CARNEIRO
E SERRADOR
Clerisvaldo B.
Chagas, 1º de outubro de 2012.
Crônica Nº 875
A hoje chamada Literatura de Cordel contribuiu
magnificamente para o aprendizado e o hábito da leitura no Nordeste. Aprendi
muito com o mundo encantado dos poetas escreventes e repentistas. Geralmente
quem escrevia cordel era o poeta repentista aposentado, o vate que não usava o
repente, ou o simples apologista. O poeta nato faz tudo perfeito. O que tem
apenas a veia poética, constantemente se engancha na métrica, ficando a estrofe
capenga. É igual a um piso em que as peças ficam assentadas desiguais,
provocando topadas. Rimas sem métrica doem nos ouvidos e irritam na leitura.
Muitos não querem que a literatura tenha nome cordel e sim, cordão. Os cordões,
tipos barbantes sustentavam os livretos vendidos nas bancas de feiras, mas
esses folhetos também eram expostos no chão, sobre um pequeno pedaço de pano ou
de lona. Ali o próprio autor vendia os seus trabalhos lendo para o povo as suas
obras. Acontecia ainda a ocasião em que o vendedor era apenas um intermediário,
porém, tinha veia poética, voz bonita e outros dons que convenciam à compra. Um
desses folhetos que ainda faz sucesso foi publicado em 1954 por João Martins de
Athayde: “Peleja de Serrador e Carneiro”. Nessa linguagem, “peleja” é uma
cantoria entre dois repentistas nordestinos.
Li inúmeros folhetos e decorei muitos versos. Na peleja
acima, tem uma passagem em que o poeta Serrador aproveita o nome do oponente e
diz:
“O sítio de Serrador
Está pra quiser vê-lo
A estrada é larga e franca
Que passa até um camelo
Mas se um carneiro for lá
Se arrisca à onça a comê-lo”.
Ora, como pode um
simples carneiro, tão manso e tão humilde sair-se de uma enrascada dessa? O
mesmo João Martins de Athayde vai para a boca do seu personagem e responde:
“Serrador se você visse
Desse carneiro as marradas
Você saia correndo
Vendendo azeite às canadas
Passava de porta em porta
Avisando aos camaradas”
Relembrando essa passagem meditei sobre a situação do
povo. Carneiro é apresentado como animal dócil e presa fácil. Mas quando cisma,
todos têm medo da sua marrada que pode matar até mesmo um touro. As multidões
enganadas pelos suas lideranças sofrem os desenganos, anos a fio, como rebanhos
de ovinos conformados. Como seria diferente se tivessem a consciência da força
que possuem. Na obra poética do velho mestre Athayde, brilha uma lição de
bastidores na peleja entre CARNEIRO E SERRADOR.
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