quarta-feira, 30 de junho de 2010

LUXO NO LIXO

LUXO NO LIXO
(Clerisvaldo B. Chagas. 1.7.2010)
Para Ana Helena, pelo que o nosso pai nos ensinou

O homem sempre gostou de dinheiro e foi aperfeiçoando os métodos de ganhá-lo e guardá-lo. Muitas histórias de piratas em livros e filmes vão mostrando como os assaltantes dos mares faziam para esconder as arcas valiosas em ilhas desertas. Desde os tempos mais remotos os bandos interessavam-se pelos ataques, pilhagens e divisões dos botins. Na Idade Média, contemplamos pessoas do povo escondendo moedas em ocos de árvores, restos de cinzas, pilhas de lenha e em buracos no chão. Os cuidados normais com parcos recursos ou com os lucros de ambições desmedidas, sempre preocuparam o homem no sentido de proteger eficazmente os seus bens. Até bem pouco tempo passado, não havia bancos no Sertão. Cada indivíduo usava o cérebro para se livrar dos predadores de moedas e cédulas. Um rico fazendeiro em Monteirópolis, por exemplo, logo ao vender uma boiada, jogou os pacotes embrulhados em papel jornal, sobre o guarda-roupa. A esposa o advertiu alegando que o melhor lugar para esconder dinheiro era sob o colchão. O homem disse que sabia o que estava fazendo. Durante a noite, os bandidos vieram buscar o dinheiro da boiada, mas o fazendeiro falou que foi vendendo os bois e pagando a quem devia, nada restava. Os cabras mexeram debaixo dos colchões e em outros prováveis lugares, desistiram e foram embora. Segundo Silvio Bulhões, o filho de Corisco, o povo falava que sob o tamarindeiro da casa do Padre Bulhões, em Santana do Ipanema, havia uma botija. A casa desapareceu, o pé de tamarindo continua lá, mas ninguém soube se algum sortudo conseguiu a façanha de encontrar essa botija.
No período dos grandes boiadeiros em Santana, Lucas, Pompeu, Arnóbio, Enéas e outros, Pompeu era mestre em transportar os cobres. Dizia ele que, quando recebia os maços de dinheiro, jogava-os dentro de uma bolsa velha de palha, tipo “perdoe”, soltava uma gargalhada bem gostosa e desaparecia no meio do mundo. Quem iria suspeitar de um quase esmoler! Certa feita o comerciante Lourival juntou o apurado e o jogou à lixeira. Qual o assaltante que espiaria uma lata de lixo? Acontece que, momentaneamente, esquecera o ato. Os garis passaram recolhendo o lixo do comércio e foram embora. Ao lembrar a lixeira, o comerciante correu a indagar aos funcionários da prefeitura, e nada. Já diziam, comadre, que dinheiro não fala. Naquela noite alguém deve não ter dormido de tanta felicidade.
É muito difícil separar o Ter do Ser. Como ficavam admirados os índios das Américas quando os brancos europeus falavam em acúmulo de riquezas. Eles não entendiam esse procedimento inútil dos civilizados. Mas existe religião que se baseia nos metais como sinal certo de vida eterna. E quando se pensa demasiadamente no Ter, caem verticalmente às boas qualidades do homem. A ganância leva o indivíduo a praticar os mais repugnantes atos sociais, muitos deles amplamente divulgados pela mídia. Mas, misturando Moral e Economia, continuam as jornadas humanas no fio de dois mundos inseparáveis. Enquanto uns, apostando nos juros fáceis, aplicam em bancos os desatinos, outros jogam as riquíssimas virtudes na lata, esvaziando o coração, provocando o que não serve para ninguém: um LUXO NO LIXO.


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terça-feira, 29 de junho de 2010

MANÉ-GOSTOSO

MANÉ-GOSTOSO
(Clerisvaldo B. Chagas. 30.6.2010)
O talento para as artes está espalhado por todos os quadrantes do mundo. Atualmente os produtos estão sendo valorizados, desde os mais simples aos mais complexos. Graças às escolas, organizações comunitárias e as orientações de algumas entidades, o artesanato vai sendo aceito e proporcionando renda extra para grande número de famílias. Lembramos dos produtos artesanais da área de brinquedos que circulavam nas feiras e ruas do interior na segunda metade do século XX. Para as meninas, as bonecas de pano sempre fizeram sucesso, mesmo sem os pés. Talvez fosse somente falta de orientação nesse detalhe, mas não havia quem pudesse exercer esse papel. Entre tantas peças do artesanato de brinquedos, destacavam-se também o carro-de-ladeira, o aviãozinho de vara e o Mané-gostoso. O carro-de-ladeira tinha apenas o lugar do motorista e geralmente imitava o caminhão. A meninada empurrava o carro até o topo do declive e, dali em diante era com o condutor. O aviãozinho tinha o formato de uma aeronave e era empurrado por uma vara fixa. Quando as duas rodas se moviam, as hélices entravam em ação. Tudo de madeira pintada. O Mané-gostoso, por sua vez, era formado por duas hastes também de madeira pintada, um barbante ligando as duas na parte superior e um boneco pendurado no barbante, com as mãos. A criança apertava com os dedos a parte inferior das hastes e comandava o boneco. Mané-gostoso obedecia imediatamente o seu comando. “Fique em pé, Mané-gostoso!” “Bote as pernas para cima, Mané!” “Rode no barbante, Mané-gostoso!” E o Mané-gostoso virava escravo das ordens imperativas.
Tempos depois, fomos vendo os mesmos brinquedos, frutos dos artesãos desconhecidos do interior, transformados em produtos industrializados. Pobre tempo em que o artista não registrava o invento, fruto exclusivo da sua imaginação. Assim as grandes fábricas vão faturando em cima dos brinquedos rudes e atrativos da nossa juventude. E a sociedade vai sendo guiada conforme diziam os antigos: “o mundo é dos mais espertos”.
A vida da gente é uma guerra constante contra as adversidades. E nessas batalhas sem quartel, vão se acumulando experiências e também observações que nos encantam ou decepcionam no decorrer da caminhada. É bom saber que existem pessoas competentes, sérias e servidoras. Pessoas que trabalham respeitando seus semelhantes, dignificando seus atos, honrando a profissão e a família. Não precisamos citar nomes de personagens famosas porque estamos cercados de gente simples que possui essas qualidades. Mas também cruzam em nossos caminhos figuras que apenas nos ajudam a purgar os pecados de vidas passadas. Entre os vários tipos diferentes de indivíduos, existem os que não querem mudar, não procuram melhora interior, não possuem autocríticas. As luzes dos seus espelhos só refletem imagens distorcidas do equilíbrio, da honra, da dignidade. Ninguém é perfeito, mas que decepção, escárnio e dó em torno dos que insistem em imitar MANÉ-GOSTOSO.




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