quarta-feira, 4 de setembro de 2013

O HOMEM/CAVALO



O HOMEM/CAVALO
Clerisvaldo B. Chagas, 4 de setembro de 2013.
Crônica Nº 1081

HOMEM/CAVALO NAS RUAS DE MACEIÓ. (AUTOR).
      As cidades grandes vão se modernizando devagar ou às pressas, mas os contrastes urbanos mostram-se em toda plenitude. Edifícios modernos surgem ao lado de terrenos originários de sítios com mangueiras e outras árvores que aguardam apenas o capital da especulação. Antigos bangalôs de famílias tradicionais, abandonados, ainda de pé graças à bondade da natureza, ricos falidos, restos de família ou fuga para apartamentos deixam-nos órfãos do passado radioso. Nenhum governo tem condições de ir tombando tantos prédios antigos que fizeram história e nem todos os artistas juntos conseguem salvar esses casarões espalhados vítimas do próprio tempo dos seus antigos donos. Os berros dos vendedores tentam imitar um passado de cinquenta anos, concorrendo com os sons poderosos e irritantes. Casas velhas transformam-se em mercadões iluminados de calçadas repletas de remendos. As barreiras comidas pela ação do homem e do clima mostram prédios gigantes no topo, ao lado de residências capengas como desenhos máximos da pobreza que ameaçam queda fatal com família e tudo.
E nas ruas, desde as primeiras luzes da aurora, a miséria sai à cata da sobrevivência, mostrando as mazelas mais esquisitas de um corpo descomunal de concreto. Chamam-nos invisíveis aqueles seres que passam sem serem vistos, pela situação degradante da pele social. Entre eles, está a criatividade que substitui o animal de tração, pelas mãos dos humanos mais humildes. O catador de papelão mistura-se ao trânsito ligeiro das avenidas apinhadas no fado diário de herói de casa. Arrastando uma carroça entre dois caibros e correntes penduradas, adapta-se o ser humano à condição cavalar. Com precisão e vista de rapina, vai conduzindo aquela carroça enorme cheia dos recortes que encontra nas lixeiras. Passa por todos automóveis, não bate em nenhum, nem relincha, nem escoiceia, mas não deixa de ser o homem/cavalo da sociedade que não o enxerga. Os edifícios continuam furando o céu, o luxo permanece no brilho dos metais e, o dinheiro grosso a circular nos azuis da prosperidade. Enquanto isso, o lixo pede passagem entre pneus, apitos e luzes. Você nem vê, mas bem perto circula O HOMEM/CAVALO.

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terça-feira, 3 de setembro de 2013

A IGREJA DE ZÉ PRETO



A IGREJA DE ZÉ PRETO
Clerisvaldo B. Chagas, 3 de setembro de 2013.
Crônica Nº 1080

Velhos sertões cheios de histórias e lendas, ricos em folclore e na coragem sem fim. Lembro-me das grandes cheias do rio Ipanema quando convocava o povo da minha terra para se debruçar na Ponte Cônego José Bulhões. Corrente arrasadora que metia medo e espanto aos santanenses boquiabertos com tanta disposição do rio. Lá na ponta da Rua Barão do Rio Branco, a última casa, a casinha de taipa que servia de residência e bodega a Lulinha, o baixinho bedel do Ginásio Santana, era ponto referencial das águas. E os carneiros maiores que se formavam no estreitinho do poço do Juá, faziam inveja ao riacho Camoxinga que represava suas marradas na força maior do pai velho de Pesqueira. Os comentários ferviam sobre a ponte iguaizinhos aos fervedouros e panelas no lombo do rio macho. Dia de festa, dia de alegria, motivado por aquela investida feroz proveniente do norte. Canoas nessas horas, companheiro, nem pensar! Quem quisesse partir para o outro lado, teria que seguir rio acima, descendo pelo lugar Volta, passando pela ponte da Barragem, iniciada em 1949 e terminada em 1951, sobre o mesmo rio Ipanema.
E lá na saída da cidade, lambendo terras das olarias, as águas do Panema deixavam ou não suas marcas na pedra do Sapo, debruçada na margem direita do caudal. Foi ali naquele cocuruto de granito que o vendedor de bugigangas na feira, Zé Preto, resolveu construir minúscula casinha de oração, como motivo de promessa. Ajeitou a ermida, colocou os santos combinados, deixou escada de cimento para possíveis visitas das imediações e deu por encerrada sua missão cristianizada. Mas os esforços bem intencionados do vendedor de mangalhos não surtiu efeito externo. Com pouco tempo, os vândalos profanaram e destruíram parte da igrejinha. Não sei se Zé Preto ainda vivia quando o lamentável ato aconteceu. Creio, porém, que o pobre homem fez a parte dele, não deixando dúvidas nenhuma aos santos mentores da promessa. Quem hoje passa por uma vereda perto das antigas olarias, há de ver as ruínas no cimo da pedra do Sapo. Os degraus de cimento, negros de lodo, ainda oferecem subida à curiosidade das interrogações. O que teria sido isso aqui? – indaga o caminheiro. Alguns ouvem uma voz que responde: Aqui era A IGREJA DE ZÉ PRETO.  
  



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