segunda-feira, 17 de abril de 2023

 

SERTÃO SANTANENSE

Clerisvaldo B. Chagas, 18 de abril de 2023

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.866

 



Desde os tempos de vila, isto é, antes de 1920, Santana do Ipanema já possuía belos casarões no Comércio, proporcionados por fazendeiros e industriais; já havia banda de música e, praticamente na transição vila/cidade, veio o teatro, o cinema, mais duas bandas de músicas e a primeira pracinha da urbe. A primeira banda foi fundada em 1908, pelo coletor federal e maestro conhecido por “Seu Queiroz”. A primeira pracinha foi inaugurada no meio do Comércio defronte a atual casa comercial Casas Bahia, no Largo prof. Enéas. Recebeu o título de Praça do Centenário em homenagem aos cem anos, após D. Pedro I.  Na gestão seguinte foi colocado o busto do Imperador do Brasil, o que foi motivo de chacota e até colocaram uma gravata no alto busto no final de um obelisco.

A política agia igual aos dias de hoje ou pior. Teatro, cinema e fórum, eram coisas que fugiam ao cotidiano, tinham suas atrações no palco do salão enorme do chamado “sobrado do meio da rua”. Ali o debate entre acusação e defesa lotava o sobrado onde funcionavam todos os grandes eventos fechados da vila e da cidade. Quanto ao Comércio, sempre fora privilégio desde longas datas. As mercadorias diversas chegavam em lombo de burro, jumento, besta, carro de boi e logo com os primeiros caminhões que rodaram por aqui. A feira da vila fora implantada cedo, aos sábados e assim permanece até os dias atuais. Os carros de boi aguardavam as mercadorias para transporte no Ipanema, no poço do Juá, em tempo seco; na margem direita com o rio cheio.

Ainda na década de vinte, após marchas e contramarchas, chegou o primeiro juiz de Santana do Ipanema. Tempos depois teve o caso com o sujeito “Josias Mole”, que vingara o pai na região da serra da Remetedeira. Era mole, mas ficou duro e o juiz o mandou prender, gerando comoção pública, então o juiz mandou soltar. Josias solto virou arruaceiro nos cabarés da cidade e foi preso novamente. Deu trabalho a sair. Vendo-se liberto, ingressou no bando de Lampião com o apelido de “Gato Bravo”. Depois de certo tempo desertou, tornou-se barbeiro e foi preso pela polícia. Foi ele quem guiou o bando de Lampião pela zona rural de Santana e nos caminhos da, então, vila de Olho d’Água das Flores, em 1926. Quer mais ou tá bom?

 

 

 

 


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FALA FRANCÊS?

Clerisvaldo B. Chagas, 17 de abril de 2023

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.865


Sou do tempo de transição da moda francesa para a moda inglesa. Essa moda francesa que predominou no Brasil desde o tempo de Santana Vila até os meados do século XX. Santana do Ipanema era um exemplo disso. Falar francês e importar da França era sinal de riqueza e prestígio. Na minha terra, o coronel Manoel Rodrigues da Rocha equipava seus “sobradões” do comércio com importações francesas, a exemplo do prédio de 10 andar onde morou e depois foi biblioteca pública, com a estátua do deus mercúrio (do comércio) no frontispício, ainda hoje exposta no mesmo lugar. Veio da França. Depois, sua residência definitiva no sobrado do comércio, abaixo do primeiro, havia piano, espelho e me parece também vidros das janelas do primeiro 10 andar.

No Ginásio Santana, escola cenecista, estudávamos francês com a educada e ótima professora, Eunice Aquino que fazia biquinho para pronunciar o sim francês: oui. Foi, então que o modismo francês começou a virar para o inglês. A primeira matéria foi extinta e esquecida e o inglês passou a reinar na escola e em tudo. Até mesmo o Latim, difícil e divertido com o padre Luiz Cirilo da Silva, desapareceu do currículo. Acho que da França só não vinha imagens de santos que eram importadas de Portugal. E daqueles momentos franceses, ficaram apenas na memória, a professora Eunice, em Santana do Ipanema e o professor “Juju”, o melhor da época em Maceió. Mais fácil de aprender pela mesma raiz latina do Português, ela nos encantava nas belas melodias francesas que arrepiava o corpo e a alma, com ainda hoje faz.

Estamos ainda na primeira fase do século XX e podemos constatar ainda em Santana do Ipanema, os velhos casarões mais afamados do Centro, abandonados como sítios arqueológicos cujo mato em torno faz cortina para o invisível. E se há estilo ou toque arquitetônico que lembre a França, objetos do interior, nada falam, nada dizem de um passado faustoso de essência francesa. Tudo isso faz pensar na tradição oral da cidade; os hábitos de um comerciante e prefeito dos anos 20: ficava esgaravatando as unhas na calçada do seu estabelecimento. Ao passar uma senhorita, perguntava quem era ela. Após receber resposta dos amigos da roda, fazia gesto com o polegar e o indicador e indagava: “Fala francês?” Numa alusão clara em saber se a mulher era rica.  E por hoje, chaga de francês!

Casarão do deus Mercúrio em Santana do Ipanema (Foto: livro 230/B Chagas)

 

 


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