domingo, 5 de julho de 2015

OS DENTES E O LADRÃO



OS DENTES E O LADRÃO
Clerisvaldo B. Chagas, 6 de julho de 2015
Crônica Nº 1.443

Foto: (pandeiro/divulgação).
É aquele dia difícil que nos pega de surpresa. Motoristas de buzão permitem a subida de ambulantes para aporrinhar ainda mais o trajeto sofrido dos passageiros. E naquela cantilena toda você deseja mais do que nunca chegar a sua casa. Eis que de repente tem acesso ao interior do coletivo, dois cabrinhas baixos, novos e papudinhos. Trata-se de uma dupla de embolares com pandeiro à mão.  Querem ser rápidos de um ponto de ônibus a outro, elogiando os passageiros em busca de trocados. Enquanto o primeiro fica na marcação (estribilho de uma linha só) o outro repentista vai elevando as qualidades fictícias dos passageiros em ligeiras estrofes de quatro versos (quadrinhas). Uns contribuem, outros não.
A máquina fotográfica vai comigo, mas o enfado não me anima em nada.
O repente do embolador é diferente do repente do violeiro, pois é desleixado na rima, repetitivo e pobre nas terminações. Entretanto, são bons no ritmo e na métrica. O maior valor, contudo, das duas correntes, está na criatividade, no falar diferente, no dizer do que nunca ninguém disse. E foi assim que resolvi deixar de fazer comparações e prestar atenção na criatividade dos papudinhos de Maceió.
O amarelo fazia os elogios, o moreno fazia a marcação:

“Vou contar, vou contar...”

A minha espera teve recompensa. Exaltando um passageiro e outro normalmente, veio à criatividade quando uma senhorita mostrava um aparelho de correção da dentadura. Diante do silêncio total da plateia improvisada, o papudinho amarelo, aguardou o moreno:

“Vou contar, vou contar...”

“Essa mocinha
Que escuta os meus repentes
Mandou amarrar os dentes
Pra o ladrão não carregar...”

Foi uma gargalhada só e geral dentro do coletivo.
Que bela imagem o peste do papudinho foi buscar! E eu que pensei que o povo não entendesse do riscado.
A moça ficou constrangida, não pagou ao poeta, mas também não teve os dentes levados pelo ladrão.





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domingo, 28 de junho de 2015

AINDA PELO SERTÃO ALAGOANO
Clerisvaldo B. Chagas, 10 de junho de 2015
Crônica Nº 1.442

Não só tínhamos ido excursionar em Canapi, Inhapi, Mata Grande, Água Branca e Delmiro Gouveia. Fomos também esbarrar no Sertão do São Francisco, precisamente em Piranhas, antes da construção da hidrelétrica do Xingó, que é um bairro deste município. A intenção de dois casais era degustarmos uma peixada naquela cidade.
Ficamos o dia inteiro quase em lua de mel nas alvas areias da prainha. Naquela época, mesmo ainda sem a hidrelétrica, o peixe já se tornara escasso. Fomos apreciando a “cidade presépio”, título dado por mim ao avistá-la pela primeira vez. O povo tinha um orgulho grande em falar do meu cantor preferido, Altemar Dutra, que sempre ia a Piranhas para descansar e fazer serestas iluminadas pelas luzes dos postes pequenos e os reflexos na próxima superfície do rio.
De Piranhas partiram as três volantes que puseram fim a Lampião e Maria Bonita na madrugada de 28 de julho de 1938. Mas nós, eu, minha esposa Irene; meu compadre, professor Marques (já partiu) e sua esposa Terrana, não tínhamos ido a Piranhas para pesquisar cangaço e volante. Fomos apreciar as belezas da cidade, encravada entre o rio e as escarpas do raso de caatinga. Após a peixada, aguardamos o entardecer conversando nas estreitas calçadas do comércio, até o retorno a Santana do Ipanema.
Nas proximidades de São José da Tapera, pegamos chuva. O carro deu um problema e fomos obrigados a pernoitar naquela simpática cidade. Ficamos em um hotel modesto, limpo e bom. Na cidade estava havendo festa, fomos caminhar pela praça comprida. Os jovens divertiam-se numa noite muito agradável que compensou demais a nossa parada.

Mais uma vez constatamos que uma excursão pelos sertões é tão boa quanto um passeio pelo litoral repleto de praias paradisíacas.

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