quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

PALCO DE LUTAS



PALCO DE LUTAS
Clerisvaldo B. Chagas, 28 de fevereiro de 2019
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.069

PRAÇA DOS MARTÍRIOS. (FOTO: B. CHAGAS).
          Sob temperatura de moer gente vamos passando na Praça dos Martírios. Não tem como não lembrar as bravas e renhidas batalhas travadas naquele logradouro. Tempos duros, difíceis, perigosos onde tivemos que desaguar nas batalhas inesquecíveis do SINTEAL. Governadores desalmados pressionando a categoria através de políticas mesquinhas e escravocratas. SINTEAL, cabeça erguida com uma Alba Correia, um Milton Canuto, uma Jarede Viana... E nós, da Sede de Santana do Ipanema, engajado nas lutas ferozes com o trio da primeira diretoria, professores Clerisvaldo Braga das Chagas, José Maria Amorim e Tadéia Macedo. Praça lotada, carro de som bradando e uma categoria intimorata gritando slogan. Lutas e lutas empolgantes contra os tiranos da classe trabalhadora.
          No interior também, muitas outras batalhas foram travadas contra os ambiciosos do poder. Não somente contras os senhores feudais, mas contra outra classe peste, os bajuladores do poder e amantes de carguinhos públicos. E lá mesmo, no interior, o professor José Maria Amorim, faleceu. A professora Tadéia foi embora e chegou a ser ameaçada, já depois de nossa gestão. Várias outras diretorias foram formadas na sede do SINTEAL, em Santana do Ipanema. Até hoje nem uma delas lembrou o trio pioneiro que nunca foi convidado para um “muito obrigado”. O que tiver de ser feito, façamos pelos nossos ideais, sem pensar em homenagem, reconhecimento... Troféus. Entretanto, fica seu orgulho para você mesmo e Deus, o único que não esquece os heróis da terra.
          E lá na Praça dos Martírios, mesmo com o abafado fazendo suco, passa rapidamente pela cabeça uma sucessão de rígidos episódios. Sol queimando e bandeirinhas a tremular. Palácio dos Martírios de tanta opressão e coisas escabrosas resolve expulsar seus ocupantes. Eles agora se abrigam por trás, no mesmo terreno, num tal Palácio República dos Palmares. Todo exterior envidraçado para ver sem visto as caras amarguradas dos que lutam pelo pão de cada dia. E a antiga e imponente sede feudal, vira museu, Museu Palácio Floriano Peixoto, onde as coisas invisíveis vagueiam. E o branco das paredes, dos muros, dos jardins, trazem lembranças das palavras de Jesus sobre os túmulos caiados.
          Sim, sertanejo é sábio: “andar para frente que atrás vem gente”.

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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

NÓS E OS RIACHOS

NÓS E OS RIACHOS
Clerisvaldo B. Chagas, 26 de fevereiro de 2019
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.068

RIO IPANEMA. (FOTO: B. CHAGAS).
       Certa vez escrevemos sobre o isolamento das nossas paisagens, sobretudo dos nossos riachos. Pequenos, médios, alongados, tão humildes no verão, tão alegres no inverno. Esquecidos pela humanidade tornam-se invisíveis como pessoas idosas nos recantos da casa. Somente os fatos relevantes negativos ou positivos, fazem-nos brilhar nos noticiários e nos interesses dos que buscam. Veias de uma rede que alimenta os grandes rios que nutrem os bravos oceanos. Exemplificamos um desses riachos da nossa terra, conhecido como João Gomes. Quando não havia ponte sobre ele no trecho Santana do Ipanema – Olho d’Água das Flores, bem que o nosso riacho tinha prestígio. No período chuvoso descia violento interrompendo o trânsito por vários dias seguidos. Aí sim, todos falavam sobre ele com respeito danado e medo de afogamento.
        Foi às margens do João Gomes que nasceu o escritor Oscar Silva, tão bravo na sua sobrevivência quanto o riacho que o viu nascer. Mais tarde escreveria, em contexto, que nenhum geógrafo do Brasil o conheceria e nem iria conhecê-lo. Seu conterrâneo tornou-se geógrafo e o conheceu. Mas depois da ponte, de fato nunca mais houve manchete, assim como as eternas do riacho Ipiranga. Mas se o riacho João Gomes pensasse como gente, o que diria do colega de Minas Gerais, o córrego do Feijão? No Nordeste chamamos riacho, no Sudeste, córrego. Então, é melhor ser humilde e ter a honra de ter originado um filho escritor ou ter ganhado a fatalidade que ocorreu no Brumadinho? Tem a fama para cima, tem a fama para baixo. E, não podemos esquecer o poeta que disse: “Água corrente/água corrente/teu destino é igual/ ao destino da gente”.
       E o meu Sertão continua repleto de capilares, de veias, de artérias, alimentando os grandes, os famigerados, os mitológicos, pavões atrativos do mundo. Fiquemos assim com a modéstia incondicional do João Gomes, do Camoxinga, Bola, Tenente, Salobinho, Desumano, Farias, Tigre, Jacaré que nutrem o Capiá, o Traipu, o Ipanema, o Riacho Grande... Suportes missionários do “Velho Chico”, nutricionista do Atlântico.
       “Água corrente/água corrente...”.



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O CARRO DE LAMPIÃO



O CARRO DE LAMPIÃO
Clerisvaldo B. Chagas, 26 de fevereiro de 2019
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.067

       Escreveu o escritor Oscar Silva: Quando a Coluna Prestes passou pelo Nordeste em 1924, aos meus nove anos de idade, nossa cabeça infantil foi ficando confusa, misturando as notícias dos revoltosos com as primeiras e verdadeiras histórias de Lampião, de que íamos tendo conhecimento.
       Até pouco tempo, pertencendo ao grupo dos Porcino, não passava ele de um simples Virgulino Ferreira da Silva, cabra de Antônio Porcino. Como também o eram seus irmãos (...) desviados em 1918, da profissão de tropeiro a de matadores de gente.
(...) Em 1926, Lampião achou de fazer umas visitas a quase todos os municípios e distritos sertanejos. Entrou em Olho d’Água das Flores, com 106 cabras bem montados, a corneta tocando na frente. Percorreu outros distritos e ameaçou beber água do Ipanema dentro mesmo de Santana. A cidade preparou-se para recebê-lo. Em todos os becos e bocas de estradas, as sacas de lã formavam trincheiras à espera do Rei do Cangaço. Dia e noite cruzavam as ruas homens e soldados fuzis e rifles ao ombro, cartucheira na cinta e medo no coração. O menor ruído, o mais leve sinal era bastante para que as trincheiras se enchessem de homens. Em um desse dia, o sol queimava a caatinga e banhava a cidade de luz. Ao lado do serrote do Cruzeiro levantou-se a poeira e veio vinda estrada afora, direção à rua. Um grito ecoou pela cidade inteira:
        -- ‘Lampião!’
       Corriam homens em todas as direções. Mulheres e meninos tremiam dentro de casa. Os ferrolhos dos fuzis e alavancas de rifles faziam lacolaco atrás das sacas de lã (...). O carro de boi desceu a ladeira, as palhas da tolda reluzindo ao sol. Vinha para a cidade uma família santanense que corria do grupo de cangaceiros. Os homens se recolheram. Arrefeceu o pavor geral. O riso invadiu a cidade. E, quando o carro foi entrando, já se dizia pilhericamete:
       -- Vai entrando o carro de Lampião.
       Isto aconteceu. Isto em vi. (22).
Extraído do livro:
CHAGAS, Clerisvaldo B. & FAUSTO, Marcello. Lampião em Alagoas. Maceió, Grafmarques, 2012. Págs. 150-151.



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sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

PARABÉNS AO GRANDE ARTESÃO



PARABÉNS AO GRANDE ARTESÃO
Clerisvaldo B. Chagas, 22 de fevereiro de 2019
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.066

          (FOTO: DISKGRAM. ALAGOAS FEITA À MÃO).
       Maceió, que é bonita por natureza, vai ganhando ornamentos extras, valorizando as paisagens da orla. A capacidade criativa dos nossos artesãos está por todos os lugares e nas mais variadas matérias-primas como palito, barro, tecido, linha, coco, sucata, madeira, couro, sola, osso e outras mais. Os monumentos artesanais colocados na orla valorizam tanto o artesão quanto a história e a paisagem, geralmente deslumbrante. Assim, uma das grandes atrações de Maceió, foi a sereia, que terminou virando nome novo da praia. Nada mais atraente para turistas. Depois veio a estátua de Ganga Zumba, Graciliano Ramos e agora o belíssimo boi da praia, na Avenida da Paz. Trata-se de uma obra do mestre artesão João das Alagoas, ceramista do município de Capela. É uma nova interpretação do bumba-meu-boi e todo folclore que cerca a figura popular.
       A peça estar assentada no chão, tendo a desvantagem de sofrer agressões pelos desentendidos. Mas também possui a vantagem de ser visto de perto com o visitante rodeando o animal, acusando cada detalhe significativo do autor. Em muitos lugares do Brasil, o poder público esquece a manutenção dos seus monumentos. Assim, a sereia perdeu o rabo de peixe e, tudo indica que ainda continua assim. Muitos outros monumentos aqui em Maceió foram pichados e mutilados. Fazer o quê? Apelar para quem? Os artistas continuam fazendo seus trabalhos, muitos em tendas apertadas no sacrifício do espaço e das condições mínimas. Existem formas de divulgação dos trabalhos, mas ainda não conhecemos projeto para condições mais confortáveis do fabrico.
       Mas se Alagoas descobriu mestres e mestras atuais, melhor para o estado que não fica somente eternizando artesãos já consagrados de outras plagas. O monumento chama atenção, mas é preciso divulgar sempre o autor do trabalho. O talento artístico encontra-se semeado por todos os municípios. E de repente surge uma peça inédita quebrando a rotina e virando notícia no mundo da arte. Queremos, porém, voltar ao trabalho do mestre João das Alagoas, parabenizando-o pela sua escultura que chama atenção na praia da Avenida. Avenida da paz, paz para mestre João.




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quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

CARNAVAL MORNO

CARNAVAL MORNO
Clerisvaldo B. Chagas, 21 de fevereiro de 2019
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.065
 
BLOCO PAU d'ARCO. (FOTO: REMI BASTOS).
       As tradições vão mudando de acordo com a época. Os grandes bailes, as grandes orquestras, os carnavais, o cinema, os grupos folclóricos, vão desaparecendo e surgindo novos valores. Com o advento da televisão – divertimento sem sair de casa – o mundo velho foi virando, notadamente no interior. Acabou cinema, teatro, bailes, guerreiro, reisado e tantas outras coisas... Só não acabando o cantador de viola porque este se adaptou aos novos tempos nos estudos e nas migrações para cidades grandes do Nordeste. Com o carnaval não foi diferente. E fora dos grandes centros carnavalescos as folias foram extintas ou resistem com alguns grupos que vivem mais do passado do que da atualidade. O interior fala em carnaval, badala o carnaval, mas não consegue empolgar a multidão. Sem pessimismo ou otimismo, não ressuscita.
       No comércio maceioense, mesmo com o carnaval chegando, movimento franco pelas calçadas. Casas de fantasias normais sem meio mundo de gente comprando. No Sertão, fora as propagandas dos municípios, um movimento insipiente que não decola. Pequenos abnegados foliões saudosistas ainda fazem alguns blocos, mais para a desculpa de beber de que para desfile e abrilhantamento da festa. Muitos prefeitos têm se esforçado para avivar o evento, mas os próprios foliões preferem procurar cidades vizinhas, mas que também não conseguem sustentar de pé a folia de Momo. Como já foi dito, até mesmo o carnaval foi atingido com o tempo. E se em Alagoas aumentou o número de visitantes, foi mais para descanso e lazer das praias do que para folia.
       Em Santana do Ipanema, onde havia bons carnavais de rua e de clube, nessa época flui apenas a saudade de blocos como os do Urso Preto, dos Cangaceiros, Piratas, Volantes e grupos de caretas por todos os lugares. Seu Nozinho (ô), Reginaldo, Chico Paes, Albertino Melo, ícones dos carnavais da cidade partiram, mas ainda são lembrados sem repetições. O comerciante Nozinho brincava só; o professor Reginaldo também brincava só e era inventivo. Basta lembrar a cena “A velha debaixo da cama”; Chico Paes chefiava o bloco do Urso Preto e, Albertino Melo saía montado numa ema, cujas pernas, eram as dele, mesmo.
      Novo século, novo ano e, no interior, um carnaval estraçalhado, fraco e morno.
  






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