segunda-feira, 21 de junho de 2021

 

RIBEIRA DO PANEMA

Clerisvaldo B. Chagas, 22 de junho de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.559

 

Hoje tem início o inverno na região alagoana. Olho o tempo nublado e faço as minhas contas. Estamos dentro dos quarenta anos da publicação do meu primeiro livro e romance Ribeira do Panema. Não tínhamos gráfica e nem editora e o livro foi impresso pela Tipografia Nordeste, pertencente ao Senhor Cajueiro, à Rua Antônio Tavares. Dei o motivo da capa ao amigo radialista e desenhista Adeilson Dantas. Quanto à capa em si, não houve verniz, não houve brilho e, a tinta preta, representando a noite com a silhueta de um vaqueiro à luz da lua, teve alguma dificuldade com o tempo. A mesma tipografia imprimia após, o nosso conto: Carnaval do Lobisomem. A apresentação do romance ficou a cargo do escritor palmeirense, saudoso Luiz B. Torres. E o Carnaval do Lobisomem, teve a apresentação do meu diretor do Ginásio Santana Adelson Isaac de Miranda. A apresentação tem o nome de Ladainha e dizia:

Santana está fincada no Sertão. É amiga íntima do rio Ipanema. Rio das venetas. Manhoso. Tão manhoso quanto burro de cachaceiro. Nunca deixou, no entanto, ninguém morrer de sede. Isso não. Permite que lhes rasguem o estômago para sugarem o precioso líquido. Dar muita liberdade. Quem conheceu esse coiteiro do São Francisco, é testemunha. Nas suas imediações, urrava a onça-de-bode. Ainda hoje as rolas-brancas dormem nas suas margens.  A acauã continua chamando a seca na serra do Cruzeiro. Algumas velhas, de cachimbo nos beiços, ainda fazem renda e contemplam o seu corpo cinza. Ali perto, na Rua do Sebo, os meninos ainda brin- cam de pinhão e ximbra. As mesmas estórias do papa-figo são recontadas de avós a netos. Cancão de fogo e João Grilo ainda são heróis. Mesmo o famoso, adorado e assassino poço dos Homens, continua ali comendo gente. O Panema tem imã.  Chama o carreiro, o botador d’água, o tangerino, o almocreve, o vaqueiro, o retirante, o boiadeiro... Conquista a todos com sua água grossa. Mas, às vezes fazem raiva ao Panema. Ele se dana, empesta-se. Aí é quando se faz de macho. Bebe ódio em Pesqueira e se vinga das afrontas. Negro come o diabo! Panema dá cabeçadas, rabos-de arraia, soquetes, leva tudo no peito. Na raça. Baraúnas são arrancadas, cercas são destruídas, casebres são diluídos. E o rio velho de guerra, arrotando valentia, tórax estufado, convida os riachos para o seu cordão. Só depois de saciada a vingança volta ao normal. Peito lavado. Começa a minguar. Fica manso de novo. Entrega o pescoço à canga.

Quem vê “a lua se banhando nas águas sujas do Poço dos Homens”, começa a recordar... Recordar... Também nasci na Rua do Sebo. Também sei contar histórias do meu povo. Por favor, cruze as pernas nessa esteira-de-caboclo.   O Autor.

PRIMEIRO LIVRO E ROMANCE (AUTOR)

 


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domingo, 20 de junho de 2021

 

INVERNO

Clerisvaldo B. Chagas, 21 de junho de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.558

 

Finalmente chegou o inverno para a nossa região. Após um outono rico intercalando sol e chuva, a estação das águas encorpadas anuncia boas esperanças para o sertanejo. Mesmo em tempo de pandemia, o povo vai engrossando as feiras e, os produtos ainda frescos vindos do campo, fazem sucesso na cidade. Não deixamos, porém, de destacar o milho, muito procurado neste mês de junho e que não deve faltar nem na tapera do pobre nem na mansão do rico. O milho é uma unanimidade nordestina e o seu gosto se derrama por humanos e animais. Isso nos faz lembrar a saudosa “irmã” holandesa Letícia (Colégio Sagrada Família) bebendo café sem açúcar e dizendo que na Holanda o milho é somente para ração animal. E ela mesmo comprovava as delícias eleboradas com o produto.

O mato verde, os matizes da tela da Natura, o cheiro gostoso do mato, a chuva cortando devagar à noite inteira e o orvalho estilizado das manhãs são bênçãos divinais que grudam na alma sertaneja. À noite, a frieza aperta pelos lugares de altitude, o camponês cerra às portas logo cedo e fica a escutar tomando seu café quente, os ruídos das aves que povoam às trevas, o soprar do vento gelado nas árvores da redondeza. O cachorro dorme encolhido, o gato procura à beira do fogão, a cabocla sertaneja esquenta a cama e o dono da casa procura o calor abençoado da costela. No aproximar do arrebol, o galo pula para a estaca mais grossa, estica o pescoço e abre a garganta anunciando a dia. O cheiroso cuscuz fumega à mesa e o aroma do café coado desperta os arredores.

Ontem à noite, último dia de outono, foi dia chuvoso e devagar, porém, ao anoitecer, o tempo lembrou-se de caprichar na entrega da próxima estação. Um pé-d’água daqueles gigantes fez rios nas biqueiras, nos telhados, nas sarjetas das ruas de Santana do Ipanema, no Médio Sertão Alagoano. Provavelmente o benefício divino deve ter atingidos o geral da região. Lá dentro das 20.30 horas, a faca enorme do tempo cortou a chuva de vez e um silêncio molhado invadiu o mundo. “Preste atenção, compadre, que o tempo não está de confiança”.  E olhe que ainda faltam a roqueira de São João e o olear da chave titã de São Pedro, o porteiro do céu.

Um cafezinho vai bem, não é, minha amiga.

Fartura no Sertão e Deus nos comando.

 


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