segunda-feira, 6 de abril de 2020

A FAMA DO BOI


A FAMA DO BOI
Clerisvaldo B. Chagas, 7 de abril de 2020
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.288
BOI SALGADINHO.  (IMAGEM: YOUTUBE).

Iguaracy, lá para as bandas da região do Pajeú, Pernambuco, está criando fama no Brasil inteiro, através das redes sociais. Cidade com pouco mais de 12.000 habitantes, desafia Norte, Nordeste e todas as regiões brasileiras. O desafio é que possui em suas terras um boi revelação rei da caatinga e desmoralizador de vaqueiro desassombrado. Na vaquejada verdadeira também chamada pega de boi e pega de boi no mato, o boi Salgadinho vai completando suas 39 edições de carreiras e vaqueiro nenhum de inúmeros estados brasileiros, conseguiu lhe pôr as mãos. Vem gente de todos os lugares do Nordeste, uns para tentar a sorte outros atraídos apenas pela brincadeira e o histórico do boi. É grande o número de apostas de todo tamanho quando acontece cada uma dessas edições.
Todo o semiárido tem nos seus anais bois e vaqueiros invulgares cantados e decantados em prosa e versos através de décadas. Foi assim com o boi Saia Branca nos anos 1960, no povoado Várzea de Dona Joana, em Alagoas. Foi vencido pelo vaqueiro Zé Vicente que já era famoso e passou a ser glorificado. Mas agora em Pernambuco o boi Salgadinho estica suas vitórias desafiando excelentes cavalos e cavaleiros. Dizem que ele é treinado para se esconder com mestria dos seus melhores perseguidores. E se é difícil pegá-lo em mato seco, imagine na caatinga verde. O dono do boi também provoca a quem quiser apostar alto contra o animal. Porém, os mais famosos vaqueiros que foram derrotados por Salgadinho, não colocam desculpas esfarrapadas, mas sim, reconhecem a rapidez do ruminante de Iguaracy.
Músicas, aboios, repentes e talvez cordéis, exaltam as qualidades do bicho que não se deixa pegar. Até carro zero entra na jogada de premiação, conforme o que temos visto. Um veterano derrubador de gado falou: “Se um dia pegarem o boi Salgadinho, merece uma estátua em Iguaracy, o boi e o vaqueiro vencedor, porque esse será, sem dúvida, o rei de nós vaqueiros”.
É assim que se vai perpetuando a brincadeira bravia de homens intimoratos desde a chegada do gado nos sertões. Brincadeira essa filha das mangas dos antigos latifundiários criadores.
Você é vaqueiro? Pois tente pegar o Salgadinho, camarada.
Salve o eterno Ciclo do Gado nordestino.









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domingo, 5 de abril de 2020

O SILÊNCIO DAS PROCISSÕES


O SILÊNCIO DAS PROCISSÕES
Clerisvaldo B. Chagas, 6 de abril de 2020
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.287
IGREJA DE SÃO PEDRO. (FOTO: B. CHAGAS/LIVRO 230).

Padre Cirilo no comando, sacristão Jaime batendo a matraca e o longo cortejo sem fim, pela Rua Antônio Tavares. Respeito absoluto de Santana do Ipanema à Semana Santa em lutos milenares nos corações santanenses. Cântico tradicionais, imagens isoladas no roxo, rio triste e calado, na areia, nas águas, nas pedras... Um vácuo no mundo. Na prévia das casas o bacalhau, o peixe, coco, bredo,  beldroega e sentimento tocando à culinária. Vestido comprido, tule preto, cabeça descoberta, homens e mulheres comovidos na procissão transbordante de amor. A multidão se arrasta pelas ruas, praças e avenidas sobre o barro, sobre pedras quadriculadas. Charolas navegam naquele mar de gente entre calçados ricos e pés descalços.
Tocadas pelo temor e a cautela do novo assassino do planeta, as aglomerações retiram-se das vias citadinas. Esvaziam-se templos e logradouros numa transmutação do físico para o abstrato, dos edifícios para os sentimentos, da terra para o espaço onde moram as entidades. O homem confinado reflete e se refugia no destemor do espírito fortalecido. Roga por trás dos ramos caseiros do Domingo; na lembrança fugidia do Encontro da Quarta; e chora recolhido com a tragédia da Sexta. Não têm hinos, não ecoam as matracas, não têm os pés lavados, mas bate dentro de si um primitivo e forte sentimento das dores do Senhor dos Mundos. O ar é o mesmo, os pássaros da liberdade cantam para os recolhidos por trás das paredes, dos luzidios e metálicos portões do confinamento.
De nova maneira, a Terra vira tristeza. E pela primeira vez em décadas, não tem Semana Santa... Mas tem Semana Santa no coração que pulsa nos tecidos magnânimos. Não se enchem as ruas, mas se enchem a pele, a carne, os nervos no temor e no amor divino. Novamente as remembranças fazem desfilar um longo cordão de humanos nas vielas, nos becos, nas avenidas nos mesmos propósitos divinais da mente libertária.
Vamos fazendo em casa a Igreja do Deus Vivo.
Os templos estão dentro de nós.
Ontem foi domingo de Ramos, abrindo a Semana Santa, mas  nunca sairá do peito amoroso o ruído ou o SILÊNCIO DAS PROCISSÕES.



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