domingo, 5 de abril de 2020

O SILÊNCIO DAS PROCISSÕES


O SILÊNCIO DAS PROCISSÕES
Clerisvaldo B. Chagas, 6 de abril de 2020
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.287
IGREJA DE SÃO PEDRO. (FOTO: B. CHAGAS/LIVRO 230).

Padre Cirilo no comando, sacristão Jaime batendo a matraca e o longo cortejo sem fim, pela Rua Antônio Tavares. Respeito absoluto de Santana do Ipanema à Semana Santa em lutos milenares nos corações santanenses. Cântico tradicionais, imagens isoladas no roxo, rio triste e calado, na areia, nas águas, nas pedras... Um vácuo no mundo. Na prévia das casas o bacalhau, o peixe, coco, bredo,  beldroega e sentimento tocando à culinária. Vestido comprido, tule preto, cabeça descoberta, homens e mulheres comovidos na procissão transbordante de amor. A multidão se arrasta pelas ruas, praças e avenidas sobre o barro, sobre pedras quadriculadas. Charolas navegam naquele mar de gente entre calçados ricos e pés descalços.
Tocadas pelo temor e a cautela do novo assassino do planeta, as aglomerações retiram-se das vias citadinas. Esvaziam-se templos e logradouros numa transmutação do físico para o abstrato, dos edifícios para os sentimentos, da terra para o espaço onde moram as entidades. O homem confinado reflete e se refugia no destemor do espírito fortalecido. Roga por trás dos ramos caseiros do Domingo; na lembrança fugidia do Encontro da Quarta; e chora recolhido com a tragédia da Sexta. Não têm hinos, não ecoam as matracas, não têm os pés lavados, mas bate dentro de si um primitivo e forte sentimento das dores do Senhor dos Mundos. O ar é o mesmo, os pássaros da liberdade cantam para os recolhidos por trás das paredes, dos luzidios e metálicos portões do confinamento.
De nova maneira, a Terra vira tristeza. E pela primeira vez em décadas, não tem Semana Santa... Mas tem Semana Santa no coração que pulsa nos tecidos magnânimos. Não se enchem as ruas, mas se enchem a pele, a carne, os nervos no temor e no amor divino. Novamente as remembranças fazem desfilar um longo cordão de humanos nas vielas, nos becos, nas avenidas nos mesmos propósitos divinais da mente libertária.
Vamos fazendo em casa a Igreja do Deus Vivo.
Os templos estão dentro de nós.
Ontem foi domingo de Ramos, abrindo a Semana Santa, mas  nunca sairá do peito amoroso o ruído ou o SILÊNCIO DAS PROCISSÕES.



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