascínio das estampas dos maços. Isso lembra até o ensino das gramáticas. Perguntavam elas nos mistérios da língua Portuguesa se o certo era: Me dê um cigarro ou DÊ-ME UM CIGARRO.

• Depois de ser lido em vários países, tenho a grata surpresa de ser chamado “celebridade” da cultura em site indonésio. Mesmo que não seja, hum! Muito obrigado aí pessoal da Indonésia.


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