quarta-feira, 21 de junho de 2017

FRIO DE MATAR SAPO



FRIO DE MATAR SAPO
Clerisvaldo B. Chagas, 22 de junho de 2017
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica 1.687


Quando as três forças volantes alagoanas, unidas, foram ao último reduto de Lampião, era a noite do dia 27 de julho de 1938. Chovia muito quando os soldados desceram o rio em três canoas improvisadas em ajoujo. Sobre o tempo da madrugada do dia seguinte, os soldados contaram depois: “frio de matar sapo”.
Essa era a nossa típica fase chuvosa outono/inverno a quem o sertanejo sempre denominou de inverno. Estamos falando naturalmente do estado de Alagoas, cujos meses da fase apresentavam-se assim: maio com pouca chuva, quase nada; junho, com pouca chuva em cujos dias das fogueiras costumava cair uma garoa sobre elas; julho, toda a carga de chuva do período, inclusive com o frio de matar sapo ─ Lembra-nos até à moda do casaco “japona” para aguentar o frio das festas de Senhora Santana ─ agosto, mês que chovia até o dia quinze e com tanto frio que matava até os feijoeiros e produzia lagartas. A frieza era, portanto, maior do que a de julho.
Do final do século passado para cá, muita coisa mudou no clima alagoano. As regras foram quebradas não permitindo mais a rotina invernosa, talvez, multicentenária.
Estamos ainda no mês de junho. Você viu acima, caro leitor, que era apenas chuva pouca, acompanhada das garoas sobre as fogueiras dos dias de Santo Antônio, São João e São Pedro. Agora não. Já choveu tanto neste mês aqui pelo sertão que equivale ao antigo mês de julho completo. A água chega dos céus dias e noites seguidas permitindo à frase das volantes de 1938: “frio de matar sapo”.
Os homens da Meteorologia local continuam errando e acertando; certeza mesmo que é bom, através das avançadas tecnologias, ainda não garante totalmente as informações. Assim vamos dando crédito ao passado na floração do mandacaru, na movimentação das formigas, na construção da casa do joão-de-barro e mesmo nas águas que chegam pelo rio Ipanema.
E se é que endoidemos nós, já endoidaram o tempo.
Como será a noite de São João, não sabemos ainda, mas que importância isso tem mais do que um delicioso pratarraz de canjica!.




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terça-feira, 20 de junho de 2017

O BUTANTÃ SERTANEJO



O BUTANTÃ SERTANEJO
Clerisvaldo B. Chagas, 20de junho de 2017
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica 1.686

Trecho de “O Curador de Cobras”, Oscar Silva:
“São mesmo incontáveis os inimigos do sertanejo. Não é somente a seca o destruidor de suas energias. As epidemias, especialmente a varíola, fazem, de quando em vez, uma visita ao sertão e levam boas parcelas dessas energias; o banditismo, em suas diversas modalidades, arrasta consigo outra boa porção; a tamearana e os sáurios roubam também o seu quinhãozinho; aos maus governos toca a parte do leão ─ e o sertanejo abandonado fica apenas com a coragem de continuar lutando ou emigrar para o sul do País.
Como ocorre com o homem, o sáurio sertanejo parece mais faminto que os de outras regiões. Quando o sol permite, a lagarta ataca a lavoura com tamanha sofreguidão, que, em continuando a falta de chuvas, basta uma quinzena para que ela arrase tudo o que o homem levou dias e dias a plantar e cultivar. A obra sertaneja é de uma coloração magnífica: o lombo malhado da cascavel, as cintas vermelhas da coral e o papo amarelo da surucucu brilham com a intensidade à luz daquele sol cremador de caatingas. Esses belos ofídios não poupam, entretanto, uma só vez, um bode sequer de todos os que lhes passem ao alcance do certeiro bote ─ mordem, pelo instinto de morder; matam, pelo prazer de matar; ferem e abandonam a presa, certos de que esta se tornou agora um caso perdido. E o homem vai depois juntando os ossos ─ ossos de animais caídos pela sede ou pela fome e ossos de outros, cujo casco larga das patas à força da peçonha da cascavel, da papa-ovo ou da jararaca-vinte-e-quatro-horas.
Dos Butantãs o sertanejo raramente tem notícias. Completamente esquecido, desconfiados de todas as fachadas ilusórias, volta-se constantemente para os velhos processos e recorre à magia das curas: manda curar os animais que já foram mordidos e não morreram, curam os que nunca foram mordidos e, por fim, pede para ele próprio um habeas-corpus ao curador”.
·         SILVA, Oscar. Fruta de Palma. Educativa, Paraná, 1990. 2 ed. Pag.72.

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