domingo, 6 de setembro de 2015

FAZENDO SANTO



FAZENDO SANTO
Clerisvaldo B. Chagas, 7 de setembro de 2015
Crônica Nº 1.484
(Para Goretti Brandão e Roninho)

(capuchinhos.com).
Aproveitando a novela de Roque Santeiro, procurei saber quem fabricava santos, na região. Ao descobrir, fui à casa do homem para convencê-lo a receber uma visita de alunos, com consequência de trabalhos e notas. Sempre levei meus pupilos para inúmeros lugares com a finalidade de despertá-los para a sociedade.
No dia e hora aprazados, chegamos à casa do artesão que, por sinal, ficava na periferia do Colégio. Fomos recebidos com boa vontade, mas com muita modéstia por aquele homem que jamais tinha registrado visita semelhante. A garotada invadiu o seu atelier, que era apenas uma cobertura aberta de telha com chão de barro batido. Alguns instrumentos maiores estavam ali para ajudá-lo, mas nem uma cadeira havia para alguém sentar. Uma pobreza absoluta que fazia pena! Os estudantes viam as coisas e indagavam, entrevistando com educação o exímio santeiro. O homem pobre não se sentia à vontade ─ percebia-se ─, mas procurava responder com paciência e acanhamento as indagações.
Havia em um canto de parede, cerca de trinta ou quarenta santos de madeira, entre trinta e quarenta centímetros de altura, cada. Nunca havíamos visto tanta perfeição em um trabalho daquele que parecia não ter sido feito por mãos humanas. Após a sabatina da turma, foi a minha vez de perguntar o destino da mercadoria. Os santos eram enviados ao Recife, entregues por preço vil e repassados aos estrangeiros por pequenas fortunas pelos atravessadores.
Um homem rude daquele, verdadeiro gênio, deveria ser tratado na sua cidade com honras de prefeito. Ignorado e invisível, o magnífico artesão fabricava santo para o mundo inteiro, enquanto no seu lugar, aparecia menos que mendigo.
Quando vejo grandiosos artistas na minha cidade, escultores, pintores, escritores, sem apoio da venda de uma peça, sem respaldo para publicar um único livro, lembro como a ignorância impera. Isso faz lembrar a declaração do papa dos poetas nordestinos, Severino Pinto da cidade de Monteiro, Paraíba. Elevou o nome de Monteiro para os quatro cantos do mundo e da sua cidade natal nunca recebeu uma homenagem: “Tudo dei a Monteiro, Monteiro nada me deu”.
A cultura no Sertão continua com a mesma qualidade do Santeiro e as infinitas mágoas dos artistas, semelhantes às do repentista Severino.

Link para essa postagem
http://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2015/09/fazendo-santo.html

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

QUEBRANDO AS BARREIRAS



QUEBRANDO AS BARREIRAS
Clerisvaldo B. Chagas, 4 de setembro de 2015
Crônica Nº 1.483

QUEBRA-PEDRA. Foto (clerisvaldo).
Com muita dificuldade vai sendo mantida a tradição ameaçada da medicina popular. Inúmeras rezadeiras, guardiãs das curas das ervas naturais, partiram sem deixar substitutas. Poucas herdaram os conhecimentos de tantos anos acumulados na cabeça dos mais velhos. Nos últimos dias mesmo, notamos pessoas procurando rezador ou rezadeira contra mau olhado. Não encontrando mulheres, por sorte, ainda foram bater à casa de um cidadão que faz bem direitinho esse papel. Enquanto isso o rio Ipanema trecho urbano, é rico em ervas para as mais diferentes doenças. Infelizmente, abandonado pelas autoridades, o rio Ipanema, trecho urbano, passou a ser um lugar muito mais sofrido dos que os falados lixões das capitais.
Dentro de pouco tempo testemunhei à procura de quebra-pedra, para evitar cirurgia dos rins, vesícula e fígado; unha de gato, porca-parida e flor de catenga, tudo abundante no rio seco, em Santana do Ipanema, cada uma com sua função específica de cura. Entre os ingredientes para sanar o problema da asma, está faltando o cardinho que este ano está difícil encontrá-lo no areais do rio.
Muitas dessas ervas já eram usadas pelos indígenas, algumas pelos romanos da Idade Antiga e outras por outros povos da Mesopotâmia, por exemplo. Os laboratórios estão cheios de plantas conhecidas, em estudos no fabrico de medicamentos que irão ocupar as prateleiras das farmácias. Os índios, especificamente, tinham seus curandeiros, especialistas em distinguir os matos medicinais. Em nosso sertão, mulheres e mesmo homens, dedicaram à vida a esse belo mister do conhecimento que nos sustentaram através de séculos e gerações sucessivas.
Quanto mais nos aproximamos da capital, mas vão rareando as rezadeiras. Muitas vezes, a solução do seu problema está naquele matinho que nasce na sua própria calçada e você ignora. Enquanto isso vamos entrando na farra dos antibióticos e nos preços das caixetas que nos cobram.

Link para essa postagem
http://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2015/09/quebrando-as-barreiras.html