sexta-feira, 30 de agosto de 2013

ZÉ CONCEIÇÃO



ZÉ CONCEIÇÃO
Clerisvaldo B. Chagas, 30 de agosto de 2013.
Crônica Nº 1078

Conceição saiu satisfeito e o primeiro lugar escolhido para comemorar foi o Aki-Lanches. Bastava uma para a sua vitória. Mas a segunda veio, a terceira, novamente era Carnaval na vida do Zé. Ouviu batuques na Toca. Já era o bloco dos carregadores de novo. Mas dessa vez Conceição cismou. Avistou João Baía e sem saber por que começou a odiá-lo, a marcá-lo. A vista ficou turva; sentiu-se débil para cair no frevo. Todavia, dinheiro tinha no bolso. Era melhor complementar na casa de Zefinha. Saiu no andar faceiro. Caminhado de urubu com paciência. Na calçada do Samburá o repentista José de Almeida glosava com Daudeth Bandeira. Conceição disse para o primeiro:
─ Armeda, taqui dez conto mode você me tirar um mote: Zé Conceição é o dono de dona Maria Bela.
Almeida não se fez de rogado:

Maria Bela é a flor
Que enfeita o meu jardim
Eu a quero só pra mim
Sou um homem sonhador
Se ela arranjar outro amor
Se acaba eu ele e ela
Quem mexe em minha panela
Cm seis balas deixa o trono
Zé Conceição é o dono
De dona Maria Bela.

Não gravou direito o que o outro poeta disse, mas ficou satisfeito. Pagou e saiu. Sem que Maria o avistasse, novamente, foi procurar Zefinha. Ali se afundou no amor comprado onde esperou para se embriagar de novo. Mas dessa vez saiu mais cedo. À boquinha da noite. Subiu o Beco São Sebastião (...).
(...) É quarta-feira de cinzas. Acabou-se o Carnaval. Zefinha está muito triste. Zé Conceição abre os olhos cansados como se tivesse vivendo um sonho. É o dia que entra pelas grades da prisão. Não existe mais lobisomem... Não existe mais João Baía... Não existe mais Maria Bela... Agora, somente uma prolongada ressonância nos tímpanos de alguém:

“E como foi...
E como é...
O urso preto
Vem da arca de Noé...”

* CHAGAS, Clerisvaldo B. Carnaval do Lobisomem. Santana do Ipanema, Nordeste, 1979.

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quinta-feira, 29 de agosto de 2013

A VELHA LINGUARUDA



A VELHA LINGUARUDA
Clerisvaldo B. Chagas, 29 de agosto de 2013.
Crônica Nº 1077

Como tudo um dia transpira, o cabo veio, a saber, da delação de Donana. Culpa mesmo da velha que andou badalando a língua. Pompeu armou-se de um cinto de couro e partiu para tomar satisfações com a fuxiqueira, sua ex-informante. Ia meditando. “Bem que poderia ter dado uma surra maior naquela velha safada. Dera apenas um empurrãozinho besta... De nada adiantara. Ah! Linguinha da peste! Velha descarada! ─ Ela iria ver agora com quantos paus se faz uma cangalha ─ Nojenta! Eu não sei onde tava com a cabeça que não despachei logo aquela alcoviteira sem-vergonha!”
Donana, na sua própria casa, levou um tremendo susto com a chegada do cabo. O polícia não contou conversa. Foi logo batendo na velha:
─ Tome, veia da cara de guariba! Tome! Vá conversar merda agora, caminhe!
─ Ai! Ai! ─ gritava a pobre Donana.
Ninguém ouviu. Ninguém acudiu. Terminada a tarefa, o cabo deixou a velha caída no chão batido. Sua vítima soluçava de tantas dores. Talvez até morresse da surra. “Morria nada! ─ pensou ele.─ Vaso ruim num se quebra”. Ainda se voltou da porta e disse:
─ Agora vá dizer ao povo que fui eu quem lhe bati, veia safada! Se eu vier aqui de novo, só venho mode cortar a sua língua, tá me ouvindo? Você nunca mais vai podê falar nada... ─ e saiu de peito lavado.
Donana secou as lágrimas com a barra do vestido. Tentou levantar-se. Conseguiu. Curtindo sua má sorte, caminhou até o porrão, segurando nas paredes. Tirou a tampa de pano do recipiente e introduziu um caneco sujo na água em decantação. Colocou um pouco na boca e bochechou. Jogou o líquido da boca no pé da parede. Bebeu alguns goles. Fechou a porta e saiu trôpega de estrada a fora, ajeitando um pano na cabeça e arrastando os tamancões na poeira macia. De vez em quando, parava para olhar para trás.  “Quem de uma escapa cem ou mil anos vive. Mas ficaria calada? Ficaria o quê?! Pra que o povo quer língua...? Num é para falar mesmo?! Deixe estar que a vez do cabo estava marcada. O filho do cão não lhe respeitou nem a idade! Tu me paga, desgraçado! Tu vai ver o que é uma boca de praga. Iria dizer tudo o que sabia aos romeiros e ficaria por lá mesmo. Mestre Bilu iria lhe acudir”.

·         CHAGAS, Clerisvaldo B. Defunto perfumado. Santana do Ipanema, Sergasa, 1982. Págs. 95-96. (romance do ciclo do cangaço).

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quarta-feira, 28 de agosto de 2013

NOTÍCIAS DA AGRIPA



NOTÍCIAS DA AGRIPA
Clerisvaldo B. Chagas, 28 de agosto de 2013.
Crônica N 1076
IPANEMA A MONTANTE DA BARRAGEM. (Autor).

ESCOLA HELENA BRAGA EM FESTA DE ELEIÇÃO. (Autor).
A Associação Guardiões do Rio Ipanema, após coleta de dados do primeiro subtrecho dos seis em que o rio Ipanema foi didaticamente dividido, faz trabalhos paralelos. Começamos vigorosamente a nossa biblioteca virtual de títulos. Estão sendo catalogados todos os livros que falam sobre o rio Ipanema, seja ele exclusivo sobre o rio ou apenas se refira ao acidente geográfico com uma frase apenas. Além da nossa biblioteca virtual de títulos, emparelhamos com a coleção de plantas medicinais, encontradas no leito do rio Ipanema ou em suas margens, próximas. Em breve, pois, a AGRIPA também abrirá às suas portas às escolas santanenses do básico aos cursos superiores para pesquisas em nossa biblioteca e fitoteca do rio Ipanema, únicas nos dois estados. Logo, logo, a AGRIPA também convidará botânicos, biólogos ou professores de Biologia que se prontifiquem a catalogar conosco, a fauna do rio na área restrita aos objetivos da AGRIPA. A Associação espera contar com todas as associações, comunidades e escolas situadas às margens do Ipanema, nessa fase inicial de coleta de dados.
Os Guardiões do Rio Ipanema, são pessoas que trabalham normalmente em suas respectivas profissões, portanto pessoas ocupadas. Mesmo assim, cada um procura doar um pouco do tempo disponível para engrandecimento de uma entidade que poderá ser motivo de orgulho para Santana do Ipanema. A AGRIPA poderá indicar, por exemplo, o turismo de trilha, lazer e ecológico pelo despertar das suas belezas naturais, como mostra a foto ilustrativa acima. Os seus membros trabalham sem remuneração alguma, apenas movidos pela paixão do liame com o Ipanema. É preciso, contudo, uma sede própria, modesta, mas decente e bem localizada, para que os Guardiões possam trabalhar e receber suas visitas que não serão poucas. E aquele que tiver condições de assim fazer por ela, em amor à causa que move a Associação, com certeza a AGRIPA agradecerá aos benfeitores. Existe inclusive a ideia de honraria anual aos que prestarem relevantes serviços ao seu desenvolvimento.
Enquanto isso, a AGRIPA continua abrigada na Escola Estadual Professora Helena Braga das Chagas, no Bairro São José, escola que sempre fez parceria com a comunidade e que coopera fortemente com uma guardiã e dois guardiões saídos do seu quadro. Sexta-feira, próxima, haverá mais uma reunião ordinária da AGRIPA, ocasião em que poderá definir sobre seus futuros associados.



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terça-feira, 27 de agosto de 2013

LAMPIÃO E CORISCO



LAMPIÃO E CORISCO
Clerisvaldo B. Chagas, 27 de agosto de 2013
Crônica Nº 1075
  
Para quem gosta de história de cangaceiros, apresentamos abaixo, matéria publicada na “Folha da Manhã”, jornal sergipano no tempo do cangaço. Dez dias após a morte de Lampião, era estampada no referido jornal:
“Diz-se que, morto Virgulino, o rei do cangaço, tem em Corisco um legítimo sucessor. Entretanto, somente a impressão exterior é que transfere para a atual eventualidade o prestígio de uma majestade que Corisco há muito adquirira por merecimento próprio.
Lampião, sem dúvida, o maior destruidor de riquezas e de vidas que já viveu no Brasil, criou fama à sombra de perversidades e vandalismos sem limite, Era uma alma esfíngica, um ser incompreendido, que guardava uma surpresa em cada gesto.
Suas atitudes não tinham a execução lógica de um caráter fixado na psicologia, pois a sua conduta era um mundo de fugas e fintas para os observadores mais íntimos. Era aliás, a chave do seu terrível prestígio.
Corisco é mais humano. Tem um caráter definido. Sem nenhum sentimento de bondade, age, porém, como homem lógico. É uma verdadeira máquina de precisão. Lampião ameaçava sempre, mas nem sempre executava a ameaça.
Corisco não diz o que pretende fazer. Faz. E, quando age, vai direto ao objetivo. Será fácil adivinhar-se uma atitude de Corisco, ao passo que era impossível saber o que Lampião faria até mesmo na hora do fato. Mas, na técnica de atacar, Lampião ficava muito a distância de seu antigo subordinado.
Na história sangrenta de Corisco não se registra um assalto frustrado. Ele estuda o terreno, pesquisa, prepara-se com requintes de cuidados, mas quando investe é para vencer sempre.
Não se aventura a um assalto duvidoso, ao passo que Lampião muitas vezes teve que fugir diante de uma resistência inesperada.
Esse homem diabólico ainda vive no sertão, onde sua fama só é menor do que a de Virgulino pela repercussão das barbaridades do rei do cangaço. As forças que combatem o banditismo reconhecem a superioridade técnica de Corisco e compreendem ser ele um bandido mais “duro” do que Lampião.
Morto o “terror do sertão”, resta às autoridades a caça ao bandido louro. Manuel Neto, Luiz Mariano e João Bezerra, a trindade de ferro que luta pelo extermínio do cangaço no Nordeste sabem que encontrarão em Corisco um inimigo se não mais perigoso, pelo menos mais valente e mais difícil de abater. Vai começar, agora, a caçada ao bandoleiro de olhos verdes. Não faltarão aos seus perseguidores a tenacidade e a coragem necessária para enfrentar todos os riscos dessa luta de morte a que os sertões nordestinos assistirão”.




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domingo, 25 de agosto de 2013

"O NATAL DE GRECCIO"



“O NATAL DE GRECCIO”
Clerisvaldo B. Chagas, 26 de agosto de 2013.
                                                        Crônica Nº 1074

Vamos iniciar a semana com um inspiradíssimo puxão de orelha do nosso saudoso amigo e escritor penedense.
“Os homens crescem no acumular riquezas. Lutam e nem sempre com dignidade pela conquista do poder. Procuram solapar a dignidade da família. Agridem à natureza, obra de Deus, a serviço do próprio homem. Nega a Deus, construindo dentro de si, do seu “eu” um ídolo que o atrai e o trai, deixando-o apaixonado pela sua própria grandeza fugidia e passageira. Assistimos, não vejamos nesta afirmação pieguismo e nem cafonismo, um termo do momento, uma total “negação de Deus”.
O mundo da técnica que deveria crescer harmonicamente está perdido dentro de sua própria realidade. Quando o homem que é obra de Deus, deveria como Francisco cantar o ─ “Cântico das Criaturas”, louvando pelas coisas criadas ao Criador, ele com seu egoísmo procura destruir a natureza, pois destruir o próprio homem já não satisfaz.
Tudo isso acontece porque o homem moderno prefere fechar o caminho que o leva a Deus que é a “oração”, construindo dento de si o muro que divide ricos e pobres, povos, filhos e pais, homens e o homem e Deus.
Como o homem do século XX precisaria parar para uma reflexão! Calar, para no silêncio poder escutar. Tomar consciência de que a sua vida é um trânsito longo ou curto. Porque tanta ânsia de acumular riquezas, deter nas mãos o poder? Porque anular o irmão para conquistar posição na sociedade? Porque anular fugir de sua procedência divina, assumindo um comportamento que nega a sua razão de ser? (...)
(...) Nós homens todavia, continuamos com uma atitude covarde, distanciados da nossa própria realidade, surdos ao chamamento, temerosos do encontro com a Verdade, iludidos com o fugitivo, vazios, realmente, vazios.
Viver a nossa realidade de ser criado não significa negar o valor dos “valores de hoje”. Cada tempo tem a sua marca e sempre o homem é o agente da sua realização. Se na Idade Média vivemos um momento inspirado no “Teocentrismo”, no Renascimento assistimos a transformação da sociedade alicerçada no ideal Antropocêntrico. O homem assume a própria dignidade de ser criado e começa a participação da obra da criação que é contínua e perene.
A mística seráfica não objetiva deixar o homem apático, fora da realidade da vida, alienado das exigências do tempo. A mística seráfica soma com muita autenticidade o Teocentrismo como fonte de ser como o antropocentrismo atitude consequente de tomada de posição, onde o homem realiza a sua missão de ser “co-criador com Deus”. Viver o franciscanismo é assumir com dignidade a presença dos desafios porém sem egoísmo, mas com plena consciência em Deus. É aceitar a sua realidade de agente co-criador e na obra de criação que continua. É a aceitação plena da nossa condição de homem”.
·        MÉRO, Ernani. Retalhos. Maceió, Sergasa, 1987. Págs. 50-52.




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