FUMO NO CACHIMBO
(Clerisvaldo B. Chagas-28.6.2008)
No início da minha adolescência havia uma grande variedade de pássaros na região. Como exemplos, rolinhas (branca, azul, caldo-de-feijão, fogo-pagou), galo-de-campina, zé-neguinho, soldadinho, caga-sebo, lavandeira, shofreu, azulão, anum (preto e branco), garrincha, beija-flor, sabiá, canário, coleira, papa-capim, bem-te-vi, cancão, ferreiro e muitos outros que faziam parte da vegetação de caatinga. Sobre a lavandeira e o colibri, dizia a lenda que foram eles quem lavaram os paninhos ensangüentados de Nosso Senhor. Ninguém matava lavandeira, poucos atiravam em colibris. Dizia outra lenda que enquanto a Sagrada Família escapava para o Egito, o bem-te-vi anunciava a passagem para os perseguidores com o seu canto: “bem que vi”. Nas matas nativas de Santana do Ipanema, Sertão de Alagoas, também habitavam aves como a codorniz, o nambu pé-roxo e o nambu-pé.
Afirmavam os caçadores de aves que para se obter sucesso na caçada, a pessoa teria que agradar logo a caapora, conhecida no semi-árido como caipora. Segundo eles, a caipora era o espírito que tomava conta das caças. Ao entrar na caatinga fechada, o caçador teria que deixar nas primeiras árvores um bocado de sal e fumo, este para o cachimbo da caipora que muito fumava. Depois da oferenda, o interessado fazia os seus pedidos e adentrava a mata. Se estivesse usando cachorro, este também como seu dono, estaria protegido. Caso esse ritual não fosse realizado, a caipora esconderia todas as caças e aplicaria surra terrível no cachorro que sairia ganindo pela mata.
Entre os caçadores famosos da época, década de 50, estava o Mário, profissional tão eficiente que recebera o apelido de Mário Nambu. No dia que resolvia ir à mata, Mário perguntava logo quantos nambus o cliente queria. Perguntou isso muitas vezes ao meu pai. Voltava sempre com a quantidade de aves selvagens encomendadas. Não sabemos, entretanto, se o Mário usava o ritual da caipora. Além disso, o caçador, devido a sua bela voz rouca, era um dos seresteiros preferidos para cantar músicas do cantor nacional Augusto Calheiros.
Há alguns anos um assessor de prefeito santanense revelava que o prefeito estivera em Brasília em busca de verbas. Perguntaram se o homem tinha projeto. Disseram que ele levaria verbas para o que quisesse levar, desde que tivesse projeto. Ao alegrar-se diante de tão boa perspectiva, um dos lobistas acrescentou: desde que você deixe tantos por cento para nós. Uma percentagem elevadíssima. O prefeito, surpreendido com o método morte aos iniciantes, voltou a Santana sem o dinheiro.
Não é fácil lutar contra os corruptos de Brasília. Assim como nas caçadas dos anos 50, é preciso conquistar a caipora. Colocar muito sal e fumo no cachimbo dos chaveiros brasilienses. Se levar cachorro, pior.
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