O DIA DA ENTREGA Clerisvaldo B. Chagas, 1º de julho de 2011 . Mesmo com o escuro os pardais iniciam a orquestra da madrugada sem ligaçã...

O DIA DA ENTREGA

O DIA DA ENTREGA
Clerisvaldo B. Chagas, 1º de julho de 2011.



Mesmo com o escuro os pardais iniciam a orquestra da madrugada sem ligação aparente com a falta de energia, às duas e meia, ainda da festa de São Pedro. Julho amanhece nublado com aquela frieza dos antigos invernos sertanejos. E assim ─ na linguagem singela da roça ─ o bastão do mês é passado em alto estilo invernoso de festas, diversões e fartura. Um período de chuvas regulares permitiu um ano rico em precipitação generosa, de sementes na hora certa, de boa circulação do real pelos prados, povoados e cidades. Os campos tornaram-se, cheirosos, atraentes. Encheram-se os barreiros, vigoraram-se os pastos, arredondaram-se os animais. Nos partidos de catingueiras as abelhas zumbem e enriquecem o mel. Os pássaros alegram-se na louvação ao Sol que rompe a neblina da aurora. Cantam as águas serenas dos tortuosos riachos no doce encanto do inverno nordestino.
        A raposa dormita na toca do pedregulho. Pula o preá “lampreiro” no lajeado farejando o mundo. Sacode as asas o gavião-carijó. Estica o canto mensageiro o galo velho da fazenda na cabeça da estaca. Bichos peçonhentos enroscam-se nos esconderijos sem gosto pela frieza. O sereno matutino derrete o barro da tapera do caboclo pobre. Pelos lajeiros esbranquiçados, fios d’água prateiam a face molhada, jardim suspenso da coroa-de-frade, urtiga peluda, macambira de flecha. No meio do roçado afia o bico o carcará nos galhos da aroeira morta. E o céu leitoso, infinito, gelado, sente frio e chama o mês de julho.
       Na cidade os pardais insistem nos anteparos dos sobrados; no campo aberto a fauna se retrai. Banham-se as folhas com o transparente orvalho, enquanto as pontas dos galhos enegrecidos balançam a friagem que se impõe. E no chão rendado, o doce ruído das gotas serenadas fazem minúsculas barrocas na areia fina. Lá na forquilha da baraúna, a casinha do joão-de-barro continua virada para o poente.
       É nessa sabedoria multiforme que Senhora Santa Ana recebe o mês de julho, o mês da magia sertaneja. Que os ventos julianos tragam bons fluidos quando junho traz o seu irmão para O DIA DA ENTREGA.

O PAU COMEU Clerisvaldo B. Chagas, 30 de junho de 2011. Quem diria! A velha Grécia de tantos filósofos importantes e memoráveis batal...

O PAU COMEU

O PAU COMEU
Clerisvaldo B. Chagas, 30 de junho de 2011.


Quem diria! A velha Grécia de tantos filósofos importantes e memoráveis batalhas militares, numa situação vexatória medonha! O grande combate de Maratona do passado atualiza-se perigosamente nas ruas de Atenas. Penando para pagar suas dívidas e honrar compromissos, o país grego caiu naquela situação antiga do Brasil em que o FMI ditou as mesmas regras de aperto. Sem poder pagar as suas contas (coisa que pode acontecer a qualquer cidadão de bem que deve, quer pagar e não consegue. Profundamente humilhado, é visto com desconfiança pelo credor) a Grécia submete-se ao sacrifício. Para receber dinheiro emprestado e liquidar seus débitos, terá que fazer uma grande maldade com seu povo, notadamente os pequenos. Demitir milhares de pais de família e cortar inúmeras despesas sociais que já eram conquistas dos seus trabalhadores. Lembram quando vivíamos no Brasil do salário congelado, das demissões em massa, das privatizações... Como sofreu o povo brasileiro! O mesmo remédio é imposto pelo FMI, à Grécia de Sócrates e do premiê Georges Papandreau. A Grécia nunca foi rica, porém assim é demais.

“Em meio a um dos dias mais conturbados desde o início da crise, o Parlamento da Grécia aprovou nesta quarta-feira um novo plano de austeridade que prevê uma economia de até € 28 bilhões (R$ 63 bilhões) aos cofres públicos por meio de cortes de gastos e aumento de impostos até 2015. Nas ruas, milhares de jovens atearam fogo a prédios públicos em violentos protestos que levaram quase 200 a hospitais da capital”. Claro que população ficou insatisfeita, estupefata, abobalhada diante da UE da qual a Grécia faz parte como primo pobre. Por isso os manifestantes foram às ruas praticando vandalismo, enfrentando policiais, numa claríssima revolta contra tudo. Impressionantes são as imagens que percorrem o mundo, fazendo até esquecer os ataques à Líbia e o horror escalonado do Iêmen. Mesmo os bombeiros disseram que não poderiam conter fogos espalhados por causa da violência. Pelo que se houve na revolta popular, a marcha da ferocidade procura comprimir o governo de tal forma que uma renúncia parece ser o objetivo da turba perigosa. Enquanto isso, a oposição questiona as medidas do governo e suas consequências.

Quando olhamos de longe, o mar é belo e azul. E em nossa equivocada avaliação caeté, pensamos que no mundo civilizado da Europa tudo é esplendor. Mas a aproximação das lentes sobre as águas mostra quão poluída são as massas que enganam. E na vez do acocho do cinto econômico, vão pulando as mazelas de dentro dos buracos à semelhança de ratos no porão. Está aí na Europa a repetição inglória dos antigos problemas da América Latina espoliada. Vamos seguindo, atenciosos, a mais essa provação do povo grego, os construtores de navios da mais saudável dieta do Mediterrâneo. E sem saber dizer de outra maneira, vem à frase por excelência do Sertão. Foi verdade, sim senhor ─ da Grécia só escapou a “cueca Zorba” ─ o resto O PAU COMEU.


A ESTRELA DE MANÉ GUARDA Clerisvaldo B. Chagas, 29 de junho de 2011.   Não sabemos se algum dirigente do Brasil andou consultando os búzios...

A ESTRELA DE MANÉ GUARDA

A ESTRELA DE MANÉ GUARDA
Clerisvaldo B. Chagas, 29 de junho de 2011.

 Não sabemos se algum dirigente do Brasil andou consultando os búzios, cartas, runas ou coisas semelhantes a respeito do futuro pátrio. É sempre bom um trabalho duro, digno, decente, mas com muita esperança no resultado do labor. Nem todos nasceram para chegar à riqueza, até por que os mistérios divinos não permitem ainda que todos estejam nivelados por cima. Mas se não estamos nivelados por cima, também não estamos nivelados por baixo. E como temos um futuro sempre encoberto pelo nevoeiro da eternidade, é de bom alvitre conservar pelo menos uma dose de otimismo para alimentar o dia a dia. Gosto de ser simples nos escritos, mas sempre respeitar a nobreza da linguagem. Os textos imundos, chulos, que sempre chamam a atenção para o rejeito, retiram de nós até a simpatia que temos pelo escrevente. Isso também me faz lembrar certo humorista falecido cuja linha de trabalho era toda baseada nas imundícies do dia a dia. Sempre o evitei, pois náuseas me causavam a sua simples aparição. Conheço no Brasil pessoas talentosas que escrevem sempre para sites, porém, a linguagem constante sobre porcarias, tornam esses escritos penicos de hotel. E quem lida com excrementos todos os dias, não pode cheirar a sândalo. Premido, porém, pelo assunto de hoje, sou obrigado a utilizar esse expediente como arma necessária.
            Em nossa trajetória encontramos pessoas que não param de reclamar da vida. Algumas até com sucessivos “nomes” e palavrões que por isso até se tornaram conhecidas. Entre os inconformados com a existência estava o senhor Mané Guarda, um cidadão pobre de fala grossa, arranhada e devagar, prestador de serviço em Santana do Ipanema. Uma pessoa popular e querida por todos, apesar do seu constante mau humor. Certa feita, quando houve um comentário sobre o sucesso de um artista, Mané Guarda, foi enfático: “Todo mundo nasce com uma estrela na testa; a minha nasceu no c.... No primeiro p... que eu dei, ela voou na casa da peste!”
             “A PETROBRÁS anunciou nesta terça-feira sua ‘principal’ descoberta no pré-sal da Bacia de Campos. Segundo a companhia, foram encontrados ‘dois níveis de petróleo’ de boa qualidade no poço exploratório informalmente conhecido como Gávea”.
             Para os que afirmam que Deus é mesmo brasileiro, a razão parece sorrir a essa afirmativa. Enquanto estávamos pobres, o “mundo” estava rico.  O denodo, o otimismo, o trabalho constante do nosso povo, parecia clamar aos céus a nossa desdita no globo dividido. A descoberta de um oceano de petróleo foi como um prêmio total da loteria para um miserável. E o interessante é que essa dádiva nos foi ofertada no momento em que o nosso país havia se organizado completamente para poder ir ao crescimento. É como se após a higienização vestíssemos a melhor roupa para receber um presente há tempo sonhado. Depois de assombrarmos o mundo com a nova descoberta, eis que a PETROBRÁS continua descobrindo mares periféricos sobre o grande oceano do óleo. Quando Deus quer, modifica tanto o indivíduo, de repente, quanto um país grande ou pequeno, para transformá-lo num grande país. O mundo agora está mais pobre e o brasileiro mais rico. Pelo jeito, tanto sacrifício compensou. A estrela do Brasil, felizmente, não nasceu no lugar da ESTRELA DE MANÉ GUARDA.