PADRES-NOSSOS (Homenagem aos tropeiros) (Clerisvaldo B. Chagas, 20 de setembro de 2010) Para a sensibilidade de Primo Véi, Neilda, Malta, Va...

PADRES-NOSSOS

PADRES-NOSSOS
(Homenagem aos tropeiros)
(Clerisvaldo B. Chagas, 20 de setembro de 2010)
Para a sensibilidade de Primo Véi, Neilda, Malta, Valter, Sérgio e Fábio Campos, Henrique, Zé Ormindo, Davi Chagas, Remi, Marcelo Almeida e Alberto Pereira.

     Lá vamos conduzindo cargas pelos ínvios caminhos das caatingas. Notícias transmitidas em lombos de burros, parte integrante de rapaduras, tecidos, cereais... Aguardente. Sol a pino dardejando na imensidão anil; serras distantes, pequenas, azuladas na curvatura do horizonte. Namorar de guaribas, urros de canguçu, zumbidos de abelhas. Aqui o trotear compassado da burrama, ali o espalhar das águas dos riachos cristalinos. A sombra da quixabeira, os brancos/cinzas dos saquins nas verdes copas. Quebradas, alcantilados grotões, longas travessias de solitárias cores. Soluços de fogo-pagou nos galhos retorcidos, cobertos pelos incisivos estalos do burinhanhém. Rãs nas pedras escuras espiam o movimento da ribeira. Camufla-se a jiboia no pedregulho, salta o mocó no lageiro branco e o preá eriça o ralo bigode no túnel da macambira. O mandacaru é soldado do exército brasileiro em sentinela. A cana de taquara forma corneta para o atalaia dos sertões. Risca a tropa no alto da colina onde o juazeiro acena. É feito o acampamento entre pedras roliças de choroso olho d’água com pestanas de relvas.
     A tropa liberta-se, pisa o chão e come o prado. Mão invisível vai manchando o infinito de amarelo, encarnado, nos pés dos alvos cirrus que desenham rostos; de quem, de além, de ninguém. Parece que na derradeira pedra do serrote (a mais torneada, a mais formosa, a mais mulher) tocam as ave-marias no entrelaçamento com os facheiros. Os burros corcoveiam, vacilam, deitam próximos ao dono, desconfiados com os felídeos. Longe das unhas afiladas e retráteis da jaguatirica. Após a oração, a natureza põe um véu, negro e transparente, em seguida usa o tecido encorpado que encobre a cena. Queimam os gravetos no fogo de chão. Vê-se um faiscar, um reluzir, um brilho intenso que sai da boca da noite. Radiosa estrela que rir, pulsa, jorra felicidade; esperança doce, serena, aconchegante anjo noturno salvador de almas. Tisna o amarelo. Infla e sobe a orgulhosa baronesa elegante em prata. Deus ilumina com esplendor a solidão do peito. Espreme-se a saudade, a frustração rompe a camisa, queima o rosto de fogo, derrama-se o amor fugidio:

“Os zóio da cobra verde
Hoje foi que arreparei
Se arreparasse há mais tempo
Não amava quem amei...”

     Olhos cerrados, pensamentos contam estrelas. Avança a noite. Só o cricrilar nas ranhuras do terreno perturba a paz do elevado. A coruja caça, o rato dispara, o bacurau ausculta. Quando a Papa-ceia sinaliza, a burrama levanta. Hora de enfrentar muitas léguas de chão.

“Ê tropeeeeiro...
Vai partir de madrugada
Não vê mais a sua amada
E amanhece o diiiiaa!...”

     ─ Êêêiii! Vamos simbora amigos, terminou as ave-marias, agora vamos para os PADRES-NOSSOS.





O CASO DA MANTEIGA (Clerisvaldo B. Chagas, 17 de setembro de 2010)      Você já ouviu falar até demais que “o pão do pobre somente cai leva...

O CASO DA MANTEIGA

O CASO DA MANTEIGA
(Clerisvaldo B. Chagas, 17 de setembro de 2010)
     Você já ouviu falar até demais que “o pão do pobre somente cai levando a manteiga para baixo” (pelo menos quando tem manteiga). Para confirmar, também existe a expressão chula, aquela que diz que se fezes tivesse valor o pobre nasceria sem a parte polêmica do aparelho digestivo. Quando o agrônomo doutor Otávio Cabral, veio para Santana do Ipanema, pelo governo da época, aqui fez uma verdadeira revolução na agricultura. Para fomentar o algodão no Sertão alagoano, trouxe o arado, uma coisa desconhecida para todos e, a vontade de fazer progredir a lavoura diante de seus conhecimentos adquiridos em terras distantes. As novas técnicas agrícolas foram mostradas e aprendidas bem como as discutíveis cercas de arame farpado. Nas décadas de 1950-60, virou moda no sertão o plantio do avelós, também chamado labirinto. Planta da família das euforbiáceas (Eufhorbia tirucalli), originária da África. Antes as terras não tinham cercas. Os marcos entre as diversas propriedades rurais quase sempre eram os acidentes geográficos como rios, riachos, serras e serrotes. Alguns fazendeiros, porém, usavam mestres escravos peritos em cercas de pedras, obras de arte que ainda hoje causam admiração. (TCC do Curso de Especialização do autor: Negros em Santana). Com o sistema generalizado de estacas de madeira e arame, implantado pelo doutor Otávio, ficaram as propriedades cercadas, mas transparentes. Quando chegou o avelós, os fazendeiros iniciaram esse plantio nos pés das cercas e em toda a extensão das fazendas resguardando-as dos olhos de quem passava nas estradas. Criou-se aí outra especialidade ingrata que foi a de aparador de labirinto. O cidadão trabalhava com máscara e óculos, pois o avelós produz uma substância leitosa e farta que provoca a cegueira. Os mestres eram poucos por causa dos perigos apresentados, numa época em que prevenção e direitos trabalhistas ainda eram coisas raríssimas nos sertões nordestinos. Ainda existe uma família na região de Santana conhecida pelo apelido de “Labirinto”, graças ao cidadão que ficou conhecido como “Sebastião Labirinto”, falecido há pouco tempo no Bairro São José.
     A partir, aproximadamente dos anos 80, os próprios fazendeiros foram erradicando a Eufhorbia tirucalli, voltando às cercas ao normal, deixando que o viajante pudesse contemplar, toda paisagem das cercanias. E agora, nesse início de século, vão surgindo notícias sobre pesquisas com o avelós e seus encaminhamentos para a indústria. E o diabo da planta que só prestava para cegar as fazendas e os homens, vai virando matéria-prima para cola e outros produtos de alto valor no mercado. Hum! Os bovinos gostavam do seu abrigo durante inverno e verão, mas os casais clandestinos tinham muito que contar. Durante o inverno a parte de baixo do avelós era sempre enxuta e quente. Dava para arriscar um olho! E esse danado que nada valia que fez o pobre arrancá-lo com raiz e tudo, começa a ser procurado e irá valer bastante dinheiro. Será que você ainda não acredita no ditado chulo do povo? É o mesmo CASO DA MANTEIGA.

ALAGOAS, UM OLHAR NA HISTÓRIA (Clerisvaldo B. Chagas, 16 de setembro de 2010)      Quando o visionário padre Francisco José Correia de Albuq...

ALAGOAS, UM OLHAR NA HISTÓRIA

ALAGOAS, UM OLHAR NA HISTÓRIA
(Clerisvaldo B. Chagas, 16 de setembro de 2010)
     Quando o visionário padre Francisco José Correia de Albuquerque fazia um sermão na, hoje cidade de Poço das Trincheiras, emudeceu de repente e se concentrou. Diante da multidão apreensiva, o padre voltou a falar dizendo logo que naquele momento estourava uma revolução no Recife. Foi essa revolta que ficou conhecida na história como A Revolução de 1817. Muitos foram os episódios ocorridos em Alagoas a favor do levante e depois, contra os revoltosos. Ao terminar o conflito, D. João VI, resolveu premiar Alagoas e castigar Pernambuco, tornando Alagoas independente do vizinho do norte, através do decreto de 16 de setembro de 1817. Pelo decreto Alagoas ganhava a posição de capitania independente com um governador nomeado, Sebastião de Mello. Já em 12 de janeiro de 1818, foi publicado outro decreto ratificando o primeiro.
     Diz o historiador Moreno Brandão que nessa época, Alagoas não era muito adiantado, mas também atrasado não era. Sua avaliação progressista era feita pelo número de igrejas e freguesias. Alagoas contava com as vilas: Penedo, Alagoas, Porto Calvo, Atalaia, Poxim, Anadia, Porto de Pedras e Maceió. Como freguesias funcionavam Alagoas, Porto Calvo, Penedo, Sana Luzia, Poxim, São Miguel, Colégio, Atalaia, Pioca, São Bento, Camaragibe, Palmeira e Anadia. Mesmo quinze anos antes de se tornar capitania independente, havia carta falando da situação de Alagoas. Penedo tinha como seu território Porto da Folha (Traipu) e Águas Belas (Pernambuco). Contava com seis mil fogos e quase trezentas fazendas de criar, muitos engenhos e vastas lavouras de algodão. A vila de Poxim tinha seis mil e quinhentos habitantes que viviam do corte de madeira, lavoura de algodão e do criatório de bovinos. Atalaia tinha cerca de mil e quatrocentos fogos, algodão, madeira e comércio de ipecacuanha-preta. Alagoas, Santa Luzia do Norte e Pioca, teria de cinco a seis mil fogos e mais de sessenta engenhos de açúcar, lavoura do algodão e indústrias domésticas de azeite de rícino. Porto Calvo, São Bento e Jacuípe, tinham cerca de seis ou sete mil fogos. Ali se contava cento e vinte engenhos. Supõe-se que a mais importante atividade econômica fosse à extração da madeira. Ainda havia na capitania nova, muitas outras lavouras, inclusive a de fumo, bastante lucrativa. Pequenos estaleiros espalhavam-se pelo litoral e rios de todas as terras.
     Foi diante desse quadro que foi empossado o seu primeiro governador a 22 de janeiro de 1819, Sebastião Francisco de Melo Póvoas que desembarcou em Jaraguá em 27 de dezembro de 1818. Nomeado por três anos, o governador ficaria depois até que fosse indicado o seu substituto. Na época de posse do primeiro governador de Alagoas, Santana, no Sertão alagoano, era um simples povoado com o nome de Sant’Anna da Ribeira do Panema, pertencente a Porto da Folha (Traipu). São 193 anos de Emancipação Política. ALAGOAS, UM OLHAR NA HISTÓRIA.
Adaptado de: Brandão, Moreno. História de Alagoas. Penedo, Artes Graphicas, 1909.
Obs. Cortesia para o (a) amigo (a): Fogos = lares, casas de família, residências.