(Clerisvaldo B. Chagas. 30/31.05.2009)
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As noites sertanejas são belíssimas no verão. A Literatura está repleta de elogios à Lua cheia; à imensidão de estrelas; ao brilho particular das constelações; à esperança saudosa da Papa-Ceia. Mas o contraste também é verdadeiro. As longas noites de invernos são terrivelmente escuras. Um silêncio infinito toma conta do mundo. Até mesmo os animais notívagos encolhem-se nos seus ninhos, nas suas tocas, nas suas casas. E cai aquela chuva fina, fininha, aramada, trazendo uma frieza macho que doi nos ossos.
Na calma da noite nos sítios, o som se propaga e vai longe para os ouvidos acostumados dos caboclos. É um espocar de foguete; é um tiro de carabina; é o ronco de um automóvel ou mesmo um longo gemido de carro de bois.
Na fazenda do Senhor Dionísio, os trabalhadores dormiam no galpão, quando acordaram assombrados. Dirigiram-se à casa-grande, acordaram o patrão e deram conta do fenômeno: “A zoada enorme de um bicho feroz, desconhecido, vinha rasgando o véu da noite”. Apavorados, os homens perguntavam o que fazer, ao mesmo tempo em que cerravam à porta com travas de baraúna. Dionísio mandou que fizessem silêncio, ouviu o barulho do bicho se aproximando e, com o dedo em riste, resoluto deu a ordem: Abram a porta e deixem o bicho entrar. Foi difícil a obediência apavorante, mas cumprida integralmente. E quando o barulhão estranho chegou ao terreiro da casa-grande, o mistério mostrou-se de corpo inteiro. Tratava-se de um tangerino, vaqueiro areado (perdido) que retornava a Mata Grande, após tanger algumas reses para Santana do Ipanema. Pendurada à sela, o cavaleiro trazia um chocalho numa correia solta. Era aquilo que fazia tanta zoada. Guiado pela chama distante da candeia, o “paladino das trevas” chegou a casa, cumprimentou, identificou-se e contou seu drama curto. Bem informado dos caminhos, recusou hospedagem, agradeceu e foi engolido pela noite. O barulho recrudesceu e foi ficando cada vez mais distante. Foi quando os medrosos da fazenda criaram alma nova.
Quantas vezes temos medo do que não conhecemos! Quantas vezes o receio se aproxima fazendo um barulho enorme, como o vaqueiro invisível de uma noite escura!
Tenho aplicado a lição transmitida pelo meu pai sobre o tio sábio Dionísio Chagas. Quando os inimigos gratuitos, hipócritas, covardes, invejosos, bruxos (a), atacam silenciosos como serpentes ou barulhentos como o vaqueiro perdido, tenho pena deles. Até porque, nunca vi a Natureza deixá-los impunes.
Apiedo-me das suas fraquezas, mas gargalho por dentro: ABRO A PORTA E MANDO O BICHO ENTRAR.