domingo, 22 de agosto de 2021

 

ERA ELE, JESUS

Clerisvaldo B. Chagas, 23 de agosto de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

“Crônica”: – Conto: 2.575


Conduzia um cordeirinho doente na sela quando passei pela região do Gólgota. Já era tardinha e o tempo ficara negro como a noite. Ao avistar a silhueta de um crucificado no monte Calvário, dei rédeas soltas ao animal e para lá me dirigi. Diante do homem na cruz, percebendo que ele ainda não morrera fiquei contemplando por certo tempo, aquele rosto sofrido. Quem seria o crucificado? Em certo momento o cavalo espantou-se com o cheiro de um felino, jogou-me ao chão e disparou levando o cordeiro. Senti quebrar uma perna e me arrastei até aos pés da cruz, para tentar avistar o corcel do ponto mais alto. Não o avistei. Senti doer muito a perna. Imobilizado sem saber o que fazer, olhei para o alto. Uma gota de sangue e água caiu sobre minha testa. Senti esquentar o local e veio a vontade de ficar de pé. Levantei-me quase de repente sem mais nada sentir na perna. Coisas estranhas estavam acontecendo comigo.

O cavalo chegou sem que eu percebesse, tão concentrado estava tentando decifrar o momento. Roçando o focinho nas minhas costas, o animal avisava o seu retorno. Estava sem o cordeirinho. Um guarda surgiu cambaleante.  Parecia sonolento. Indaguei quem era o homem da cruz. Ele apenas respondeu com ênfase: “Um homem injustamente condenado. Ele, verdadeiramente, é o filho de Deus”.

Montei e ouvi um balido. O cordeirinho estava se coçando na haste principal da cruz. Coloquei-o na sela e me afastei devagar. Mais adiante, o cordeiro escapou da sela e correu saltitante de volta ao Calvário. Demonstrava que ficara totalmente sadio e não mais queria ser conduzido. Respeitei sua vontade. Voltei a cavalgar. Mais adiante parei a cavalgadura e olhei para trás contemplando longamente a silhueta do homem crucificado. Espontaneamente, um rio de lágrimas inundou por muito tempo a minha face, enquanto meu coração repetia o tempo todo o que afirmara o guarda romano: “Ele, verdadeiramente, é o filho de Deus”.

Prossegui a jornada de volta a casa quando percebi alguma coisa me seguindo. Era um manto arroxeado esvoaçante a cerca de 100 metros de altura. Eu parava, ele parava. Eu prosseguia, ele prosseguia como a me proteger de longe contra todos os perigos que surgissem. Voltei a chorar e dessa vez com muita emoção e afirmando inúmeras vezes para mim mesmo: “Ele é verdadeiramente o filho de Deus. O cordeiro ficara deitado aos pés da cruz... Do outro cordeiro.

 


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