LUXO NO LIXO
(Clerisvaldo B. Chagas. 1.7.2010)
Para Ana Helena, pelo que o nosso pai nos ensinou
O homem sempre gostou de dinheiro e foi aperfeiçoando os métodos de ganhá-lo e guardá-lo. Muitas histórias de piratas em livros e filmes vão mostrando como os assaltantes dos mares faziam para esconder as arcas valiosas em ilhas desertas. Desde os tempos mais remotos os bandos interessavam-se pelos ataques, pilhagens e divisões dos botins. Na Idade Média, contemplamos pessoas do povo escondendo moedas em ocos de árvores, restos de cinzas, pilhas de lenha e em buracos no chão. Os cuidados normais com parcos recursos ou com os lucros de ambições desmedidas, sempre preocuparam o homem no sentido de proteger eficazmente os seus bens. Até bem pouco tempo passado, não havia bancos no Sertão. Cada indivíduo usava o cérebro para se livrar dos predadores de moedas e cédulas. Um rico fazendeiro em Monteirópolis, por exemplo, logo ao vender uma boiada, jogou os pacotes embrulhados em papel jornal, sobre o guarda-roupa. A esposa o advertiu alegando que o melhor lugar para esconder dinheiro era sob o colchão. O homem disse que sabia o que estava fazendo. Durante a noite, os bandidos vieram buscar o dinheiro da boiada, mas o fazendeiro falou que foi vendendo os bois e pagando a quem devia, nada restava. Os cabras mexeram debaixo dos colchões e em outros prováveis lugares, desistiram e foram embora. Segundo Silvio Bulhões, o filho de Corisco, o povo falava que sob o tamarindeiro da casa do Padre Bulhões, em Santana do Ipanema, havia uma botija. A casa desapareceu, o pé de tamarindo continua lá, mas ninguém soube se algum sortudo conseguiu a façanha de encontrar essa botija.
No período dos grandes boiadeiros em Santana, Lucas, Pompeu, Arnóbio, Enéas e outros, Pompeu era mestre em transportar os cobres. Dizia ele que, quando recebia os maços de dinheiro, jogava-os dentro de uma bolsa velha de palha, tipo “perdoe”, soltava uma gargalhada bem gostosa e desaparecia no meio do mundo. Quem iria suspeitar de um quase esmoler! Certa feita o comerciante Lourival juntou o apurado e o jogou à lixeira. Qual o assaltante que espiaria uma lata de lixo? Acontece que, momentaneamente, esquecera o ato. Os garis passaram recolhendo o lixo do comércio e foram embora. Ao lembrar a lixeira, o comerciante correu a indagar aos funcionários da prefeitura, e nada. Já diziam, comadre, que dinheiro não fala. Naquela noite alguém deve não ter dormido de tanta felicidade.
É muito difícil separar o Ter do Ser. Como ficavam admirados os índios das Américas quando os brancos europeus falavam em acúmulo de riquezas. Eles não entendiam esse procedimento inútil dos civilizados. Mas existe religião que se baseia nos metais como sinal certo de vida eterna. E quando se pensa demasiadamente no Ter, caem verticalmente às boas qualidades do homem. A ganância leva o indivíduo a praticar os mais repugnantes atos sociais, muitos deles amplamente divulgados pela mídia. Mas, misturando Moral e Economia, continuam as jornadas humanas no fio de dois mundos inseparáveis. Enquanto uns, apostando nos juros fáceis, aplicam em bancos os desatinos, outros jogam as riquíssimas virtudes na lata, esvaziando o coração, provocando o que não serve para ninguém: um LUXO NO LIXO.
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