sexta-feira, 22 de maio de 2009

O ESTOURO DO CINEMA

O ESTOURO DO CINEMA

(Clerisvaldo B. Chagas. 22/05/2009)

Era uma noite muito calma no Bairro Monumento, em Santana do Ipanema, Alagoas. Uma das poucas diversões noturnas, o cine Glória, estava apinhado. O filme em cartaz era o clássico “Aída”, mas o motivo dos frequentadores continuava sendo a falta de opção. Havia aula no Ginásio Santana. Eu estava na Praça de Bandeira, bem defronte ao estabelecimento de ensino, pensando como assistir o filme. Bem que o ato de gazear estava decidido, mas como arranjar o dinheiro do ingresso? Da esquina da praça lançava o olhar comprido para o cinema que ficava a uns cem metros ladeira abaixo. Os meus colegas por certo estavam na Geografia, na Matemática... No Latim do casarão. Ninguém ali para compartilhar o desejo ardente de está no prédio do cine. Meus passos rodavam como o compasso de dona Déa, professora de desenho. Subitamente aconteceu:

Poucas pessoas espirraram de dentro do cine Glória numa velocidade doida! Logo atrás, o grosso da multidão ensandecida surgiu na rua levando o terror de dentro do prédio. Uns corriam sem sapatos, outros pulando e, outros ainda carregando no peito as cadeiras arrancadas com o impacto dos corpos eletrizados. Muitos pegavam carona na garupa dos corredores da frente. Ficaram pelo caminho relógios, pulseiras, brincos, retalhos de roupa... Era a elite de Santana desmanchando-se na fuga em massa do cinema. A calçada residencial de João Aquino –— do outro lado da rua ­— ficou repleta de frequentadores. Desci correndo para saber o que acontecera. Ora, havia sido apenas um simples problema no trilhar da fita, acompanhado de estouro. Ninguém havia esperado para ouvir explicações. Quem era maluco? Pernas para que vos quero. Vendo que nada mais acontecera, aliviada a tensão, vieram os risos, as gargalhadas, a contabilidade dos prejuízos. Não temos lembrança se o povo voltou ao cine. O que mais me chamou a atenção foi que na desarvorada carreira, o silêncio foi total. Terror estampado na face, o povaréu apenas tentava escapar mudo aonde os olhos dilatados e as pernas ligeiras foram destaques.

Quebrada a monotonia das noites santanenses, chegou até a minha cabeça uma importante pergunta. Vale à pena sofrer por um desejo inalcançável? Será que eu não teria sido atropelado gravemente se tivesse ido assistir “Aída”? Nesse caso quem me salvou foi à falta de dinheiro. Moral do episódio santanense: “nem sempre o que desejamos com tanto ênfase é o melhor para nós”, notadamente quando iniciamos mal. Dessa vez, matando as aulas do Ginásio Santana.

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