quinta-feira, 26 de novembro de 2020

 

O JOGO E O RABO

Clerisvaldo B. Chagas, 26 de novembro de 2020

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.425

Antônio Honorato ou Tonho de Macelon, tinha um bar no Comercio de Santana do Ipanema, ponto de encontro da juventude social da época. Era o maior decifrador de charadas de Alagoas. Gostava muito de poesia e apreciava ouvir um programa de repentistas no rádio chamado “Onde Está o Poeta?”. Em seu bar discutiam-se, principalmente, futebol e política.

José Maximiano era um senhor, aposentado, que gostava muito de poesia, futebol e jogo de baralho. Era apologista do repente e amigo de Tonho de Macelon, assíduo ouvinte do mesmo programa “Onde Está o Poeta?” Mas nem sempre a pessoa está no momento exato do humor para apreciar poesia.

José Maximiano morava à Rua Nova e, o bar de Antônio Honorato, vizinho à entrada do hotel de Maria Sabão, à Praça Senador Enéas Araújo, atual.

A jogatina do baralho ficava nos fundos do bar de sinucas de Manoel Barros, (fora chefe político no governo Arnon de Melo e dono de cartório) na mesma praça acima, esquina Comércio/Rua Nilo Peçanha, onde também havia uma saída da casa de jogo.

José Maximiano era doce e explosivo conforme a ocasião. Certa noite descera até o bar de sinucas, atravessara as mesas e fora direto para o jogo querendo aventurar alguma coisa no baralho. Mas àquela noite a sua sorte não estava por perto. Perdia uma parada atrás da outra na roda dos veteranos.

A cada parada perdida, Maximiano inchava de raiva igual a sapo cururu.

Já era quase madrugada quando Tonho Macelon entrou no bar de sinucas e se dirigiu até o antro. Na mesa de jogo conheceu José Maximiano, seu amigo apologista. Estava de costas e não deu para o desavisado Tonho contemplar o seu semblante. E assim, o charadista chegou perto do amigo jogador, agachou-se e disse baixinho, perto da nuca, referindo-se ao programa que ambos sempre ouviam:

-- “Onde está o poeta?”.

Má hora para o charadista. Zé Maximiano meteu as duas mãos na mesa de jogo, levantou-se para explodir e respondeu gritando, olhos arregalados e babando de raiva:

-- Tá no rabo da mãe, seu fio da peste.

Um silêncio pesado tomou conta da jogatina após o rabo da mãe.

SANTANA SOBRE TELHADOS. (FOTO: B. CHAGAS).

 

 


Link para essa postagem
http://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2020/11/o-jogo-e-o-rabo-clerisvaldo-b.html

terça-feira, 24 de novembro de 2020

 

O DEPOSITÁRIO DO ORGULHO BESTA

Clerisvaldo B. Chagas, 25 de novembro de 2020

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.424


A verdade e a ficção para refletir sua própria vida:

No Sertão alagoano do São Francisco, desembarcou por terra um senhor alto, vermelho, tendo à cabeça um chapéu tipo expedicionário, alguns instrumentos numa valise e máquina fotográfica à mão. Sem falar com as poucas pessoas que estavam por ali, sentou-se à sombra de frondosa mangueira e começou suas anotações em papel sobre prancheta. Mais de meia hora passou aquela figura a traçar no papel, anotar e usar a máquina fotográfica. Sentiu sede, não pediu água a ninguém, estava bem abastecido com seu cantil de metal coberto de lona. O rio, que acabara de receber água nova, estava bastante agitado combinando com o calor de mais de 39 graus.

Havia entre os raros pescadores que estavam por ali, um rapazinho vivaz e curioso. Aproximou-se daquela figura para ele estranha e, mesmo sem ser convidado, indagou:

-- Quem é o senhor.

O desconhecido respondeu empinando o nariz:

-- Sou um sábio, meu rapaz, um sábio. Um homem que sabe tudo, compreende?”

O jovem, entre a ironia e a ignorância, novamente indagou:

-- Ah! Entendi, o senhor é cartomante...

O homem não gostou, engoliu seco e falou:

 -- Para não perder a sua essência, sabedoria não dialoga com incautos, ignóbeis, lunáticos e analfabetos. Arranje-me uma canoa que eu pretendo vadear o rio. Bem remunero com o valor regional.

Dessa vez o rapaz entendeu e chamou um canoeiro dos mais antigos para fretar a canoa.  Mesmo advertido sobre uma tempestade que se aproximava, o sábio insistiu na viagem urgente. Feito o devido ajuste de preço, embarcaram ambos.

O pescador remava calado, mas o sábio começou a indagar:

-- O senhor fala inglês?

O canoeiro respondeu:

-- Nem sei o que é isso, meu senhor.    

-- Pois, então perdeu um quinto da sua vida. -- E voltou à carga:

-- O senhor conhece Geografia?

-- Não senhor”.

-- Pois perdeu dois quintos da sua vida -- Ainda insistiu o sábio:

-- Afinal, pelo jeito, não sabe ler nem escrever...

-- Sei não senhor... Respondeu o canoeiro, já bastante aborrecido.

-- Pois sendo assim, já perdeu três quintos da sua vida.

Nesse momento a tempestade aproximou-se, as águas se agitaram vigorosamente, a canoa rodopiou chegando a vez do pescador fazer a sua indagação:

-- O senhor sabe nadar?

-- Sei não, respondeu o sábio, apavorado. O canoeiro voltou-se e disse:

-- POIS PERDEU A VIDA TODA! -- Abandonou o remo e pulou nas águas revoltas do rio São Francisco.

 

 

 

 


Link para essa postagem
http://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2020/11/odepositario-do-orgulho-besta.html