É DIA DE FOGUEIRA
(Clerisvaldo B. Chagas. 24.6.2010)
Diz o povo que “ninguém é de ferro”. E como o guerreiro também é gente, vai armando a sua barraca na porta de casa, checando acendedores, moldando o feixe, consultando os vasilhames. É preciso ressuscitar o velho Luiz Gonzaga, lustrar o móvel, empurrar o som. Não sair de casa no São João e em pleno Natal, virou preceito e tradição que acompanha o homem. Vão chegando às primeiras sombras da noite e bombas estouram em toda a periferia santanense. Chega o combustível, os fósforos, o cavaco cheiroso que vai ajudar as chamas. E surgem os primeiros foguinhos tímidos que se robustecem na base do abano de palha. Quando a tradição funciona, funciona tudo. O panelaço de milho cozido começa a soltar o cheiro gostoso que preenche os cômodos da casa, a calçada em festa, as narinas sensíveis. E o som eletrônico expulsa os forrós das mais expressivas correntes. Vai queimando o cavaco, vão tilintando as garrafas. A fumaceira da cidade polui o ar na sinfonia de rojões, foguetes e bombas. Passa um grupo de bêbados na rua, discutindo sobre resultado de jogo. O que parece mais sóbrio resmunga: “Deixe essa peste de jogo para lá, Dezinho! Quero saber de gota serena de jogo! Vamos logo beber um tubão no bar de Zé de Pedro, lavar a cara com outra na Toca do Monumento e dançar no Cachimbo Eterno até a mãe do cão chegar! Surgem informações do comércio que por ali “está um desembesto triste”, mas o guerreiro nem quer saber. Sua festa é na calçada, sozinho ou acompanhado. Maria diz que é hora de forrar o estômago porque bebida quente não alisa. Está certo ela. É, então, que alguém vai adiantando a canjica, pamonha, enquanto carnes nos espetos aguardam sal grosso e as primeiras brasas. O amigo não vai se aborrecer, mas hoje à noite não existe mais lugar para times, vuvuzelas ou jabulanis como disse o ébrio da rua.
Sanfonas e bandas de forró vão animando tudo: as fogueiras clareiam à noite desafiando o IBAMA e, entre um trago e outro, sai o churrasco, de presença obrigatória. Ruas com asfalto vão perdendo o brilho da madeira, pela proibição municipal. Mas ruas de calçamento ainda podem abrilhantar o evento junino. Balões estão sob ordens severas e viram apenas papel colorido com energia limpa. Mas, para quem gosta, restam palhoções, barracas de fogos, bancas da culinária típica e as brincadeiras de comadres que terminam de vera.
Parece até que lá no céu, o santo homenageado também se diverte, pelo menos olhando do alto as cachaçadas da Terra. Sei não. Sei apenas que João é muito querido aqui no Nordeste e dizem que no alto também. Deve ser mesmo, pois até agora nenhuma pessoa teve a petulância de falar mal do homem do carneirinho. Amanhã, quinta-feira, voltaremos à realidade universal. Hoje, hoje mesmo (quarta) é só forró até umas horas e uma animação sem fim. Em casa, o guerreiro, reservadamente vai participando. Jogue esse computador fora, compadre! Hoje É DIA DE FOGUEIRA.
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