quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

ENTRE O PASSADO E O FUTURO

ENTRE O PASSADO E O FUTURO
(Clerisvaldo B. Chagas, 31 de dezembro de 2010)
       Entre tapas e beijos vai chegando ao fim essa primeira década. Quer dizer, entre boas e más notícias que rodeiam o mundo. Quando teve início o velho 2000, também era grande a expectativa da humanidade por que o futuro só pertence ao Criador. Algumas pessoas até se sentem incomodadas por que não possuem dons adivinhatórios que lhes proporcionariam uma série de vantagens sobre os outros mortais. Entretanto, está certo o Senhor dos Mundos em guardar esse segredo, motivo de sondagens entre os inconformados. Ninguém pode se acomodar assim diante desse mistério chamado tempo, cujo sentido e essência vão quebrando a cabeça dos filósofos. O que podemos fazer é somente e tão somente contabilizarmos o que passou, retirar o sumo do bem para reforçar o futuro. É identificar os erros cometidos, marcá-los para não deixá-los escorregar novamente a nossa caminhada. O presente marco de passagem de ano, de interstício de década, é à sombra de frondosa árvore na fronteira do deserto. Um convite ao descanso, à água fresca, ao filme que passou. Ponto de refletir, hora de decisões a tomar antes de levantar acampamento. Talvez o pior da caminhada já tenha acontecido. Nunca se sabe, porém. É preciso reunir forças para seguir em frente por que às vezes o mar calmo, contudo, pode ser um sinal de novas procelas.
       Esse tempo novo que vem chegando de mansinho traz o seu próprio véu que esconde a face, mas deixa uma senda de clareza para quem ousa procurá-la. E quando essa vereda encoberta não é achada, é por que existe falha na procura e a concentração está no plano físico que quase nada tem a oferecer. A chave da procura vem para a porta de dentro que talvez não seja fácil de ser aberta, mas a fé logo achará uma fonte de abastecimento para o restante dos passos tortuosos que se tornarão firmes como as rochas, aprumados como os mandacarus, frutíferos como as boas macieiras. E lá irá o viajor pelo caminho estreito, cujas margens ficarão enlarguecidas e limpas oferecendo conforto e segurança. E se o futuro continua uma incógnita, a fortaleza encarregar-se-á do fortalecimento. O caminhante, mochila às costas, vadeia rios, galga montanhas, percorre planícies calmamente, por que se achou, plenamente se achou no reinício de jornada.
       Por que temer 2011? Não olhe somente para as pedras, os espinhos, as armadilhas, os desertos e a neblina. Olhe o maravilhoso azul do céu. O brilho das estrelas que parecem acenar para as nossas vidas. A lua cheia que marcha ligeira e garbosa pelas noites receptivas. Esquecer. Esquecer estranhas e ignóbeis criaturas que foram contra nós. Criaturas horrendas, dragões que pareciam assustadores, mas não resistiram à lança de São Jorge. Se cães, cadelas, porcos, lobos famintos foram dominados, por que temer novos perigos da floresta? Os mesmos que velaram por ti, são os mesmos que ainda velarão. Continuemos 2011 com a sabedoria popular: Deus é pai não é padrasto. Joguemos fora nesse instante o temor que espezinha ENTRE O PASSADO E O FUTURO.

• FELIZ ANO NOVO!!! (segunda voltaremos).

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quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

MEDITE

MEDITE
(Clerisvaldo B. Chagas, 30 de dezembro de 2010)

Nesse final de governo Lula, vamos recordando o dirigente brasileiro mais polêmico da nossa história, que foi Getúlio Vargas. Estamos dentro dos oitenta anos em que o militar tomou conta do poder. E se quisermos entender um pouco da fase depois do império, podemos chamar o período que vai de 1889 a 1930 de primeira república, república do café com leite ou república velha, denominação mais conhecida. É costume dividir essa república velha em duas partes: república da espada (com Deodoro e Floriano) e república oligárquica (com a influência de fazendeiros coronéis). Em 1930 o Brasil entra na chamada Era Vargas através de revolução que assegura Getúlio como presidente provisório. Esse governo provisório durou até 1934, quando Getúlio foi eleito indiretamente pela assembléia constituinte e governou através dessa constituição até 1937. O término do seu mandato estava previsto para 1938, mas em 1937, Getúlio resolveu dar um golpe e passou a governar como ditador até 1945. Essa fase passou a ser chamada de Estado Novo. Devido às agitações que tomaram conta do país, o exército resolveu depor o presidente que não opôs resistência e retirou-se para o Rio Grande do Sul. Assumiu interinamente o presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares. Com essa primeira queda de Getúlio Vargas do poder, tem fim também o chamado Estado Novo. Em 1951, porém, Getúlio volta ao poder presidencial e desta feita eleito democraticamente. De novo com as agitações do país, Getúlio é acossado para deixar o poder e resolve tirar a própria vida em 24 de agosto de 1954.
Getúlio foi polêmico em todas as quatro fases em que governou o país. Amados por uns, odiados por outros, foi manchado de retrocessos e pintado por vitórias importantes. Marcaram suas fases governamentais coisas como golpe de estado, revolta paulista de 32, expansão de doenças como tuberculose, difteria, paralisia infantil, varíola e a sífilis, direitos trabalhistas, Intentona Comunista, ditadura, enfraquecimento do coronelismo, Segunda Guerra Mundial, industrialização e outros acontecimentos importantes. A Era Vargas, também foi a Era do Rádio, dos grandes compositores e cantores que se fizeram eternos no mundo artístico entre 1940 e década de 50.
        Agora, em 2010, deixa à presidência um civil (operário) com dois mandatos sucessivos e uma popularidade de 83%. Lula não quis por em risco a democracia tão duramente conquistada pelo nosso povo e, tão pacificamente como chegou ao planalto, deixa festejando a sua trajetória. Não houve suicídio, trauma nem revolta. São lições que outros governantes latinos bem poderiam aprender como os “TVs” preto e branco da Venezuela e da Bolívia. Um final de ano verdadeiramente democrático para o Brasil e para o Mundo. MEDITE.

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terça-feira, 28 de dezembro de 2010

OUVIR E COLECIONAR
(Clerisvaldo B. Chagas, 29 de dezembro de 2010)

       A política é uma ciência inexata, volúvel e de mimetismo constante. Não é confiável nem no Brasil nem em qualquer quadrante do mundo. Os amigos de agora são os inimigos do daqui a pouco. Os ferrenhos adversários tornam-se enamorados repentinamente. Raro é um executivo chegar ao fim do mandato em harmonia com seu vice. O vice encomenda o assassinato do gestor para assumir o seu lugar. O gestor silencia o vice que o aborrece. Assim, a bela arte de representar o povo tem seu próprio desvio de conduta por que o poder, o dinheiro e a ambição com frequência andam juntos. Sendo a ambição descomedida uma das fraquezas do homem, surge continuamente convocando outros sentimentos inferiores que se submetem ao seu comando. O primeiro passo do ambicioso descontrolado, ainda acontece em terra firme. Depois o terreno vai ficando pegajoso até virar areia movediça, ocasião em que o indivíduo já não consegue puxar os pés. Nesse ínterim, já estar atolado até o pescoço na podridão que procurou. A corrupção generalizada, o roubo descarado, a traição, perseguições e mesmo assassinatos, entram no sangue como o bom uísque ou outra droga de fim de semana. Uma vez no pântano, o elemento já nem pode mais viver sem a embriaguez do ofício. Foi por isso que disse um francês dessa mesma classe: “Quem não quiser perder a alma, não entre em política”. Mas ainda se conta homens e mulheres decentes nessa difícil arte que veio lá de trás, nos dedos, mas se conta.
       Lemos o que falou um repórter ao afirmar conhecer Dilma de perto e que a tinha entrevistado. Fez seus vaticínios. E se conhece mesmo toda a trajetória da presidenta eleita, tem todo direito, como jornalista e cidadão, emitir seu parecer. Entre suas profecias, estão: a presidenta aceitaria apenas uma vez as indicações de Lula para ministros. Vários deles, os que tiverem dignidade, não aguentarão um ano sob seu comando, por causa de arrogância e humilhações; a presidenta ficará depois, só com os invertebrados que são fracos, capachos, de planos próprios; dentro de dois anos, romperá com Lula e seguirá seu próprio caminho de semi-imperialista. (Os pronunciamentos estão na Internet). Bem, se o jornalista tem tanta certeza do que diz, não temos motivo algum para duvidar. O primeiro parágrafo já diz tudo, embora tenhamos esperanças de ótimas surpresas nesse próximo governo. É aguardar para ver. Pareceu, todavia, precipitada a fala de Lula pedindo voto para Dilma nas eleições de 2014. Ele pode ter muito jogo como mandatário, mas não se conta com as cartas em outras mãos. Lula diz muitas verdades que outros não tem coragem de afirmar, mas de vez em quando diz bobagem que não caberia na boca de um gestor.
       Esses próximos quatro anos no mundo da política, vão transcorrer com um olho em Dilma outro no irrequieto presidente. Muitos pronunciamentos bombásticos e tolos também irão acontecer até o ano da Copa por parte de ambos. É só OUVIR E COLECIONAR.



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segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

PRECISANDO DE MILAGRES

PRECISANDO DE MILAGRES
(Clerisvaldo B. Chagas, 28 de dezembro de 2010)
       O Bairro Barragem, originário da construção da BR-316, expandiu-se apenas ao longo da rodovia numa rua só. Seu nome deriva da barragem construída no rio Ipanema, cuja ponte permite o acesso ao alto Sertão, Bahia e Pernambuco. No final do século passado, esboçou-se um novo bairro por trás do Barragem a que o povo denominou-o Clima Bom. Terreno amplo central com algumas casas juntas ou espalhadas, em torno, nesse alto escondido aos que transitam pela BR. A construção de uma igreja foi interrompida e até hoje continua assim. Faz até lembrar a igrejinha de São Pedro que levou cerca de quinze anos para ser terminada após o início em 1915. Vale salientar que o Bairro Clima Bom acha-se completamente abandonado e vive a mercê das intempéries. A nossa inspeção deste domingo, ficou por conta de outro bairro que surge agora defronte ao Barragem. Originário de um loteamento particular (coisa rara em Santana) logo o local ganhou aceitação. Construções surgem aceleradamente (ao contrário do Clima Bom) onde boas casas seguem o sentido da rodovia e outras do rio lá em baixo, isto é, leste-oeste, sul-norte. Muito terreno se avista ali de alguns lugares mais altos quando se nota claramente a febre das construções. Um posto de gasolina dotado de pousada e mercadinho e mais uma churrascaria adiante, servem de referência a esse novo bairro que se expande pela localidade rural chamada Mata Verde. Essa nova esticada de Santana por ali, ainda não tem nome, mas em breve a população encarregar-se-á do óbvio. Seus acessos ainda estão camuflados com os obstáculos de mato, pedras e casas pela margem da rodovia.
       Ainda dentro dessa nova visita, fomos ao sopé do serrote do Cruzeiro, vê as novas residências do Bairro Domingos Acácio. Excelentes residências foram construídas até o acesso do corredor que leva ao cimo do serrote. Tudo construído a partir da casa do saudoso vereador Zé Bodinho que era única naquelas imediações. Por trás dessa rua principal, que tem início no terceiro comércio de Santana, largo de cabeça de ponte general Batista Tubino, forma-se outro excelente casario. Boas moradas de micro clima privilegiado, cujo calçamento está por perto. Mais de mil residências ainda cabem no rodapé do compasso do serrote, de quem olha na paisagem do alto para o novo hospital na Cajarana. Pena mesmo faz o cenário de desprezo do imponente prédio fechado da CARSIL com seus anexos. O que as elites fizeram com a CARSIL? Santana, cidade aonde a justiça só chega para os pequenos.
       Como nosso assunto é a paisagem, estaremos em outro domingo a percorrer lugares que moldam o aspecto urbano da terra de Senhora Santa Ana que gostaria de puxar as orelhas de quem abandona o seu povo, mas não deixa de macular sua charola com a mão. Santana estar PRECISANDO DE MILAGRES.


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O XAXADO DO VICE-PRESIDENTE

XAXADO DO VICE-PRESIDENTE
(Clerisvaldo B. Chagas, 27 de dezembro de 2010)
       Mais uma vez o vice-presidente surpreende a todos na sua bravura contra a doença que o aflige. Um homem com aquela idade, submetido a quase uma vintena de cirurgias, é uma pessoa formidável. Passa a ser positivamente admirável quando a fé inflexível marcha à frente das suas palavras verdadeiramente cristãs. José Alencar, paciente que acabara de perder três litros de sangue, graças a uma hemorragia em lugar escondido, sente-se fraco. Mas um fraco que é capaz de afirmar que deseja descer a rampa do planalto com o presidente Lula. Zomba da própria situação dizendo que depois de tudo ainda quer dançar o xaxado. Quem nos poderá dar exemplo melhor de confiança na misericórdia divina? Enfrentando uma, duas, três emboscadas por dia, lá vai o nosso grande comandante muito mais papa do que político. Que grandeza espiritual ainda encontramos na Terra em raros personagens como José Alencar! Por outro lado, o vice-presidente joga para o alto o estilo em desuso de música nordestina.
       Segundo pesquisas, o xaxado é dança lampionesca criada no Sertão pelo bando de Virgulino Ferreira da Silva, no início da década de 1920. É considerado música de guerra por que seus movimentos eram acompanhados por letras e melodias, cujos temas eram ligados a combates, vinganças e apologias aos valentões. Seu nome origina-se dos ruídos das alpercatas nas areias do Sertão durante os ritmos impostos pelos cangaceiros: xap, xap, xap, era um xaxado medonho. O chefe da fila, geralmente um poeta, improvisava as estrofes e os de trás respondiam em coro. Para dançar o xaxado, o indivíduo avança com o pé direito em poucos movimentos laterais, puxa o pé esquerdo rapidamente e desliza o sapateado. Passos harmoniosos e firmes. A princípio, sem mulher no bando, os cabras dançavam com os rifles ou fuzis como se fossem suas parceiras.
       Mais tarde, o cantor e sanfoneiro Luís Gonzaga imortalizou essa dança retirando-a do anonimato das caatingas, levando-a aos salões do Nordeste e do país. Numa parceria com Hervé Cordovil, Gonzaga lançou a música “Xaxado”, quando uma das estrofes dizia assim:

“Xaxado, meu bem, xaxado
Xaxado vem do Sertão
É dança dos cangaceiros
Dos cabras de Lampião”

       Alencar, na fé assemelha-se aos apóstolos inspirados; no desejo dançante, transforma-se em cabra macho do Sertão. Que bom seria se a humanidade absorvesse o determinismo de Alencar e trocasse a dor pela esperança de XAXADO DO VICE-PRESIDENTE.




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sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

FELIZ NATAL

FELIZ NATAL
(Clerisvaldo B. Chagas, 24 de dezembro de 2010)
       Ainda hoje se discute a data do nascimento de Jesus. Não quero esclarecer esse ponto e deixo os homens discutindo, porque isso é salutar. Tenho a dizer apenas que a Palestina estava sob o jugo romano, quando Herodes foi designado para governar a Judeia. Estive naquela região, justamente um ano após o censo de outros povos subjugados pelos romanos, quando houve o recenseamento do povo judeu. Inclusive ouvi o imperador romano dizer que o censo facilitaria a contagem do povo na cobrança dos impostos. José e Maria moravam em Nazaré, cidade da Galileia, uma das três províncias em que se dividia a Palestina e ficava no norte. Todos nós lemos o decreto do imperador Otávio Augusto. Uma parte do documento dizia que cada cidadão deveria ser recenseado na terra em que nascera. Como o meu protegido e amigo José era da cidade de Belém, província da Judeia, no sul, quis obedecer ao decreto de Roma. Entre a Galileia, onde estávamos, e a Judeia, onde haveria o censo, havia a terceira província que era a Samaria. Foi por aí que seguimos juntos para a terra natal de José. Foi uma viagem longa e dura. Maria estava grávida e viajava num jumento, ora conduzido por José, ora guiado por mim. Sempre ajudei como podia. Ao chegarmos ao destino, procuramos imediatamente uma estalagem. Batemos em várias portas, mas sempre diziam que elas estavam lotadas. Mesmo assim, se tivessem tido boa vontade, teriam dado um jeito para nos acolher, principalmente pela situação de Maria. Andei ainda dando uns sopapos em um dos hospedeiros, mas fui contido pela paciência de José que me disse não valer à pena. E como o que estava traçado ─ lembrei-me ─ não poderia deixar de acontecer, concordei ainda revoltado e procuramos outro lugar.
       Tudo que encontramos foi uma pequena gruta que servia de estábulo. Ali iria ser confirmado o que estava escrito. Havíamos visto a alegria e preocupação de alguns pastores que avistaram no céu a frase: “Paz na terra aos homens de boa vontade”. Naquele lugar, cercado por alguns animais, entre eles o jumento que conduzira Maria, nasceu o Salvador. Manjedoura improvisada por mim e José. Notei que os animais da gruta pareciam entender o nascimento daquele que mudaria o mundo. Enquanto José fazia o parto, eu cuidava de outros afazeres quando fui chamado com os primeiros choros de Jesus. Maria exultava. Mais tarde recepcionei aos três Reis Magos que trouxeram presentes para a criança: ouro, incenso e mirra. Baltazar contou-me como foram guiados por uma estrela diferente nos céus da Palestina. A minha missão foi suspensa quando o casal acomodou-se melhor na cidade de Belém e planejava o regresso a Nazaré. Eu já não estava em Belém quando Herodes, com inveja, mandou eliminar todas as crianças de dois anos abaixo, da Judeia, para vê se matava Jesus. Entretanto, como José foi avisado e se pôs em fuga, fui aguardar a família no caminho do Egito e com eles segui até ali. Ainda retornei com a Sagrada Família a Nazaré, na Galileia, quando Herodes morreu. Cumprida definitivamente a missão, deixei à Palestina e registrei para os anais do tempo. Nem sei por que estou contando isso agora, se eu já havia ajudado os registros dos evangelhos. Talvez tenha sido para lhe desejar um FELIZ NATAL.
* Um conto de Natal.




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quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

OCEANO CARLEAL

OCEANO CARLEAL
(Clerisvaldo B. Chagas, 23 de dezembro de 2010)
       Vamos atravessando a Rua Nova de Santana do Ipanema, Alagoas. Construída no terceiro patamar em ordem de afastamento do rio, a rua faz ligação entre o comércio e o Bairro São Pedro. Essa via continua conhecida com esse apelido desde a sua formação, superando em muito o seu nome oficial. Para batizá-la, o prefeito interventor Firmino Falcão Filho (Seu Nozinho), gestão 1947-48, denominou-a Benedito Melo, através do Decreto Nº 37 de 18 de outubro de 1947. Benedito Aquino Melo havia sido comerciante local e intendente eleito do município, gestão 1925-28. Rua considerada muito calma, sempre foi esquerda a negócios e, mesmo estando ligada ao comércio, tem pouco movimento de veículos. Quase toda plana, tem um declive suave no seu último trecho, ligado ao bairro do santo acima. Bem no meio desse trecho, foi construída a primeira igreja fora dos moldes católicos em nossa cidade. A igreja batista resistiu décadas e até possuiu escola nos fundos com saída para a rua vizinha superior. Defronte a igreja batista, do outro lado da rua, havia um muro alto e comprido com cerca de 150 metros ao longo da via. Era um muro cru, avermelhado e áspero, que parece ter sido construído com areia, barro e cal, levando a expressão da época: feito de caliça. Na sua extensão havia vários portais livres, que mostravam os quintais das casas da rua de baixo, onde havia também um amplo terreno baldio que ligava a Rua Nova à Rua Antonio Tavares. Em tempo de eleição, os políticos usavam o muro para os desenhos das suas propagandas. Décadas a fio ficaram como testemunhas as propagandas de Arnon de Melo e outra que dizia: deputado federal Oceano Carleal. Não saíam das nossas cabeças de crianças e adolescentes aquelas pinturas com letras azuis que venciam os tempos, trinta, quarenta anos, a nós passantes de todos os dias: deputado federal, Oceano Carleal.
       No fim desse muro extenso, começavam os balaústres semelhantes ao que cercava o Grupo Escolar Padre Francisco Correia. Aproximadamente, setenta metros separavam as ruas de cima e de baixo, cuja altura era cortada por uma escadaria ao meio. Ali também era ponto de encontro e malandragem da época. Na Rua Nova funcionou a primeira gráfica da cidade, vinda da Rua Nilo Peçanha, numa sequencia de três senhores proprietários: Raimundo, Luís Gonzaga Pereira e Cajueiro de Castro, bem próxima a igreja batista. No trecho inicial, perto da Pracinha Emílio de Maia, trabalhou o Jornal do Sertão, encarte do diário Jornal de Alagoas. Foram essas coisas mais importantes que funcionaram naquela rua formada quase cem por cento de residências. Nunca procuramos saber, dentro desses supostos quarenta anos em que as propagandas políticas permaneceram no muro arranhento, se o tal Dr. Oceano foi eleito ou não. Mas aquele nome diferente que representava uma grande porção de água salgada (Atlântico, Índico ou Pacífico) sempre foi motivo de atração e lembrança da juventude. Para deputado estadual: OCEANO CARLEAL.


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terça-feira, 21 de dezembro de 2010

OUTRO GRITO NO ESCURO

OUTRO GRITO NO ESCURO
(Clerisvaldo B. Chagas, 22 de dezembro de 2010)
       Não faremos aqui uma análise social profunda do que representa o fim da bandidagem no Complexo do Alemão. O objetivo é apenas mostrar o impulso da qualidade de vida proporcionado pelo novo tipo de transporte. Inspirado no sistema teleférico de Medellín, na Colômbia, acaba de ser inaugurado pelo presidente Lula, sistema semelhante no complexo de favelas que compõem o Alemão. Esse projeto liga o sistema ferroviário ─ usado por milhares de trabalhadores do Rio de Janeiro ─ à favela distante da Fazendinha. Esse trajeto que gastava uma hora e trinta minutos passará a dezesseis minutos, apenas. Estarão interligadas as diversas favelas do Alemão em um percurso de três quilômetros e meio, através de 152 gôndolas. Cada gôndola poderá transportar até dez passageiros pelas seis estações oferecidas: Bonsucesso, Morro do Adeus, Baiana, Alemão, Itararé e Fazendinha. O governo não se esqueceu de estruturar todas as estações com postos de serviços, incluindo agência bancária, sala de leitura e centro de referência para a juventude. O esquema faz parte do Projeto de Aceleração do PAC e passa a contar com quarenta e nove torres de sustentação, onde cerca de trinta mil pessoas circularão por dia.
       Santana do Ipanema, Alagoas, com o segundo movimento comercial do interior, não dispõe de serviços coletivos. Os deslocamentos são feitos através de táxis ou moto táxis. Ora! Os comerciários, que sempre ganham pouco e trabalham no centro, moram na periferia, sofrem com o problema de transporte. Se uma dessas pessoas vai de manhã ao trabalho, volta para o almoço, retorna ao comércio e novamente volta a casa à noite, ou acaba com as pernas de tanto subir ladeiras ou deixa tudo que percebe nas mãos dos motos taxistas. A grande maioria é composta de estudantes que representa mais outra ida e vinda às escolas do centro. Propusemos há certo tempo à Prefeitura que, em convênio com o comércio, implantasse um transporte simples para os comerciários. Um ônibus aberto, rápido, gratuito que atuasse levando e trazendo esses trabalhadores, inclusive à noite para as escolas. Quanto alívio para os que não ganham mais de que o salário mínimo nas diversas lojas da cidade!
       Mas, através de sucessivas gestões, os bonecos do poder mantém os ouvidos tamponados às inovações de benefícios. À insensibilidade dos pobres coitados de espírito, assemelha-se a dos senhores escravocratas do século XIX ou a dos loucos falecidos da minha terra (com todo o respeito) Poni, Bebé e Agissé. Por menor que seja a concessão ao pobre ou à cidade, logo surge o dedo grosso ou o esmalte misterioso que obstruem o círculo ínfimo do suspiro. Elite gelada no poder, tacão nas nádegas e caroá no pescoço do infeliz. O progresso que chega a esse torrão representa muito mais às pressões do tempo de que as próprias barreiras elitistas que não as conseguem conter. São vários os cotados como veículos transformadores, mas preferem às benesses e usam náilon na boca e tinta invisível no computador. E como fazia o homem do povo nas areias grossas do rio Ipanema, vamos continuar cavando. Pode ser que depois do líquido fétido apareçam águas novas, puras e cristalinas para matar a sede do meu povo. E você, cabra velho, que não tem um pingo de sangue para defender a terra em que nasceu, pode até dizer com temor servil que esse é apenas OUTRO GRITO NO ESCURO.




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segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

ADEUS ÀS CAJARANAS

ADEUS ÀS CAJARANAS
(Clerisvaldo B. Chagas, 21 de dezembro de 2010)
     Aproveitando o domingo de céu nublado e calor escaldante, vou percorrendo trechos da minha terra, numa espécie de inspeção silenciosa. Da AL-130, tento desenhar as cercanias de Santana, mas a hora não é conveniente. Dirijo-me, então, à entrada da cidade de quem vem de Pão de Açúcar e volto ao centro de Santana pela antiga estrada que dá acesso a AL-130. Entro na primeira rodovia moderna construída no estado de Alagoas, na metade dos seus 4 km de extensão. Rodovia feita pelo, então, engenheiro agrônomo Otávio Cabral, Santana – Curral do Meio, 1924-25, para dá início à fazenda Sementeira (nome que rebatizou o Curral) modernizar a agricultura e fomentar o algodão. Instalações de um posto de gasolina estreitaram e esconderam a entrada pela AL. O trecho até o atual Conjunto Eduardo Rita, também pareceu mais estreito, invadido pelas cercas de arame farpado. O calçamento bruto de granito com cerca de trinta metros, sobre possível atoleiro, ainda estava lá. Reduzido, mas representando um dos marcos do Dr. Otávio que depois foi intendente interventor do município. Mas a surpresa desagradável foi não vê mais o conjunto de cajaranas que deu nome a localidade. Só os tocos restam dessas árvores enormes que nos forneciam deliciosos cajás, pequenos frutos cilíndricos, amarelos, doces e travosos. Assim, mais um topônimo de ponto aprazível da minha terra desaparece. Como devo avisar aos mais novos para não confundir esse lugar chamado “Cajaranas” com a “Cajarana”, ponto no outro extremo da cidade onde está situada a nova unidade hospitalar? Ali ainda existe a árvore frondosa que denominou o conjunto residencial Cajarana, construído pelo prefeito da época, Paulo Ferreira de Andrade (provavelmente até a chegada de dois loucos, o machado e o dono).
     A fazenda Sementeira, sede da revolução agrícola, estará ganhando as instalações do IFAL. Mas esse trecho, em torno de oitocentos metros, bem que poderia ser revitalizado como opção de acesso à Sementeira. Encontra-se completamente abandonado. À esquerda, o enorme terreno de uma fazenda urbana, com sede de vista privilegiada para a cidade, desmente a notícia que falta terrenos em Santana. Quantas coisas importantes poderiam ser construídas ali, até mesmo um centro de compras com amplo estacionamento. E passando pela pobreza do Conjunto Eduardo Rita, vamos lembrando a importância de outrora daquelas imediações para o progresso da cidade. Era a região das olarias que ergueram e cobriram os prédios de Santana do Ipanema. Na passagem molhada sobre o rio, a mesma pontezinha construída há mais de sessenta anos, aterrada e novamente descoberta pelo Ipanema. O mau cheiro da água empoçada e escura é insuportável. Lixo toma conta do cenário bucólico aonde pastam os animais, como no início de tudo.
     Assim encerro minhas inspeções domingueiras, convidando os que escrevem para fazermos, juntos, essas jornadas curtas e documentais. Notícias para os que estão fora da terra há bastante tempo. ADEUS ÀS CAJARANAS.




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SENHOR DOS MUNDOS

SENHOR DOS MUNDOS
(Clerisvaldo B. Chagas, 20 de dezembro de 2010)
      Com a aproximação do Natal, o mundo civilizado respira uma subdivisão atmosférica de otimismo. Isso vai aliviando as pressões globais que desarvoram, inquietam, angustiam esse planeta de expiação. A Europa não tem mais segurança no poder que não parece mais poderoso assim. Construído com o tempero do ódio, das brigas, das inimizades sangrentas, o Velho Continente vai estudando a arte do entendimento, mesmo com as desigualdades étnicas, religiosas e linguísticas, tentando benefícios mútuos de robustez. No ultramar, os EUA já não são a economia que mais cresce. Não são mais líderes absolutos na expansão do progresso científico e tecnológico. Ninguém tem mais inveja do modo de vida americano. É claro que não estamos incluindo aí a indústria bélica, sem similar no mundo inteiro. Tanto é que o Tio Sam, nos assuntos gerais, apoiam-se perigosamente na bengala das suas armas destruidoras. Preparados para guerras de invasões, os Estados Unidos vão amargando com seu “elefante branco” as novas estratégias de combates que inutilizam suas vitórias. É só paginar Vietnã, Iraque, Afeganistão que adotaram a forma leve e móvel da guerrilha. Agora é o modo de pipoca usada pelo terror antiamericano internacionalizado. Estouros consecutivos, rápidos e lépidos em variados lugares, pelos ratos, endoidam o gato poderoso que não consegue descarregar o arsenal imenso em outro gato. O terror multiplica-se geometricamente nessa guerra psicológica e geopolítica. Que artefato atômico poderá vencer a mobilização fácil dos ataques como os da Tunísia, Bali, Mombara, Riad, Istambul, Casablanca, Jacarta, Madrid, Sharm el-Sheikh e Londres?
     Os cientistas não preveem um bom futuro para a Terra. Os problemas são inúmeros e os estudiosos falam em encontrarmos qualquer coisa de repente numa noite qualquer que nos leve ao fundo. E quando especialistas avaliam a globalização, o domínio pessimista prevalece. Além das previsões catastróficas de enchentes, tempestades, mudanças de temperatura e falta d’água, como faremos nós? Somam-se aos conhecimentos humanos às previsões divinas desaguando para o mesmo estuário. Os terráqueos enchem-se de medo de uma catástrofe que pode descer sobre nossas cabeças. Além disso, o terrorismo vai minando a defesa como o boxista castiga o fígado adversário. Diz um sociólogo que os europeus não se vangloriarão por muito tempo da liberdade, se os povos de outras partes do mundo continuarem necessitados e humilhados. Não existe mais segurança nas fronteiras nacionais porque tudo agora está acorrentado ao todo.
     Eu também não gostaria de ter escrito e nem lido essa crônica, bastante amenizada diante da realidade. Vamos fugir das apreensões lancinantes defronte ao presépio. Não existe saída, a não ser a piedade do menino que nasceu nas palhas. Louvemos ao SENHOR DOS MUNDOS.



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sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O GIGANTE DA CAJARANA

O GIGANTE DA CAJARANA
(Clerisvaldo B. Chagas, 17 de dezembro de 2010)
     Todos os grandes empreendimentos em nossa terra foram conseguidos com muita luta e sacrifício. Lembramos a água encanada, a luz elétrica, o asfalto na BR-316 e na AL-230, o Hospital Arsênio Moreira, as duas pontes sobre o rio Ipanema, o Colégio Estadual e a Estação Rodoviária que mobilizaram a sociedade completa. Pois é com alegria das grandes batalhas vencidas que vamos encerrando os capítulos finais pelo funcionamento do hospital geral Clodolfo Rodrigues de Melo. A partir da quarta-feira passada, foram iniciados serviços de urgência e emergência no “Gigante da Cajarana”. Segundo notícias divulgadas por aqui, a equipe médica atenderá 24 horas por dia a vinte e cinco municípios sertanejos mais pedaços de estados vizinhos como Sergipe, Pernambuco e Bahia. Não deixa de ser motivo de orgulho para a nossa cidade, o funcionamento de um carro-chefe para a Saúde. É um grande salto para o futuro que poderá reivindicar uma faculdade de medicina para a “Rainha do Sertão”. Com a reabertura, onde foram investidos em torno de 15 milhões e a disponibilização mensal de 1,8 milhões para o Fundo Municipal de Saúde, consolida-se o sonhar do interior. As estimativas são de dez mil atendimentos por mês, que apontam pleno funcionamento da Unidade no próximo janeiro. Dentro das informações, constam ainda que foram contratadas todas as especialidades, já se encontrando em funcionamento a parte de diagnóstico de imagem, o laboratório clínico e também a parte ambulatorial. Antes do dia 25, estará funcionando o serviço de internação. Ao todo, poderá contar com 173 leitos entre UTIs adulta e pediátrica; clínica médica, cirúrgica, obstetrícia e pediátrica, emergência e neonatologia.
     Nem o estado todo conhece os nomes das cidades do Sertão e Alto Sertão, mostrados agora num rol misto por ordem alfabética. Todos serão atendidos no hospital Clodolfo Rodrigues de Melo, mediante convênios. São eles: Água Branca, Batalha, Belo Monte, Canapi, Carneiros, Delmiro Gouveia, Dois Riachos, Inhapi, Jacaré dos Homens, Maravilha, Mata Grande, Monteirópolis, Olho d’Água das Flores, Olho d’Água do Casado, Olivença, Ouro Branco, Palestina, Pão de Açúcar, Pariconha, Piranhas, Poço das Trincheiras, Santana do Ipanema, São José da Tapera e Senador Rui Palmeira.
     Além de puxar o desenvolvimento para a região, o novo hospital desafogará as unidades de Arapiraca e Maceió, fontes indispensáveis de socorro ao semi-árido. As brigas políticas, os xingamentos populares, o desespero e a angústia do povo, começam a transformar-se nos louros da vitória. Vamos aguardar agora as instalações definitivas relacionadas à UFAL e IFAL para, juntamente com a UNEAL e a nova unidade da Saúde, transformarmos Santana do Ipanema em um polo respeitado nessas duas áreas e atrativo para outras grandes aquisições. Nesse período natalino, a terra de Senhora Santa Ana não poderia ter recebido presente melhor do que as notícias alvissareiras sobre o Hospital Clodolfo Rodrigues de Melo, O GIGANTE DA CAJARANA.

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quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

NÊGO BEBO AÍ

NÊGO BEBO AÍ
(Clerisvaldo B. Chagas, 16 de dezembro de 2010)
     Vamos valorizando as nuances entre o moderno e a poeira da antiga Rua Antonio Tavares, cidade de Santana do Ipanema, representante legítima do Sertão e Alto Sertão alagoano. Muitos dias sem novidades na primeira rua do município. Naquele movimento rotineiro ocupa seu espaço a bodega do Seu Antonio. Na outra esquina do beco, o fabrico de carne de sol de Otávio Argolo, vulgo Otávio Magro. O Beco da Salgadeira vai vivendo com os atrativos da entrada e o depósito de lixo do seu corredor ladeiroso. Elo entre as Ruas Antonio Tavares e Professor Enéas. E nos fundos da casa comprida, Seu Antonio (nem sei mesmo se o nome era Antonio) a fabriqueta de vinagre. Antonio e esposa, casal distinto e trabalhador que vendia um pouco de tudo. Parelha com dois filhos, homens feitos, um em Santana e outro no Rio de Janeiro que davam bastante trabalho. Severino e Zezé preocupavam os pais laboriosos. E nós, crianças, íamos trocar “destões” por bolachão (bolacha grande e fofa, deliciosa com manteiga). Os grandes frascos de vidros cheios de doces variados ornavam o balcão rígido de madeira. A fábrica Neusa abastecia esses frascos cobiçados pela meninada. Dos fundos da nossa casa, eu lançava os olhares perscrutadores para a paisagem distante, lá do outro lado do rio. Da varanda, às vezes, via passar em direção à cidade, a Van com o nome enorme “Neusa”, escrito na lateral. Era o aviso garboso de que as bodegas e mercearias iriam encher aqueles frascos apetitosos. Na época, faziam sucesso as marchinhas de carnaval e, entre elas, a que dizia assim:

“Foi numa casca
De banana que pisei, pisei
Escorreguei
Quase caí
Mas a turma lá de trás, gritou:
Chi! Tem nêgo bebo aí...
Tem nêgo bebo aí!”

     A chegada da Neusa marcava a hora de procurar doces novos na bodega de Seu Antonio. Certa vez ali entrei quando a senhora, distraída, cantarolava a marchinha enquanto espanava a prateleira. Passei a vista nos vidros repletos de doces. Um deles mostrava uns bonequinhos coloridos e transparentes. Indaquei o nome do doce. A mulher não se embaraçou. Como estava com a música na cabeça e na boca, deu de ombros e respondeu: “Nêgo bebo aí!” Então, também dei de ombros e comprei quinhentos reis de “nêgo bebo aí”, batizado pela esposa do bodegueiro.
     Agora, nesse tempo eletrônico de viver, ainda encontro bolachões fora da bodega de Seu Antonio. Menores, é verdade, mas os mesmos bolachões, quadrados e fofos. Não sei, entretanto, se a fábrica Neusa ainda existe. Mas, da poeira da Rua Antonio Tavares direto para os salões administrativos públicos, a velha pátria amada continua sem lixeira. Sempre, sempre, grita a turma lá de trás: “Chi! Tem nêgo bebo aí! Tem NÊGO BEBO AÍ!”.




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terça-feira, 14 de dezembro de 2010

BICHOS-PAPÕES

BICHOS-PAPÕES
(Clerisvaldo B. Chagas, 15 de dezembro de 2010)
     O esporte ainda é uma oportunidade de confraternização entre os povos. O futebol, entre outras modalidades, ganhou simpatia cada vez mais crescente nos estádios longínquos do planeta. Assim como no Brasil, tendo como centro São Paulo/Rio de Janeiro, a bola foi expandindo sua magia, trazendo outros estados para o mesmo patamar, também aconteceu no resto do mundo. A evolução futebolística continua atraente fora do eixo América do Sul/Europa. As competições vão ficando cada vez mais difíceis com novos personagens nos palcos de lutas. O encanto não está somente no bailado do campo, mas em outros vários aspectos que fascinam estudiosos de olhos atentos. Os estádios, isoladamente, são obras de arte que atraem visitantes em todos os lugares, tanto as arenas antigas e famosas quanto as modernas que disputam beleza, segurança e engenharia. Complementam ainda o núcleo da batalha campal, as cores dos times, a exibição da plateia e todas as novidades que aparecem durante uma partida. A pessoa pode não gostar do futebol, mas tem que admitir o cenário extra que deslumbra.
     Movidos pela paixão brasileira representada pelo Internacional de Porto Alegre, vimos à merecida evolução do futebol africano. O Mazembe levou do Congo para o Oriente Médio, a antiga alegria pura, hoje perdida, do futebol do Brasil. Os rapazes da África deram espetáculo dentro e fora do campo com tudo que foi apresentado e nos impondo um 2x0. Para começar, os mais exóticos cortes de cabelos e enfeites, cativaram o público dos Emirados e do mundo. A dancinha do goleiro africano foi atração à parte, mostrada a irreverência na mídia internacional. Os tiques nervosos do goleirão, em nada atrapalharam as suas vigorosas defesas. O terno branco com listas pretas na frente das blusas representava uma coreografia que combinava perfeitamente com a pele dos congoleses. E a FIFA, contratando quarenta e sete elementos da torcida organizada Corvo ─ ave sinistra como o urubu ─ fez muito bem. Essa torcida, com trajes de tradições tribais, representou nova atração na merecida vitória do Mazembe.
     E como já foi dito, é preciso ser muito mais que brasileiro para ganhar torneios importantes como Copa do Mundo, Mundial de Clubes, Copa das Confederações e outros, por que o mundo inteiro vai se nivelando por cima. Não acompanho futebol, mas um jogo internacional, sempre me puxa um pouco para a poltrona. E na partida que rolou ontem na capital Abu Dhabi, apesar da minha torcida pelo representante brasileiro, brilharam os africanos. E eles tinham que chegar aonde chegaram porque mereceram e tem que extravasar mesmo e rebolar em cima de nós. Pois quem quiser que não respeite os morenos do Mazembe que representam no momento, quer queiram, quer não queiram os novos BICHOS-PAPÕES


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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O REI DO RÁDIO

O REI DO RÁDIO
(Clerisvaldo B. Chagas, 14 de dezembro de 20100
     Com o histórico sobre Nelson Gonçalves apresentado na TV, no último fim de semana, voltamos a mergulhar no romantismo. Vou-me transportando para 1958, em Santana do Ipanema, Alagoas, administração Hélio Cabral de Vasconcelos. A rede de alto-falantes nos postes da cidade, divulgando notícias mescladas com músicas de gente famosa, entre elas, Nelson Gonçalves, vai recheando os meus sonhos dos doze anos de juventude.
     Nasceu Antonio Gonçalves Sobral, de pais portugueses, em terras gaúchas em 21 de junho de 1919. Seus pais mudaram-se para São Paulo, onde o menino Antonio cantava na rua ao som do violino de seu pai que fingia um cego. Mas o garoto e rapaz ainda iria exercer várias profissões para chegar aonde chegou. Foi jornalista, mecânico, engraxate, polidor e tamanqueiro, lutador de boxe peso-médio, garçon e vocalista de cassino famoso. Foi reprovado em vários programas de calouros, como cantor. Antonio casou-se três vezes. A primeira, com Elvira Molla, da qual teve dois filhos. Partiu para o Rio de Janeiro em 1939, onde também não teve êxitos em muitos programas de calouros. Com uma persistência impressionante, Nelson Gonçalves só conseguiu gravar seu primeiro disco em 1941. Fez contrato com a poderosa Mayrink Veiga e seguiu pela escola de gente consagrada como Orlando Silva, Francisco Alves e Carlos Galhardo. Foi aos poucos reunindo essas preferências de público e tornou-se único, fazendo formidável sucesso nos anos 40 e 50. Nos anos 40 apresentou páginas inesquecíveis da MPB como “Maria Bethânia” (Capiba) “Normalista” (Benedito Lacerda/David Nasser) “Caminhemos” (Herivelto Martins) “Renúncia” (Roberto Martins/Mário Rossi). Nos anos 50, com muito mais força, saíram “Última Seresta” (Adelino Moreira/Sebastião Santos) “Meu Vício é Você” e “A Volta do Boêmio” (ambas de Adelino). Eram essas e outras músicas dessas duas décadas que faziam sucesso no Brasil e, particularmente no sistema de alto-falantes, referido acima, instalado em Santana do Ipanema entre 1956-60. Nelson enfrenta o casamento pela segunda vez, unindo-se a Lourdinha Bittencourt em 1952, cuja união durou até 1959. Em 1965, casa com Maria Luíza da Silva Ramos e com ela tem dois filhos.
     Em 1958, Nelson envolve-se com a cocaína. Sua vida pessoal e carreira começam a sofrer as consequências. É preso em casa na vista dos filhos em 1965 e passa um mês amargando na Casa de Detenção. Após a crise, o cantor lançou a música: “A Volta do Boêmio” nº 1, que foi um sucesso absoluto. Nelson continuou gravando nos anos 70, 80 e 90, quando a morte o surpreendeu em 18 de abril de 1998, com um infarto agudo do miocárdio. Estava no apartamento da filha Margarete no Rio de Janeiro. Despediu-se da vida aos 78 anos de idade.
     Nelson Gonçalves gravou mais de 2.000 canções, 183 discos em 78 rpm. Vendeu 78 milhões de discos, ganhou 38 discos de ouro e 20 de platina. Em Santana do Ipanema, apresentou-se no cine-Alvorada na fase aguda do vício. Até o presente momento ninguém conseguiu chegar nem perto do vozeirão de Nelson Gonçalves que continua encantando o romantismo musical nos discos que se vão modernizando. Saudades do REI DO RÁDIO.


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domingo, 12 de dezembro de 2010

NGORONGORO/KALAMBO

NGORONGORO/KALAMBO
(Clerisvaldo B. Chagas, 13 de dezembro de 2010)
     Escapando de tantas imagens e textos sobre violência na mídia, um voo rasante na Geografia africana faz um bem danado. Deixando à parte o ódio e as guerras regionais em torno da Tanzânia, vamo-nos ligando apenas as suas belezas naturais que enfeitiçam os visitantes. País da África oriental, banhado pelo oceano Índico, a Tanzânia tem com capital constitucional, Dodoma, desde 1996. A sede do governo acha-se localizada, porém, em Dar es Salaam, que funciona como outra capital. Mesmo sendo um dos países mais pobres do mundo, a Tanzânia mostra lugares estonteantes nesse território que emprega 80% do seu povo na agricultura. Dominado pela savana, essa nação possui vários e extensos parques que abrigam animais de grande porte desse vasto continente. Algumas paisagens já são consagradas no mundo inteiro, servindo como referências a passeios inacreditáveis. Sua maior reserva natural, por exemplo, é o Parque Nacional do Serengeti com mais de 15 mil km2 já amplamente apresentado ao Planeta através da TV. Nesse parque ─ que impressiona qualquer amante da Natureza ─ vivem as maiores populações de animais selvagens da Terra. O Ngorongoro é uma enorme cratera de vulcão adormecido. Bem ali no seu interior, convivem rebanhos sem conta de animais de variadas espécies, cuja impressionante diversidade recebeu o apelido de “Arca de Noé”. Mas dentro da própria área de savana (vegetação parecida com o cerrado brasileiro) também aparece uma imensa floresta tropical.
     As montanhas estão a nordeste; lagos importantes no norte e oeste. No centro do país, surge um grande planalto com planícies e terras para a agricultura com máquinas. Naquelas montanhas está localizada uma formação que virou cartão postal do turismo. Trata-se do monte Kilimanjaro, cujo topo coberto pela neve vem a ser o ponto culminante do continente africano. Quem ainda não assistiu ou ouviu falar do filme: A morte vem de Kilimanjaro? Outra poderosa atração é o famosíssimo lago Vitória, o maior da África, tradicionalmente apontado como nascente do rio Nilo. Tantas belezas naturais ainda contam com o lago Tanganica que mostra perto da sua extremidade sul, as cataratas de Kalambo, no sudoeste do país. Essa maravilhosa cachoeira estar sendo promovida para atrair turistas das mais diferentes origens.
     Como sabemos, a violência é um mal carregado pela humanidade, presente mesmo nos mais deslumbrantes cenários da Terra. Mesmo assim encontramos refúgios que nos transportam e nos fazem sonhar como paraísos terrenos. Para fugirmos das rotinas estressantes de manchetes altamente negativas, que tal essa viagem no tapete mágico das letras que relaxam em devaneios? Pois acordem, amigas e amigos, acabamos de chegar da Tanzânia sem pagar absolutamente nada. Vamos enfrentar a semana sabendo que maravilhas ornamentam a vida assim como NGORONGORO/KALAMBO.


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sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

FLORES NOS CANTEIROS

FLORES NOS CANTEIROS
(Clerisvaldo B. Chagas, 10 de dezembro de 2010)
    
     Tentemos hoje observar o Nordeste com olhos de esperanças. Vamos analisando importantes áreas de produção agrícola irrigada, permitindo aumento da produção e escoamento dos produtos para o exterior. Os setores que mais contribuíram para o PIB dos estados foram a indústria (que representa o setor secundário) e os serviços (setor terciário). Aproveitando vários benefícios e a descentralização industrial, o Nordeste começou a se transformar a partir de 1990. É verdade que muitas indústrias migratórias para o Nordeste são de tecnologias modernas, não usando imensa mão de obra. E com a falta dessa mesma mão de obra não especializada, as indústrias qualificam seus trabalhadores, permitindo fator positivo ao crescimento regional. São elas que impulsionam a parte econômica dos municípios envolvendo setores como transportes, bancos, comércio e muitos outros.
     Na prestação de serviços, o turismo mostra força nas capitais, mesclando essa atividade com belas praias, riquezas histórico-culturais e o religioso. Perto da Europa, América do Norte e Centro-Sul do Brasil, o turismo vai usando o ponto estratégico para o sucesso absoluto na região. E quando se fala em indústria, tem destaque o polo petroquímico de Camaçari (Bahia); o polo têxtil de confecções de Fortaleza (Ceará); o complexo metalúrgico de Carajás, com áreas no Maranhão; o polo agroindustrial de Petrolina-Juazeiro (Pernambuco-Bahia); a agricultura moderna no oeste da Bahia e o vale do Rio Açu (Rio Grande do Norte) com moderna agricultura irrigada.
     Diversos outros lugares do Nordeste vão cumprindo o dever de espantar a pobreza, gerando emprego, renda e qualidade de vida para o seu povo. Apesar de tanta corrupção ainda, a região vai rompendo os liames da miséria com trabalho organizado e produtivo. Entre os lugares que movimentam a produção e progridem, não se pode esquecer o polo têxtil em solo pernambucano. Em Toritama concentra-se o maior polo de confecção de jeans daquele estado. São cerca de mil indústrias de confecções que empregam mais de dez mil funcionários. Já em Taquaritinga do Norte, quem manda é a produção de camisas, sutiãs e calcinhas. Em Santa Cruz do Capibaribe, é um sucesso absoluto a indústria têxtil.
     Muitos outros lugares deixaram de ser ditos e, que são baseados nos êxitos agropecuários de irrigação. Afora os polos industriais citados, ainda aparecem os que se formam em outras capitais ou cidades dos entornos, a extração do petróleo e de muitos minerais que são beneficiados na própria região. E se o Nordeste não progride de forma uniforme, as ilhas de prosperidade vão lastreando istmos, cujos resultados o tempo dirá. Muito já foi feito e mais se tem por fazer. E, como cantou o poeta sobre as rosas, vamos nessa região cultivando também FLORES NOS CANTEIROS.

• O escritor é Especialista e professor de Geografia e História.

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quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

CORAGEM PARA DIZER

CORAGEM PARA DIZER
(Clerisvaldo B. Chagas, 9 de dezembro de 2010)
     Sei que trabalhamos para leitores diversos dos mais variados gostos. Muitos preferem temas locais ou regionais. Mas como escrevemos para o mundo, não podemos deixar à vontade relevantes assuntos que interessam a todos, direta ou indiretamente. Tudo que falamos aqui, antecipadamente, sobre organizações mundiais vão se confirmando muito mais cedo do que imaginávamos. É somente está atento ao xadrez mundial com seus jogadores em busca de xeque-mate. Vamos confirmar, então, o que falamos anteriormente nas palavras de ontem, quarta-feira, pelo representante do FMI, segundo jornal virtual A Folha.
     O diretor gerente do FMI (Fundo Monetário Nacional) Dominique Strauss-Kahn, advertiu nesta quarta-feira que “existe um grave risco de que o G20 (Grupo dos 20, bloco dos países ricos e emergentes) se transforme em uma instituição irrelevante”. Strauss-Kahn acha que houve leve melhora econômica, mas existem tendências de lideranças de se concentrar em seus problemas nacionais.
     Em conferência na sede da ONU em Genebra (prossegue a Folha) Dominique manifestou seu convencimento que o euro continuará existindo dentro de cinco anos. Mas tece críticas a sua administração. Diz ainda o diretor gerente do FMI, a crise segue na Europa, “mas também em outras partes do mundo”. “O problema real é a situação de alguns países europeus”. Sobre a legitimidade do G20, Strauss apontou que o grupo exclui 170 países representantes de um terço da população mundial, argumento usado para defender o FMI “que tem 187 membros”. “O modelo global de crescimento se mostrou desequilibrado e insustentável”, assinalou.
     Voltamos com a palavra. No segundo parágrafo, sobre um grave risco, Dominique quer dizer que, mesmo o mundo sendo representado por tão poucos países, pelo menos tem regras, superadas, mas tem. Se tudo for abaixo agora, o caos econômico tomará conta do planeta de uma forma muita arriscada. Sobre as lideranças, tem razão o representante. Todos falam no geral, mas a preocupação mesmo é com a própria casa, como se dissessem: o resto que se dane. No terceiro parágrafo, sobre o euro, fica o comentário para os entendidos. Sobre a exclusão de 170 países, é o mesmo caso do Conselho Permanente da ONU. Menos de dez países caducos dando ordens ao restante do planeta como se a Terra fosse exclusiva do Conselho. É uma forma de ditadura e escravidão que precisa ser derrubada. Tanto o Conselho Permanente da ONU, quanto o FMI, tem que ser movimentados pelos verdadeiros donos que são todos os países da Terra. Essa crise veio para acontecer uma mudança geral, cujo estouro do dique não pode ser barrado com um dedo no suspiro. Estamos apenas no início de uma Nova Ordem Mundial. Muitas mudanças estão para acontecer. Enquanto isso, Brasil passa a ser a maior potência agropecuária do mundo e a quinta economia, 2011, superando, quem diria, a imperialista Inglaterra e a França. Parabéns ao senhor Dominique Strauss-Kahn, porque precisa ser muito macho para falar o que os ricos falidos não querem ouvir: CORAGEM PARA DIZER.

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terça-feira, 7 de dezembro de 2010

BULA INEFFABILIS DEUS

BULA INEFFABILIS DEUS
(Clerisvaldo B. Chagas, 8 de dezembro de 2010)
     Hoje é dia de Nossa Senhora da Conceição. Feriado em meio de semana para quem pretende descansar, viajar ou colocar em dia suas devoções religiosas. Muita gente que arma sua árvore de natal no início de dezembro, escolhe o dia oito para assegurar a crença na bondade divina. Como no Brasil foram reduzidos os dias santos e feriados, quando um deles surge na folhinha torna-se motivo de alegria para o empregado e de praga para o empregador. Estamos totalmente dentro do poço dos metais onde a força do lucro comanda os sentimentos mercantilistas. Os escravos negros não trabalhavam aos domingos para os patrões, mas cultivavam suas próprias lavouras, se quisessem melhor alimentação. Assim não sobrava tempo para o descanso apregoado pelo Cristianismo. Nos tempos atuais inúmeros empregadores não dispensam nem o sábado nem o feriado. Outros nem sequer o domingo. E nessa briga constante e perene, o trabalhador que consegue escapar por vinte e quatro horas das unhas do patrão, procura usar da melhor maneira possível esse intervalo precioso. Muitos santos foram forçados a deixar o calendário civil, mas dificilmente os corações dos seus devotos. Entre sábados, domingos, feriados e dias santificados, avulta-se o dia oito de dezembro como marco importante para os sentimentos católicos que rompem com a descrença.
     É nesse dia que a Igreja comemora o dogma da Imaculada Conceição, conforme o definido pelo Papa Pio IX, em 1854. Portugal foi um país que sempre manteve essa crença, mesmo antes da oficialização papal. Se formos observar pela história, iremos encontrar certa dificuldade da Igreja Ocidental em aceitar a Concepção. Entretanto, no século XIII, o teólogo e franciscano Duns Scotto, defendeu a tese mostrando que era conveniente que Deus preservasse Maria do pecado original. Maria era destinada a ser mãe do filho dele e que isso era possível pela Onipotência de Deus. Daí foi, então, que a doutrina da Imaculada Conceição de Maria, foi introduzida no calendário romano. Em 1830, a própria virgem apareceu à Santa Catarina de Labouré, pedindo que se cunhasse uma medalha com a oração: “Ó Maria Concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós”. Quatro anos depois, a Igreja oficialmente reconheceu e declarou solenemente como dogma, em 1854, através da bula “Ineffabilis Deus”, do Papa Pio IX, “Maria isenta de pecado original”. Na sua aparição em Lourdes, a própria Virgem confirmou a definição dogmática dizendo para Santa Bernadete Soubirous: “Eu sou a Imaculada Conceição”.
     Entre os que aceitam a Imaculada Conceição e os que a rejeitam, estamos usando esse tempo útil para sentimentos nobres. Nada como um poço límpido nas longas travessias para alimentar o corpo e a alma. Maria é refúgio seguro para quem a procura. E para mim, como os portugueses mais antigos, nem precisaria essa abençoada BULA INEFFABILIS DEUS.







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O NOME DO PESTE

O NOME DO PESTE
(Clerisvaldo B. Chagas, 7 de dezembro de 2010)
     Já contamos aqui um fato engraçado com o senhor Abel Mendonça (já falecido) mestre em adestrar passadas de cavalos. Não custa repetir. A pioneira no semi-árido, Rádio Correio do Sertão, criou um programa de forró que funcionava ao cair da tarde. Esse programa também passou a atuar ao vivo com vaqueiros, forrozeiros, aboiadores, repentistas e todo movimento rural da região. Havia espaço direto também para recados. Ao toque da sanfona, do coco de roda, repentes e aboios improvisados, as mensagens eram enviadas pelos seus ativos convidados. Na vez do senhor Abel Mendonça ─ homem rude que nunca havia usado o microfone ─ ele se saiu com essa. Mandava recado para os compadres e conhecidos, quando os ouvintes de casa perceberam que Abel esquecera um nome engatilhado. Assim só se ouvia o gaguejar do adestrador batendo as mãos, tentando lembrar: “Esse recado vai para... para... para... (E as mãos: ploc, ploc, ploc...) Ô minha gente, como é mesmo o nome do peste?” Gargalhada geral na rádio e nas casas dos ouvintes.
     Ficou para ontem, o final do caso comprido que só o hino nacional, sobre a compra de aviões a ser realizada pelo Brasil. Também já visto por nós esse tema, quando o governo resolveu prorrogar o suspense, após conversar o que não deveria. Para mostrar independência dos Estados Unidos, Lula firmou parceria estratégica com o governo francês que também busca destaque de líder na Europa. E por viverem essa crise que atingiu os ricos, França, Estados Unidos e Suécia, procuram vender seus caças nessa transação bilionária com o Brasil. Não é interessante para o nosso país, comprar avião sem trazer junto a tecnologia. Se, como exemplo, comprássemos aviões americanos e precisássemos fazer um ataque a um aliado deles, tudo que envolvesse reposição para as nossas aeronaves nos seria negado. Portanto, o Brasil opta por quem lhe fornece tecnologia e parceria para que também possamos fabricar aqui no Brasil esses aviões de guerra. Além disso, com a concessão de venda para outros países da América do Sul. Lógico que o Brasil iria aprender e desenvolver seus próprios métodos construtores, virando fabricantes de aeronaves de ponta. A França e a Suécia oferecem coisas que o americano não faz. Querendo driblar o tempo, Lula adiou a decisão para não causar constrangimento aos Estados Unidos que ficariam bravos com a não preferência pelas suas máquinas.
     Mesmo deixando a decisão para o finalzinho do seu governo, o presidente Lula parece ter perdido toda a influência sobre o assunto que teve que ser enfrentado por Dilma. Convocando o Jobim para decidirem sobre o avião a ser escolhido, a presidenta eleita mostra querer a situação imediatamente resolvida. Até a entrada dessa crônica no ar, havia um sigilo absoluto sobre a conversa ocorrida entre os dois. Apelamos para a presidenta eleita: Dilma, qual foi mesmo o avião escolhido? Diga aqui para o nosso blog como é mesmo O NOME DO PESTE!



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domingo, 5 de dezembro de 2010

HISTÓRIA E REMEMBRANÇAS

HISTÓRIA E REMEMBRANÇAS
(Clerisvaldo B. Chagas, 6 de dezembro de 2010)
     Quando não havia asfalto entre o Sertão e Palmeira dos Índios, em Alagoas, a viagem a Maceió era longa e difícil. Geralmente as paradas eram divididas em quatro partes, para os que usavam o automóvel, à preferência do viajor: Palmeira dos Índios, Cabeça Danta, Corumbá ou o Salgado. Palmeira, terra adotiva do Graciliano Ramos, surgia aos olhos dos viajantes do Sertão e Alto Sertão como um oásis interessante. Aspecto de cidade civilizada e limpa. Água de coco e café da manhã representavam à procura de quem passava. Cabeça Danta ─ perto de Belém e da famigerada curva do “S” ─ fornecia frutas dos sítios locais, puxadas pelo coco verde, muito procurado pelos passageiros. No Salgado, sopé das montanhas sempre verdes, após a cidade de Maribondo, o atrativo era o café da manhã com bolachas cream cracker e poções de manteiga em minúsculas manteigueiras de vidro, além da cristalina e pura água da serrania. A quarta opção, sítio Corumbá, perto de Atalaia, oferecia o café com uma chamada macaxeira ouro, que fazia jus a cor e ao sabor. Em alguns pontos da estrada, como no trecho da fértil Canafístula, a atração da estrada eram bancas de frutas e abóboras produzidas nas terras do local, por trás das casas dos moradores. O condutor parava o automóvel, enchia a mala de produtos frescos, deliciosos e baratos. Quem fazia o trajeto de ônibus, tinha como certas duas paradas costumeiras: a churrascaria Brasília, em Maribondo, que pertencia a um italiano e, cujas paredes eram repletas de provérbios cívicos, escritos à tinta; e a churrascaria do Josias na cidade Cacimbinhas, bem defronte ao posto de gasolina do Galego, um dos raros postos do Sertão e que prestou serviços décadas a fio.
     Algumas coisas mudaram na paisagem. Do Sertão à capital, o asfalto reduziu de quatro horas e meia para três ou duas horas e meia o trajeto. A “Princesa do Sertão” saiu do mapa das paradas, para quem vai de carro pequeno. O ponto Cabeça Danta está desativado, permanecendo, ainda hoje, com a pequena construção onde se vendiam os frutos da terra. A casa do sítio Salgado encontra-se abandonada e quase em ruínas. O ponto do Corumbá há muito tempo fechado e sem sinal de vida. Atualmente, a parada única de quem vem do Sertão e Alto Sertão, agora é Maribondo, cidade cortada pela BR-316, a cerca de setenta quilômetros da capital. É ali em churrascaria ou lanchonete o ajuntamento de bestas, micro-ônibus, automóveis particulares e de órgãos públicos que vão resolver negócios no litoral. Parada obrigatória para os de Santana, Canapi, Poço das Trincheiras, Mata Grande e todos os do semi-árido que trafegam pela BR-316.
     As bancas de frutas ainda são encontradas, mas também não são mais a mesma coisa. Muitos produtos vem da feira, são de qualidade duvidosa e preços elevados. A pureza dos quintais tornou-se rara. Os viajantes escaldados passam direto, receosos de explorações azedas. E assim os tempos vão mudando como mudam as nuvens tangidas sob o céu azul e eterno. Maceió ─ Sertão, Sertão ─ Maceió. Reminiscências despregando-se das lameiras... Da vida, que não estaciona para chorar. Desculpe aí leitor, a HISTÓRIA E REMEMBRANÇAS.


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sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

CATAR

CATAR
(Clerisvaldo B. Chagas, 3 de dezembro de 2010)
     Com as duas surpresas do sorteio, a FIFA apresenta a Rússia e o Catar como sedes da copa de futebol de 1918 e 1922. Concorrendo com fortes candidatos, esses dois países conseguiram essa façanha espetacular, motivo de desejos global. Os Estados Unidos não gostaram, bem como o âncora brasileiro Boris Casoy. De parabéns está a FIFA que não se deixou intimidar pelo poderio e representantes americanos. Ambos os países escolhidos são extremos do continente asiático, desde as nevascas de Moscou às quenturas do deserto do Oriente Médio. A Rússia já prometeu construir estádios e mais estádios e gastar uma fábula nesse grandioso evento. O catar, mesmo pequeno polegar no Golfo Pérsico, não tem problemas com dinheiro. Ficou famoso pelo seu ponto estratégico dentro de outro ponto estratégico enorme que fica na confluência de três continentes ─ Europa, Ásia e África ─ ainda hoje, passagem obrigatória de diferentes povos. Sua capital Doha, também ganhou espaços nos jornais do mundo inteiro ao pagar bem aos jogadores estrangeiros e sediar reunião global sobre o clima. Essa localização tem particular importância porque os maiores produtores mundiais de petróleo ficam nessa região. Esse dado faz com que o Oriente Médio desempenhe um papel geopolítico importantíssimo no cenário internacional. São quinze países dentro dessa região, sem contar com dezenas de outros bem próximos dos três citados continentes. Todo o Oriente Médio é apaixonado por futebol, embora não tenha o destaque de outros lugares do globo. A estratégia da FIFA, além de amenizar a tensão do lugar, incentiva o esporte na Ásia Seca onde jorra dinheiro e petróleo.
     Os Estados Unidos não gostaram porque estão acostumados a mandar em tudo. Mas parece que o mundo vai perdendo o medo da Águia com a pintura da nova Geografia. É bom saber que o Catar fica de um lado do Golfo Pérsico e o Irã do outro. Para o Tio Sam, que mete política em tudo, a decisão da FIFA não podia mesmo agradar porque soa para ele como uma forma de prestigiar indiretamente o inimigo. Mas ─ como se fala em advocacia ─ o perdedor tem o direito de espernear. Já aqui no Brasil, ontem à noite, o apresentador de jornal Boris Casoy, com um toque sutil de preconceito disse, ironicamente, que a escolha do Oriente Médio devia ser por causa do futebol primoroso da região; e rebateu depois para aproveitar a gíria das ruas, referindo-se ao país de Doha: "Ora, vai-te catar!" Da Rússia não falou nada. Seu nome não deixou.
     Boris é um dos melhores apresentadores do Brasil. Todavia, vez em quando, comenta coisas sem base e conhecimento de causa. Quer dizer, é bom, mas também (citando jargão) foi não foi, pisa no tomate. E, ao contrário do que disse o grande âncora, sem preconceito nenhum é a hora do Catar e de Boris se CATAR.


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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

ANIVERSÁRIO

ANIVERSÁRIO
(Clerisvaldo B. Chagas, 2 de dezembro de 2010)
     Hoje é meu aniversário. Para que esconder, se escrevo sobre o cotidiano? Uma Canon EOS 40 D ou um AirCross já seriam presentes de bom tamanho; ou uma caixa de fósforo, um palito ou um abraço. Bem, compadre, são coisas materiais, brinquedos do dia a dia. Na verdade, a melhor coisa mesmo para um aniversariante é saúde, fator não valorizada quando se tem. No plano espiritual, seria ótima a visita do filho do Homem para dizer: “Parabéns cabra velho, você não tem parelha, não! Continue contando comigo.” Quem terá inventado esse negócio de aniversário?
     Falam os pesquisadores que o aniversário teve início ligado a assuntos de mágica e religião. Para proteger o aniversariante de coisas ruins, é de onde vem os costumes dos parabéns, presentes, celebração, inclusive velas acesas. As velas protegiam o aniversariante e ainda garantiam sua segurança no próximo ano, segundo os tempos mais antigos. Até a Igreja e o próprio cristianismo, não aceitavam esses rituais, alegando costumes pagãos. Pelo menos até o quarto século, pensava-se dessa maneira. Voltando à velha Grécia, sempre dando conta de tudo, achavam os gregos que cada pessoa tinha um espírito protetor também chamado gênio, e este inspirava, assistia o nascimento e vigiava o indivíduo em vida. Durante o natal, esse espírito protetor teria uma relação com o deus. E como os romanos gostavam de copiar os gregos, apoiavam esses pensamentos da calejada Grécia. Havia bolos de mel, redondos, que imitavam a lua, e eram iluminados com velas, depois colocadas no templo de Ártemis (deusa da lua e da caça). As velas eram dotadas de magia especial para atender pedidos. Dizem que a pessoa, durante o aniversário, estava perto do mundo espiritual. Mas bem que os egípcios tinham tradição de realizar aniversários. Muitos dos costumes da Grécia eram importados do Egito. A bíblia não relata aniversários de hebreus, nem sequer o de Jesus. E esses parabéns para você, que se canta no Brasil, migraram dos Estados Unidos quando a letra foi adaptada para o português em 1942. Ela foi criada em Kentucky, pelas irmãs e professoras Mildred e Patrícia Smith Hell, para ser cantada na entrada da escola, pelas crianças. O título é “Bom dia a todos”.
     Costume pagão ou sem ser pagão, hoje é meu aniversário. Difícil é planejar o que fazer. Após os quarenta, os aniversários vão ficando mais sisudos e discretos. Chegam às lembranças das mães satisfeitas em torno da mesa repleta de crianças aguardando parabéns, doces e bolo. Do adolescente e do adulto novo comemorando com cervejas nas rodadas entre os amigos. Depois... Depois é apenas uma lembrança danada do aconchego maternal que não retorna. Missa em ação de graças, meditação e agradecimentos profundos ao Dono da vida. Uma nova parada para reaver o fôlego e prosseguir a jornada do aperfeiçoamento. Não posso esconder com o teclado à frente: hoje é meu ANIVERSÁRIO.


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OLIGARQUIAS IMPRODUTIVAS

OLIGARQUIAS IMPRODUTIVAS
(Clerisvaldo B. Chagas, 1º dezembro de 2010)
     Ontem, um carro de som percorria as ruas de Santana do Ipanema, Alagoas, com apelos insistentes. Pessoas que quisessem trabalhar, dizia o anúncio, estavam diante da oportunidade. Tratava-se de um frigorífico de frango, conhecidíssimo no Brasil inteiro, em busca de mão de obra para suas instalações no Mato Grosso do Sul. A nota falava de algumas vantagens e marcava para hoje um encontro com os interessados no Tênis Club Santanense. O que faz um frigorífico monopolizador no mercado nacional vir em busca de trabalhadores tão longe das suas engrenagens? É a escassez de operários na Região Centro-Oeste? É a busca de mão de obra barata no interior nordestino?
     Sempre falamos dos milhares de jovens, moças e rapazes que percorrem as ladeiras de Santana, rua acima, rua abaixo, sem perspectivas nenhuma de futuro na cidade. Está certo que o comércio ─ tradição antiga do município ─ está cada vez mais florescente com seus empreendimentos particulares, em paralelo com a prestação de serviços. Mesmo assim a “Rainha do Sertão” não tem condições em absorver essa força de trabalho montada apenas na teoria dos estudos. Como nos meados do século XX, esse universo sertanejo jovem continua migrando para cidades como Arapiraca, Maceió, Recife ou o Sudeste. Diante da falta de política municipal desenvolvimentista de todos os prefeitos, sem exceção, até a presente data, os jovens vão se desligando de troncos familiares como as cenas de secas retratadas. É enfrentar terras e hábitos estranhos, longes dos seus habitats, sem o amparo afável da família.
     Depois que as sucessivas administrações santanenses sufocaram e mataram todos os embriões industriais, a terra de Senhora Sant’Ana ficou a mercê de outros centros que agiram ao contrário e, deles somos clientes ao invés de patrões. A sociedade marcada, ferrada e passiva, não reage nunca. Esta voz está rouca de clamar no deserto como João Batista. A série de prefeitos governa dentro de linha demarcatória básica, quando calçamento é grande feito, quando uma praça é grande glória. Os poucos pensantes sofrem diante da demagogia hereditária que caracteriza o núcleo. E quem nada combate, quem cala sempre à conveniência, enche-se de comendas como nos velhos tempos da Inglaterra. Nessa urgente circunstância, é até bem vinda à convocação para o trabalho no Mato Grosso do Sul. Tudo faz lembrar a avó do escritor Oscar Silva ao preferir que ele fosse brigar na Revolução Paulista com barriga cheia de que permanecer na paz faminta do Sertão. É a cena repetindo-se de outra maneira em outro momento. Se já éramos cortadores de cana, agora seremos também manejadores de frangos, assim mandam os decretos da vontade dos que nunca tiveram nem tem compromissos com sua gente. Mas, como nos morros fluminenses, um dia também acontecerá à libertação do povo sertanejo, pois assim aconteceu em Petrolina, em Mossoró e em outras ilhas de prosperidade. Chega de OLIGARQUIAS IMPRODUTIVAS.


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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

CAVEIRINHA E CAVEIRÕES

CAVEIRINHA E CAVEIRÕES
(Clerisvaldo B. Chagas, 30 de novembro de 2010)
     Dos colegas que estudaram comigo no curso do Antigo Admissão, lembro de poucos. Naquela época, ao terminar a quarta série, o aluno passava alguns meses fazendo o Admissão ao Ginásio e fazia uma prova depois para saber se ganharia uma vaga na quinta série. Geralmente o estado bancava até a quarta nos grupos escolares e, a rede cenecista atuava da quinta à oitava. A ponte era justamente o curso de Admissão oferecido em escolinhas particulares ou administrado pela própria rede cenecista que chegou antes do estado com o Curso Ginasial (quinta à oitava). Estudei esse Admissão em três lugares em Santana do Ipanema, Alagoas. Na escolinha particular de Helena Oliveira, no início da calçada alta da Ponte Padre Bulhões, depois à Rua Martins Vieira, na mesma escola, após a mudança de residência da professora. E, por fim, no prédio Batista Accioly, chamado Bacurau, onde por algum tempo, o funcionário público Agilson ministrava aulas particulares visando às provas de acesso à quinta. Lembro colegas como Serra Negra, Neubes, José Vieira, Arquimedes, Demóstenes, Édson, vulgo Caveirão e Antonio (galego Bigula) na escolinha de dona Helena Oliveira. Falar sobre cada um daria boas histórias. Entretanto, não queremos fugir ao assunto.
     Édson era filho do pacato marceneiro Lourival que trabalhava à Rua Sinhá Queirós, por trás da Usina de Beneficiamento de Algodão do industrial Domício Silva. Era comprido, magro, mais velho do que os meninos da escolinha e fraquíssimo nos estudos. Não deixava de ser, todavia, um bom sujeito. Quando não sabíamos as lições, os colegas iam embora às onze e meia e nós outros ficávamos estudando de castigo até muito além do meio-dia. Ao chegar do trabalho, o marido da professora, Celestino Chagas, pegava o saxofone e tocava acompanhado da letra composta por ele que zombava do aluno Édson. Referia-se ao apelido e a fome da hora:

"Caveirão eu quero ver
        Os grilos cantando dentro...”

      Já na década de mais ou menos setenta, apareceu um delegado de polícia na cidade, cujo apelido era Caveirinha. Falavam que os marginais tinham um receio danado das investidas do delegado Caveirinha.
     Surge agora no Rio de Janeiro, o veículo policial também chamado caveirão. Dizem que o caveirão também deu muitos sustos em bandidos, mas depois que os marginais passaram a utilizar armas de guerra, o medo do bicho foi diminuindo. E como muita gente gosta de cognomes relativos a esqueletos, é preciso inventar outro caveirão mais moderno que aguente balas de fuzis e receba nome pomposo e assustador de restos mortais. Quer dizer, se a tomada dos morros cariocas não der em nada. Sem querer ferir o mérito da invasão do Rio, prefiro a melodia sutil e zombeteira do sax do senhor Celestino Chagas:

“Caveirão eu quero ver
         Os grilos cantando “dentro...”

     Ah! CAVEIRINHA E CAVEIRÕES!
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