SEU CARRITO E O OVO DA JUMENTA
Clerisvaldo B. Chagas, 30 de outubro de 2020
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica:
2.409
Já
falei aqui sobre o personagem da minha terra, Carlos Gabriel, o Seu Carrito.
Bodegueiro na Rua Antônio Tavares, muito prosperou no seu negócio com bodega
bem sortida, bastante elegância e educação. Magro, aprumado, chapéu de massa,
fala mansa e compassada, bigode sem exagero e muito querido ali naquelas
redondezas. Gostava da fazer folclore em tempo de Semana Santa, quando promovia
o pau-de-sebo e a casa-de-urtiga, no terreno baldio defronte a bodega onde hoje
é a casa do, então, prefeito Paulo Ferreira. No salão do seu estabelecimento de
esquina, sempre tinha pessoas palestrando. Carrito alimentava essas palestras, quando
havia pausas entre as compras da sua clientela.
O
comerciante gostava de contar histórias das administrações passadas, de Santana
do Ipanema, dos bairros, da cidade... Era uma espécie de historiador local,
para uma plateia, infelizmente, analfabeta em maioria. Foi através dessas
palestras que escutei ali quando rapazinho, sem saber que no futuro estaria
reproduzindo em livro os ensinamentos do querido bodegueiro. Posso exemplificar
sobre o histórico da igrejinha de São Pedro, nossa vizinha da Rua e Bairro São
Pedro. Caso soubesse do meu futuro como escritor e historiador da terra, teria
obtido livro completo sobre nossa cidade, mas é proibido prever o dia de
amanhã.
Nas
imediações da bodega, já na rua de baixo, chamada Rua de Zé Quirino (construída
por ele, o Quirino), morava uma cliente da bodega, fofoqueira de ofício. O que
via, o que quase via, o que nada via, “espalhava aos quatro ventos”, como reza
o ditado popular. Por isso ou por aquilo andou boatando coisas. Nunca procurei
saber o quê. Carrito, não querendo ser direto e grosso com a cliente,
aproveitou uma daquelas palestras em que a cuja estava presente e disse para
todos com muita seriedade: “Tinha uma jumenta lá no sítio Sementeira (estação
experimental do governo) que botava ovos semelhante às galinhas...” Ninguém entendeu nada, nem indagou, inclusive
eu que estava presente.
Só
muito depois fui raciocinar e compreender que Seu Carrito dava uma lição na
mulher presente, tiraria à prova da sua língua ferina quando ela espalhasse a
conversa da jumenta da Sementeira.
Carrito,
além de historiador, aplicava assim seus dotes da psicologia.
Obs.
Somente depois das bodegas, vieram as mercearias, maiores e mais sortidas.
PAU
DE SEBO. (FOTO: DIVULGAÇÃO/SEJAL)