domingo, 14 de novembro de 2021

 

PORTA DA CHUVA – MACEIÓ

Clerisvaldo B. Chagas, 15 de novembro de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.613





Sabia de todas as músicas de forró daquela atualidade. Tinha as preferências de locutores e rádios da capital. Mas por que os apresentadores falavam tanto em “porta da chuva”? Todos os programas de forró tinham abraços e recados para a “porta da chuva”. Mas esse nome me intrigava, uma coisa estranha e inusitada uma porta desenhada no meio de chuva. E assim as músicas iam desfilando no prato e aquele estudante do interior procurava preencher o tempo com Jacinto Silva, Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga e outras feras da música popular nordestina, visando angariar ânimo para prosseguir no Curso Médio. É que têm coisas que são tão simples, mas formam tesouros em nossas cabeças.

Somente já adulto, maduro e pesquisador, descobri a tão falada “porta da chuva”. Descendo por acaso, a ladeira dos Martírios fui parar diante do antigo Palácio já transformado em museu. Ali na praça, motivo de tantos embates em busca de melhores salário e combate à avareza de gestores estaduais, resolvia apenas fotografar o casarão das amarguras, mais como presente do que passado.  E atravessei a praça, desta feita silenciosa. Do ponto de ônibus apurei a vista e a memória e consegui descobri do lado oposto da rua, na esquina da ladeira com a Rua do Comércio, um ponto comercial estreito e quase despercebido, com inscrição na fachada: “Porta da Chuva”. Atravessei pelo trânsito intenso, espiei de perto o que para mim fora mistério e tesouro de memória, quis entrar, mas, por que o proprietário iria ouvir conversas de mais de 30 anos depois?

Guardei minhas lembranças só para mim e dei um passo adiante em direção ao Centro. Levava uma alegria por ter descoberto o enigma “porta da chuva”, um estreito lugar em que os passantes enxergavam para um abrigo das chuvaradas surpresas de Maceió.  Mais também conduzia uma amargura em não compartilhar as lembranças da capital na cabeça do rapaz de Santana do Ipanema. E logo atrás ficava o símbolo de batalhas e batalhas sindicais (Praça dos Martírios) buscando vitórias para transformar professores escravos em cidadãos.

Lágrimas não respeitam idade.

Lembranças continuam imortais

E sabedoria ainda é pedaço de Deus.

ANTIGO PALÁCIO DOS MARTÍRIOS, HOJE MUSEU. (FOTO: B. CHAGAS).

 

 


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quinta-feira, 11 de novembro de 2021

 

CINEMA E CARTOLA

Clerisvaldo B. Chagas, 12 de novembro de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.612






Acho que o pipoqueiro não durou tanto tempo assim na porta do Cine Alvorada, em Santana do Ipanema. E em porta de cinema, dificilmente falta a pipoca cheirosa e quentinha ou da tradicional ou da moderna chamada de pipoca de isopor. Mas a época não era de pipoca. Um cidadão chegado à cidade começou a vender alguns preparados entre a porta de entrada e a bilheteria. O cheiro invadia a rua, mas também penetrava as narinas dos mais quietos espectadores do interior do cinema, na hora do filme. Alguns não resistiam e nem deixavam a fita terminar, abandonavam tudo e corriam para um lanche. “E que negócio é esse que cheira tanto, meu amigo?”  E o homem respondia: “É paio?” “E o que diabo é paio?” “Um tipo de linguiça do Rio Grande do Sul.

Algum tempo depois o paio foi substituído por novo aroma que também provocava frenesi no cinema de luxo lotado, do meu padrinho Tibúrcio Soares. “Você quer matar o povo pela barriga, meu senhor? Que cheiro medonho é esse?” “Cartola, já ouviu falar?” “Não”. Lembro tudo isso porque estou no momento me deliciando com uma cartola tradicional. Coloca-se ovos na frigideira mais uma camada de queijo e mais uma terceira camada de banana fatiada. Com manteiga... Irresistível, deliciosa e saudável até para diabéticos. E se o que vale para o passado voga para o presente, para que perder tempo pensando, na cozinha!

O Cine Alvorada foi marco importante na pacata e progressista Santana do Ipanema, onde não havia tantas diversões assim. Lugar de se divertir, namorar e matar o tempo, o Alvorada era uma das melhores coisas da cidade ao lado do futebol aguerrido do Ipanema no Bairro Camoxinga. Infelizmente a grande decisão do comerciante e empresário Tibúrcio, em construir o Alvorada, estava bem perto do limiar das diversões em casa e, o cinema decorado com motivos regionais, não durou tanto tempo assim. Seu edifício descaracterizado continua servindo o povo santanense como casa comercial também de luxo. Mas a saudade da pipoca, do paio, da cartola do senhor José Gomes, continua cheirando através dos tempos atuais na mente dos que narram os fatos inolvidáveis da terrinha.

CINE ALVORADA (FOTO: B.CHAGAS).

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