O BUTANTÃ SERTANEJO
Clerisvaldo B.
Chagas, 20de junho de 2017
Escritor Símbolo do
Sertão Alagoano
Crônica 1.686
Trecho de “O
Curador de Cobras”, Oscar Silva:
“São mesmo
incontáveis os inimigos do sertanejo. Não é somente a seca o destruidor de suas
energias. As epidemias, especialmente a varíola, fazem, de quando em vez, uma
visita ao sertão e levam boas parcelas dessas energias; o banditismo, em suas
diversas modalidades, arrasta consigo outra boa porção; a tamearana e os
sáurios roubam também o seu quinhãozinho; aos maus governos toca a parte do
leão ─ e o sertanejo abandonado fica apenas com a coragem de continuar lutando
ou emigrar para o sul do País.
Como ocorre com
o homem, o sáurio sertanejo parece mais faminto que os de outras regiões.
Quando o sol permite, a lagarta ataca a lavoura com tamanha sofreguidão, que,
em continuando a falta de chuvas, basta uma quinzena para que ela arrase tudo o
que o homem levou dias e dias a plantar e cultivar. A obra sertaneja é de uma
coloração magnífica: o lombo malhado da cascavel, as cintas vermelhas da coral
e o papo amarelo da surucucu brilham com a intensidade à luz daquele sol
cremador de caatingas. Esses belos ofídios não poupam, entretanto, uma só vez,
um bode sequer de todos os que lhes passem ao alcance do certeiro bote ─
mordem, pelo instinto de morder; matam, pelo prazer de matar; ferem e abandonam
a presa, certos de que esta se tornou agora um caso perdido. E o homem vai
depois juntando os ossos ─ ossos de animais caídos pela sede ou pela fome e ossos
de outros, cujo casco larga das patas à força da peçonha da cascavel, da
papa-ovo ou da jararaca-vinte-e-quatro-horas.
Dos Butantãs o
sertanejo raramente tem notícias. Completamente esquecido, desconfiados de
todas as fachadas ilusórias, volta-se constantemente para os velhos processos e
recorre à magia das curas: manda curar os animais que já foram mordidos e não
morreram, curam os que nunca foram mordidos e, por fim, pede para ele próprio
um habeas-corpus ao curador”.
·
SILVA, Oscar. Fruta de Palma. Educativa, Paraná, 1990.
2 ed. Pag.72.
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