terça-feira, 16 de março de 2021

 

CHICO NUNES DAS ALAGOAS

Clerisvaldo B. Chagas, 17 de março de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.489




O poeta Chico Nunes, de Palmeira dos Índios, ficou imortalizado na memória de inúmeros apologistas, mas também no livro do ator e escritor Mário Lago. Era um cantador de pagode, embolador que assegurava o motivo do seu canto com um pandeiro na mão. O exímio e criativo poeta, porém, tinha a chamada boca suja. Era sempre convidado para duelar no chamado “Desafio”, com vários cantadores de outras localidades.  Muitas passagens de “Chico Nunes das Alagoas” estão expostas e nuas no livro de Lago, desde suas putarias ao lirismo que explora a sensibilidade. Todavia, nem todas as aventuras do vate boêmio encontram-se no livro. Os apologistas ainda hoje transmitem de geração em geração episódios do canto chulo do repentista palmeirense.

O prazer de um cantador é aplicar uma surra de versos no oponente. Cantam coisas. Mas na hora que alguém pede um desafio que é cantado em qualquer gênero, aí a coisa muda. Cantar desafio é o cantador se exaltar e depreciar o adversário. Muitos desses poetas já têm boca suja ou boca porca de nascença, aí é quando aproveita o desafio para suas pornofonias. Algumas são tão bem feitas e criativas que mesmo sendo putaria não se nega o valor da estrofe. Em Alagoas eram mestres pornôs os poetas: Zezinho da Divisão e Chico Nunes. Explicada a coisa para quem não entende bem o desafio, voltemos a um episódio acontecido com o “Rouxinol da Palmeira”.

Chico Nunes fora chamado para a região de Major Izidoro, Sertão de Alagoas para duelar com outro vate chamado Zé Nicolau. A cantoria teve início e, o seu adversário tinha uma grande torcida. Chico ficou enciumado do prestígio do outro que recebia muitos aplausos, principalmente das moças que ocupavam o salão. Vez em quando um intervalo para beberem uma cachacinha. E foi em uma dessas paradas que as moças correram para a cozinha e trouxeram um bom pedaço de bacalhau como tira-gosto para o cantador José. Para Chico Nunes sobrara apenas uma pelanca com espinha. O cantador que vinha inchando de ciúmes, não perdeu tempo e estourou o seu chulo repertório, sem perder a oportunidade das rimas. Ergueu lentamente o tira-gosto ganho. Colocou-o com os dedos contra a luz da candeia e disse diante do silêncio profundo:

 

 

Da espinha do bacalhau

Vou fazer uma vareta

Pra futucar na buc....

Da mãe de Zé Nicolau.

 

“Escapou fedendo” de uma boa camada de madeira, mas foi expulso da casa, sem direito à volta.

Outros episódios semelhantes com o “Rouxinol”, ainda hoje são contados nos pés dos balcões sertanejos e agrestinos das Alagoas.

CHICO NUMES, O ROUXINOL DA PALMEIRA (FOTO: ZÉ MARCOLINO).

 

 

 

 


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segunda-feira, 15 de março de 2021

 

REPENTES

Clerisvaldo B. Chagas, 16 de março de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.485




Para quem aprecia a cultura popular nordestina, não deixa sua paixão pelo mundo encantado da viola. Há bastante tempo tinha fama em Alagoas o poeta Manoel Neném, na cidade de Viçosa. E Joaquim Vitorino, de Pernambuco era um dos repentistas mais famosos do Nordeste. Os grandes de Viçosa organizaram um desafio entre os dois vates, lá mesmo na Rainha das Matas. Folcloristas registraram algumas coisas, mas as duas primeiras estrofes dos cantadores, até hoje são imortalizadas na boca dos apologistas.

O poeta pernambucano iniciou a cantoria:

 

Sou Joaquim Vitorino

Filho do velho Ferreira

Natural de Pernambuco

De Afogados da Ingazeira

Sou o maior cantador

Dessa terra brasileira.

 

O outro respondeu a sextilha:

 

Eu sou Manoel Neném

Cantador que não se braia

Sou vento rumorejante

Nos coqueirais de uma praia

Sou maior que Rui Barbosa

Na conferência de Haia.

 

Essas duas estrofes até hoje correm mundo. Mas, sobre os bastidores, contou-me o meu saudoso sogro também repentista, Rafael Paraibano da Costa: “No meio da cantoria naquela noite    houve uma pausa entre a dupla, para beber água, pinga ou qualquer outra coisa. Manoel Neném, enciumado pelo sucesso do cantador de fora, disse aos seus amigos lá no escuro do terreiro, que iria acabar com a vida do vate adversário. Neném era metido a valente e usava punhal na cinta. Foi aí que um dos influentes de Viçosa lhe disse: ‘Não senhor, não se mata um canarinho desse em território alagoano’. Assim o bom poeta, mas intolerante, teve que engolir o ciúme e a valentia.

Não sabemos se na mesma época ou anos depois, o poeta Joaquim Vitorino, hospedou-se em Santana do Ipanema, na última casa da Rua Pedro Brandão na calçada alta, Bairro Camoxinga. Ali, em casa de família, o poeta que tinha problema de asma, antes de dormir vira um frasco com rótulo do remédio que usava. Tomou o conteúdo sem saber que era veneno guardado pelo dono da casa com rótulo para asma. Vitorino foi levado para Palmeira dos Índios, mas não resistiu à fatalidade. Faleceu lá mesmo em Palmeira.  Familiares vieram do Pernambuco para investigar e constataram apenas o que se sabia. A casa da Rua Pedro Brandão tinha uma varanda em forma de arco, hoje é casa de primeiro andar e pertence a um senhor conhecido como Hermes Som.

Logo voltaremos com mais histórias sobre Joaquim Vitorino.

VIÇOSA – AL (FOTO: IVALDO PINTO).

 

 

 

 

 

 


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