quinta-feira, 16 de maio de 2013

COMO SERÁ AMANHÃ?



COMO SERÁ AMANHÃ
Clerisvaldo B. Chagas, 16 de maio de 2013
Crônica Nº 1018

O trânsito estava uma beleza. Parecia rodízio na cidade, às sete e meia. Ao entrar na repartição, já havia cerca de dez pessoas aguardando o início do expediente. Um sujeito animava os que aguardavam com um discurso em miniatura. Cabelos grisalhos e voz forte, o baixinho não se cansava de falar. Várias pessoas ali estavam em jejum e já enfrentavam a primeira barra do dia com as sucessivas críticas do homem. Todos apenas ouviam. Peguei uma revista e fingi que iria passar à vista, espiando por baixo (que nem porco, como dizia a professora Helena Oliveira). O baixinho não poupava ninguém da política. Entrava num assunto e terminava em outro. “O povo mesmo não gosta de reivindicar. Tá aí faltando tudo no Ipaseal e nada do povo. Aliás, um povo que vota em (e citou três ou quatro políticos famosos do estado) já está dizendo que se vende por vinte reais. Devia haver uma lei para se colocar político para fora. Ô raça ruim da boba! Acabaram com tudo. Todas as nossas tradições os prefeitos destruíram”. E foi relacionando os festejos que alcançara no Bebedouro e no Vergel. Terminou identificando-se como radialista.
Um senhor tentou entrar no discurso, para ajudar à malhação, mas logo recuou porque o baixinho queria exclusividade. Perguntava aos presentes isso ou aquilo, mas para logo em seguida castigar nas palavras. Saiu dizendo que o nosso povo não conhecia nada e botou para fora uma porção de vultos estrangeiros. Os que pretendiam ajudá-lo na conversa radical, recuaram, enquanto outros olhavam apreensivamente para o relógio. Que meia hora comprida! Ao dirigir os olhos para o meu lado, voltei às páginas da revista e ouvi o porteiro anunciar que o elevador estava liberado. Houve um assanhamento geral. Sobe? O baixinho, mesmo assim, saiu procurando quem lhe ouvisse mais ainda, até encontrar um cidadão com a camisa parecida com a do flamengo. Esse teve paciência para escutar a xaropada.
Ontem, foi diferente. Começamos na mesma repartição com um senhor cantarolando velhas melodias de serestas. Hoje foi a crítica abafada para uma plateia bronca. COMO SERÁ AMANHÃ?



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quarta-feira, 15 de maio de 2013

MISTÉRIO



MISTÉRIO
Clerisvaldo B. Chagas, 15 de maio de 2013.
Crônica Nº 1017
(Para o escritor Marcello Fausto)

 
Igrejinha de São Gonçalo. Foto (panoramio.com).
     Sempre encontrei aquela igrejinha fechada. Apesar das visitas constantes dos turistas, à pracinha ao lado, as portas da capela continuavam cerradas. O verde desbotado da madeira parecia ordenar fazer vista grossa para o mirante amigo do mar azul. O enorme e imponente edifício, separado apenas por um salto de rua, funciona como gigante rico, vizinho à simplicidade cristã.  Quem fundou essa igrejinha, hoje cercada pelo moderno que evoluiu? Como um cordeiro deitado na vastidão da planura, a capela quebrou o sono e então pude ver suas portas abertas. Apressei os passos. Por fora não havia informação alguma. Ninguém para me dizer sobre o santo protetor. Contive o ímpeto de adentrar ligeiro, receoso em que as portas fechassem de repente. Deparei-me com belíssima solenidade quando cerca de oito senhoras de idade avançada, oravam educadamente.  Sob o comando da mais idosa, no altar, as outras respondiam ao diálogo formal e cantavam em baixa voz. Benzi-me. Notei a limpeza, santos nos recôncavos, estações de via-sacra, mas nenhum indicativo de identidade. Interromper o ato religioso para saber qual era o santo principal seria estupidez. Recuei para a calçada.  Duas senhoras passavam pelo local e ouviram minha interrogação. Disseram com alegria que “aquela era a igrejinha de São Gonçalo”. Voltei-me satisfeito para a entrada. Dois minutos após, alguém tocou nos meus ombros. Era outra senhora que ia passando e me fez a mesma pergunta. “Acabei de saber que é a igrejinha de São Gonçalo”, respondi com a mesma alegria das mulheres que me informaram. A senhora também saiu rindo, cheia de satisfação. Achei muito interessantes. Todos nós ficamos felizes informando e sendo informados.
Lembrei-me que São Gonçalo era o patrono dos violeiros, ao chegarem dois versos de música sertaneja:

“Ó meu seu Gonçalo
Rei dos violeiros...”

Saí impressionado da Praça Rosalvo, construída em 1940. A humildade e a força hercúlea da igrejinha acompanharam-me Maceió afora. Quanto segredo no modo de viver dos homens! Quanta proteção e sabedoria do Soberano aos seus colossos que se fazem pequeno! Escrevi, capela de São Gonçalo, o que você mandou. MISTÉRIO.

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