quarta-feira, 6 de novembro de 2024

 

RABO A NAMBU

Clerisvaldo B. Chagas 7 de novembro de 2024

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 3.144

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Não senhor, meu amigo, não havia entrega de papel impresso para fazer prova. Não existia isso, ainda. Quando era tempo de prestar exame, nós, alunos do Ginásio Santana, tínhamos que comprar uma folha de papel pautado com duas páginas compridas, verticais.  Muitos professores faziam dessas folhas um verdadeiro jornal. Já o professor Alberto Nepomuceno Agra – meu maior mestre da Geografia – era comedido. Apesar de dois meses de aula para a época de exame, tinha o costume de fazer apenas cinco perguntas nas suas provas. E todas às vezes nos dava uma lição de economia, cortando ao meio a folha dupla e dizendo que guardasse a outra metade que não precisaria agora. E se quer saber, comprávamos o papel pautado no Comércio central ou em algumas bodegas.

Perto do Ginásio Santana, havia a bodega de “Seu Oseas” onde comprávamos o papel de provas, mas que também vendia outras coisas como “puxa”, um troço doce, comprido igual macarrão, enrolada em papel manteiga. Grudava nos dentes, mas a gente comia. Seu Oseas, tinha a marca de uma lua em quarto-crescente, na face. Para nós, garotos da época era muito gente boa! Quanto à   folha dupla do papel de prova, tinha a vantagem de durante os apertos de matérias difíceis, usarmos “filas” ou “pescas” no meio das duas bandas. Mas...  Aqui acolá, um colega era flagrado tentando burlar o professor. E aqui, amigo, paro para soltar uma gargalhada: Seu Oseas nada tinha a ver com isso. Somente sentimos essa situação mudar, a partir do Instituto Sagrada Família com o sistema de estêncil.

Apesar da situação da época, a folha de papel pautado incentivava você a estudar visando preenchê-la toda com seu conhecimento e, consequentemente ser bem recompensado. Entretanto, a facilidade que a prova impressa atual oferece, como perda de tempo, clareza e limpeza no papel, não traz vantagem alguma para quem não estuda, pois este se vê de repente com uma cuca” limpa diante de uma prova limpa. E voltando ao caso de “pescar, “filar” ou outro termo mais atualizado, teríamos alguns casos interessantes a relatar como comédia no flagra, porém, personagens mais velhos rancorosos gratuitos podem não gostar em estrilos belicosos. É melhor não dá rabo a nambu.

GINÁSIO SANTANA em 1950. (FOTO: FOMÍNIO PÚBLICO/ ARQUIVO DO AUTOR/LIVRO 230).

 

  

 

                                    


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terça-feira, 5 de novembro de 2024

 

SURPRESA DOIDA

Clerisvaldo B. Chagas, 6 de novembro de 2024

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica; 3.143



 

Como observador da Natureza, quase caio de costas ao abrir a porta da rua, ontem pela manhã. O Sol já estava alto e pude comtemplar no pé de pau-brasil da casa vizinha, três pássaros típicos da minha adolescência. São muitas dezenas de anos que não me deparava com um bicho daquele. E com desmatamento contínuo do Sertão, já apareceram na minha rua, bem-te-vis, rolinhas-brancas, rolinhas caldo-de-feijão... todos esses pássaros fugindo do desmatamento e encontrando restos de comidas nas ruas e nos lixos da cidade. Ainda não tinha visto de perto os três anus-pretos que pulavam da árvore para o chão e vice-versa. Passado o susto da grande surpresa, vi-me novamente rapaz pelas capoeiras, pela caatinga, pelos quintais longos repletos de pássaros e, entre eles, o anu-preto.

Quando em nossas caçadas de peteca (estilingue, baladeira) já sabíamos que dois passarinhos são muito difíceis de matar: o Zé Neguinho e o anu. O Zé Neguinho, pequeno e preto parece debochar do caçador a cada tiro disparado, pula para cima e para baixo na cabeça da estaca e grita como quem está lhe dizendo: “Atire mais seu bestão”. Já o anu-preto não se move tanto, mas é muito difícil acertá-lo. Daí vai que no Sertão alagoano existe um ditado que diz: “Quem tem pólvora pouca, não atira em anu”. Uma grande reflexão para a vida. E diante de tantas coisas passadas, é interessante como voltam à memória diante de uma cena como a que me deparei. Sim, que a minha casa está situada a cem metros do rio Ipanema, cujo leito seco é um jardim, porém, de todo jeito é surpreendente.

Podemos dizer que a presença dos pássaros em nossas vidas urbanas é verdadeiro colírio e não deixa de ser. Mas, por outro lado, quando se pensa no desaparecimento das matas, também aperta o coração, pincipalmente dos que provaram das suas delícias na juventude. O problema é que as árvores das ruas, no geral, não são frutíferas; o que faz com que a passarada vinda dos sítios rurais procurem o lixo e as migalhas das ruas ou os quintais que oferecem frutas variadas. Os ninhos e ovos dessas criaturas divinais estão ficando cada vez mais fácil de encontrá-los na arborização das avenidas e nos pátios das escolas. Os passarinhos perderam o medo dos transeuntes e do barulho das máquinas que diariamente cruzam as vias. Esqueci de dizer: no Sertão não se come anu-preto, consumidor de carrapato.

E você o que acha?


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