LAMPIÃO FILOSOFA EM CUSTÓDIA Clerisvaldo B. Chagas, 13 de junho de 2011           Entre a crueldade do punhal e a inteligência do chapéu, ...

LAMPIÃO FILOSOFA EM CUSTÓDIA

LAMPIÃO FILOSOFA EM CUSTÓDIA
Clerisvaldo B. Chagas, 13 de junho de 2011

          Entre a crueldade do punhal e a inteligência do chapéu, Seguia Virgulino Ferreira da Silva, assombrando os sertões de Pernambuco, Paraíba e Alagoas, até 1925, quando resolveu ampliar sua faixa de atuação. Foram anexados ao cangaço lampionesco, a partir de 1927, mais o Rio Grande do Norte, Ceará, Bahia e Sergipe. Afora os dotes militares, são incluídos os pendores listados por vários especialistas do cangaço, como os de parteiro, artesão, vaqueiro, almocreve, poeta e outros mais. No meio da sua parafernália, compartimentam-se suas “tiradas” filosóficas em diversas ocasiões, que soavam como uma espécie de sentença. Para um homem da roça que viveu toda a sua vida no meio rural, nos lugares mais esquisitos, aprendeu bastante com a sabedoria sertaneja, acrescentando da própria lavra essas tiradas ocasionais que se assemelham aos chistes característicos da região de São José do Egito, em Pernambuco. Mas suas tiradas eram sérias e decisivas, algumas delas captadas pela nossa coleção. Como exemplo, ele dizia, no caso de surgir várias soluções para um mesmo problema: “Homem, plano é o primeiro”.
          De 1922 a 1925 atuando maciçamente nas fronteiras dos três primeiros estados, Lampião satanizava os sertões como terrível pé de vento. Era difícil de entender, então, porque ele entrara em Custódia, na época, vila da atual Sertânia, “amando e querendo bem” como costumava dizer. Em 11 de fevereiro de 1925, entrou na vila logo cedo e ficou aguardando que o povo acordasse, que as casas se abrissem. Estava com ele, entre outros, Mata Redonda, Fato de Cobra, Chá Preto, Chumbinho, Sabino, Sabiá e Jurema. Comeu, comprou, mandou fazer roupa, curativos em feridos, palestrou à vontade, não mexeu com ninguém. Ali gozou de um oásis temporário. Depois até Custódia entrou para o musical do cangaço com essa e outras quadrinhas, tudo indica, confeccionada dentro do bando:

“As moças de Custódia
  São feias, mas têm ação
        Guardam queijo e rapadura
    Pra o bornal de Lampião”

          Em Custódia, Lampião ainda foi à casa de um cidadão, sentou tranquilamente em sua calçada e falou para ele: “Você não disse que se eu entrasse aqui seria morto?” E diante do aperreio do morador, complementou na sua paz: “Deixe de besteira, homem, olhe eu aqui”. E não saiu sequer um cascudo.
          Resolvendo enviar correspondência ao governo estadual dizendo coisas que por certo não agradaram ao destinatário, assim procedeu. Dizem que foi a única coisa que não pagou na vila de Custódia, filosofando após o ato, mais ou menos com essas palavras: “Isso aqui é do governo, por isso não vou pagar. Se eu pagasse estaria roubando a mim mesmo”.
          Não sabemos se o bandoleiro soltou beijinhos, beijinhos na despedida, mas que ficou na história, ficou. Ainda hoje LAMPIÃO FILOSOFA EM CUSTÓDIA.


SÓ VAI ACOCHANDO TUDO Clerisvaldo B. Chagas, 10 de junho 2011           Todas as grandes obras do Sertão deram trabalho. Trabalho de dezen...

SÓ VAI ACOCHANDO TUDO

SÓ VAI ACOCHANDO TUDO
Clerisvaldo B. Chagas, 10 de junho 2011

          Todas as grandes obras do Sertão deram trabalho. Trabalho de dezenas e dezenas de anos de reivindicações, lutas, protestos, zoadas. Hospitais, rodagens, asfaltos, pontes, delegacias, terminais rodoviários, escolas, repartições públicas, cursos superiores, açudes e tantas outras coisas fizeram o sertanejo perder o sono e afiar a goela. Na minha existência ainda não vi governo bonzinho para o Sertão. Tudo é como foi dito acima, inclusive água e luz.
          Quem já teve oportunidade de viajar pela BR-316, de Palmeira dos Índios em direção a Inajá, em Pernambuco, fica encantado com o chamado retão que corta o peneplano sertanejo. É quando o motorista diz que de Palmeira dos índios a Inajá você roda sem mudar a marcha. Quando as estradas de barro eram bem conservadas, tive oportunidade de fazer essa viagem de Santana do Ipanema a Inajá numa carreira só como se fala por aqui. Estradona larga, bem conservada que ─ usando outra expressão popular ─ parecia um prato. Na época, o verdume da caatinga e o cheiro inebriante do mato, deixavam no viajante uma sensação enorme de bem-estar. Ao longe, o morro do Carié, em forma de lagarta, destacava-se no raso de caatinga servindo de importantíssimo ponto de referência. É o entroncamento mais importante do Nordeste, diziam. Dali pode ser usada a rosa dos ventos para Maceió, Paulo Afonso, Garanhuns e suas respectivas capitais. Continuando a reta a partir do Carié, íamos passar dentro de Canapi e depois no acesso a Mata Grande até chegar ao estado de Pernambuco. O resultado é que o asfalto rodeou o Carié, (na época com apenas um casa e um hotel) distrito agora que congrega centenas de moradores, mas a parte oeste continua no barro. A estrada foi sendo desprezada e atualmente o trecho Carié fronteira com Pernambuco é um tormento físico e paraíso de assaltantes.
          Esse protesto no entroncamento causou um imenso transtorno. Mas quem luta há quase cinquenta anos pelo asfalto, sabe que se não fizer assim, não sai nunca. É incalculável o prejuízo daquela região pela falta de benefícios nas cidades e no campo, durante essas cinco décadas. Parabéns pela coragem nas batalhas duras que enfrentam, cidades de Canapi, Inhapi, Mata Grande, Água Branca e o distrito Carié, juntamente com outros municípios pernambucanos na ponta da linha. Se ainda fosse vivo talvez assim cantasse, o saudoso repentista santanense, Zezinho da Divisão, com seu mote preferido:

 Se você quer ser ouvido
Grite que só condenado
      Por que um grito bem dado
           Dói nas oiças do bandido        
Se você for atrevido
Passe por cima de tudo
Pois só assim o buchudo
De longe lhe compreende
Gritando ao corno ele atende
SÓ VAI ACOCHANDO TUDO

TRÊS ERROS DE UMA VEZ Clerisvaldo B. Chagas, 9 de junho de 2011           Têm coisas que não se pode evitar quando elas acontecem em um s...

TRÊS ERROS DE UMA VEZ

TRÊS ERROS DE UMA VEZ

Clerisvaldo B. Chagas, 9 de junho de 2011

          Têm coisas que não se pode evitar quando elas acontecem em um só dia. Estamos falando sobre, Ronaldo “Fenômeno” e o jogo da seleção brasileira de futebol. No caso Ronaldo, atrelado à seleção; sobre Antonio Palocci, na parte política do país. Os jornais noticiosos bem que fizeram tremendo esforço para coordenar as notícias mais quentes entre a festa mundial do “Fenômeno”, a queda do poderoso ministro e o jogo da noite. Foi aí que lembramos novamente à cantoria em que um dos repentistas concluía a estrofe em sextilha quando chegava à festa um grupo de pessoas: “E logo a trinca chegaram”. Ao que o outro cantador mais letrado, logo indagou:

           “Dizer a trinca chegaram
   É erro de Português
            Mesmo só se fala “trinca”
   Se o grupo for de três
   Donde vem esse poeta
           Com dois erros duma vez?”

          Pois as três coisas importantes vindas num dia só deve ter dado trabalho sim. A renúncia do ministro pode ter sido jogada propositadamente para o dia em que o povo brasileiro estivesse voltado para o jogo da seleção e a despedida de Ronaldo. Faz parte dos caciques divulgarem péssimas notícias de várias origens, em vésperas de feriados, dias santos e finais de semanas, para amaciar o impacto. A seleção brasileira de futebol, novamente não convenceu. Comparamos o aglomerado de bons jogadores, com os times improvisados que fazíamos nas areias finas ou grossas do rio Ipanema. Faz-se o amontoado e coloca-se para jogar. Sempre foi assim. Cada jogo, personagens diferentes sem o tempo necessário para treinamento. Não dizemos um “pega na rua” por que ali estavam realmente os melhores, indiscutivelmente. Mas o nervosismo ou a falta de concentra-ção dos atacantes levavam o caso para a arquibancada insatisfeita com tudo que estava acontecendo, inclusive a repetição do jogo anterior. Uma droga! O erro geral da seleção, principalmente nos chutes dados em cima dos defensores como se eles fossem invisíveis, não deixavam o óbvio, a bola passar. Daí se dizer, falta de concentração ou nervosismo. Se a seleção errava, o fenômeno errava também. Esse é perdoável. Estava na sua festa de despedida na luta desesperada contra o excesso de peso e não tinha mesmo a mobilidade ideal das gingas que deram tantas alegrias ao Brasil. Seus combates agora, fora dos gramados, serão com a gordura que teima em não ir embora.
          Quanto ao que houve de fato com Antonio Palocci, apesar de líder carismático, ainda precisa ser esclarecido ao povo brasileiro. E se foi um erro do ministro não terá sido um errinho qualquer, mas um errão do tamanho do número vinte. Os erros de Ronaldo não diminuíram seus méritos. Os erros da seleção receberam as vaias da torcida. E os erros de Palocci deixaram perplexos os seus admiradores. Sabiamente o povo sertanejo fala: “Nada como um dia atrás do outro e uma noite no meio”. Ê meu cantador, de onde vem essa terça-feira, com TRÊS ERROS DE UMA VEZ?