quinta-feira, 15 de abril de 2021

 

CHEGANDO O PAI VELHO

Clerisvaldo B. Chagas, 16 de abril de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.51

 



     Para a sensibilidade poética de qualquer santanense, a chegada das águas mansas, arrastadas, do rio Ipanema, é um verdadeiro poema de amor no ventre do semiárido. Elas vão surgindo fazendo meandros na areia grossa, devagar igual a uma grande jiboia preguiçosa. Chegando e fervendo à areia, preenchendo as baixadas, cobrindo as cacimbas, espantando teiús... Vez em quando a jiboia d’água cerca um caçador desatento, uma lavadeira cantora, um pescador distraído. Mas, ao contrário das cheias bruscas e violentas, o chegar tangido das águas traz esperanças aos ribeirinhos que sonham com peixes maiores e a pesca rudimentar. As florezinhas enroladas do marmeleiro fazem uma saudação perfumosa em suas saudosas margens. As águas confirmam os mandacarus floridos no alto das colinas prenunciando o bom inverno sertanejo.

Rio Ipanema, primeira grande estrada de penetração para os desbravadores do estado do Norte que subiam pela sua foz no lugar Barra do Ipanema, até suas cabeceiras na serra do Ororubá, em Pernambuco. Rio percorrido também em Alagoas pelos índios Carnijós ou Fulni-ôs com sede em Água Belas. Rio em que foi descoberto ouro na sua parte inferior, no antigo tempo das penetrações. Rio que deu lugar aos canoeiros do Ipanema em época de pontes inexistentes.

O rio penetra em Alagoas pelo município de Poço das Trincheiras, banha aquela cidade de fronteira, desce para Santana após banhar o povoado Tapera do Jorge. Arrebanha vários afluentes importantes naquele município e chega à Santana pelo Norte e outrora periferia, hoje urbanizada do Bairro Barragem.

Quando o Ipanema está seco é um jardim. Variados tipos de vegetais nascem na areia grossa e salgada, nas frestas das pedras quebradas com gramíneas, arvores, arbustos e arvoretas. Mas nem sempre esse jardim é respeitado pela população que ali deposita seus lixos doméstico e comerciais, despeja direto de fossas e todos objetos descartados em casa. Mas isso é antigo na história do rio. Quando a chamada Cadeia Velha funcionava na Rua Nilo Peçanha, os presos eram obrigados a jogarem as fezes recolhidas em cubas, no rio Ipanema. Conta-se que o soldado Fonfon era bom atirador e ficava vigiando dos fundos da Cadeia os presos que desciam para o rio. Um deles tentou fugir, porém, Fonfon atirou de fuzil de uma distância enorme e o fugitivo foi baleado nas areias do rio.

Rio meu, rio seu, rio nosso.

ÁGUA CHEGANDO MANSA EM TRECHO DO RIO IPANEMA. (FOTO: ACERVO B. CHAGAS).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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quarta-feira, 14 de abril de 2021

 

SEM MÉDICOS

Clerisvaldo B, Chagas, 15 de abril de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.512

 



Você já ouviu falar em Arnica, Mastruz, óleo de Copaíba e Terebentina? Quando não havia médicos no sertão de Alagoas, esses nomes acima estavam sempre presentes no conhecimento popular. Quando as pessoas adoeciam entravam em ação as rezas e os remédios do mato, os mesmos das tradições indígenas e dos repasses pelos mais velhos.  Em casos mais complicados quem tinha condições viajava a Palmeira dos Índios, no agreste, mais perto da capital ou mesmo para Garanhuns, Pernambuco, conhecido como lugar de bons profissionais da medicina. Afora as orações e os remédios da vovó, havia ainda as garrafadas, ervas e raízes de vários tipos, dentro de uma garrafa, preparada pelo raizeiro, benzedor ou garrafeiro, que tanto vendia o seu produto curativo nas feiras livres quanto aguardavam específicas encomendas.

As parteiras foram essenciais nos campos e nas cidades. Muitas delas ficaram famosas porque nunca perderam uma só criança. A parteira também possui as suas orações particulares. No campo era praxe o curador de cobras. Eram curados até cercados onde as cobras que havia se retiravam e as de fora não entravam naquela propriedade. Da mesma maneira que havia ervas medicinais para os humanos, a prática sertaneja também curava todos os tipos de animais: galinha, cavalo, vaca, carneiro, bode... Pois sempre havia alguém com algum conhecimento sobre o tema, uns superficialmente, outros, profundos conhecedores dos efeitos transformadores da flora.

Em Santana do Ipanema, o Dr. Arsênio Moreira, foi o primeiro médico de fora. Já trabalhava para o Batalhão de Polícia de combate aos cangaceiros e também ficou atuando em sua própria residência. Daí em diante muita coisa mudou no sertão. Foi o doutor Arsênio quem examinou o frasco de veneno que Lampião carregava. Isso após a hecatombe de Angicos. Arsênio chegou a morar no edifício onde hoje funciona o Museu Darras Noya. O segundo médico a clinicar em Santana, foi o Dr. Clodolfo Rodrigues de Melo, filho da terra, vindo da zona rural, trazido pela família que fora importunada pelos sequazes de Virgulino Ferreira, o Lampião. Clodolfo atendeu muita gente no campo e atuou em cursos para parteiras leigas.

Já havia as chamadas boticas. Com as chegadas de médicos, também foram implantadas farmácias e chegando medicamentos modernos.

O padre Cícero do Juazeiro era profundo conhecedor da flora sertaneja. Gostava de receitar mastruz com leite para pessoas com problemas de pulmões. Nós sertanejos confiamos na medicina, mas dificilmente você encontrará uma residência que não guarde no armário um chazinho qualquer, tirado da mata catingueira ou dos terrenos baldios de periferia.

ARNICA (crédito: Pinterest).


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