O
SILÊNCIO DAS PROCISSÕES
Clerisvaldo
B. Chagas, 6 de abril de 2020
Escritor
Símbolo do Sertão Alagoano
Padre Cirilo no
comando, sacristão Jaime batendo a matraca e o longo cortejo sem fim, pela Rua
Antônio Tavares. Respeito absoluto de Santana do Ipanema à Semana Santa em
lutos milenares nos corações santanenses. Cântico tradicionais, imagens
isoladas no roxo, rio triste e calado, na areia, nas águas, nas pedras... Um
vácuo no mundo. Na prévia das casas o bacalhau, o peixe, coco, bredo, beldroega e sentimento tocando à culinária. Vestido
comprido, tule preto, cabeça descoberta, homens e mulheres comovidos na
procissão transbordante de amor. A multidão se arrasta pelas ruas, praças e
avenidas sobre o barro, sobre pedras quadriculadas. Charolas navegam naquele
mar de gente entre calçados ricos e pés descalços.
Tocadas pelo temor e a
cautela do novo assassino do planeta, as aglomerações retiram-se das vias
citadinas. Esvaziam-se templos e logradouros numa transmutação do físico para o
abstrato, dos edifícios para os sentimentos, da terra para o espaço onde moram
as entidades. O homem confinado reflete e se refugia no destemor do espírito
fortalecido. Roga por trás dos ramos caseiros do Domingo; na lembrança fugidia
do Encontro da Quarta; e chora recolhido com a tragédia da Sexta. Não têm
hinos, não ecoam as matracas, não têm os pés lavados, mas bate dentro de si um
primitivo e forte sentimento das dores do Senhor dos Mundos. O ar é o mesmo, os
pássaros da liberdade cantam para os recolhidos por trás das paredes, dos
luzidios e metálicos portões do confinamento.
De nova maneira, a Terra
vira tristeza. E pela primeira vez em décadas, não tem Semana Santa... Mas tem
Semana Santa no coração que pulsa nos tecidos magnânimos. Não se enchem as
ruas, mas se enchem a pele, a carne, os nervos no temor e no amor divino.
Novamente as remembranças fazem desfilar um longo cordão de humanos nas vielas,
nos becos, nas avenidas nos mesmos propósitos divinais da mente libertária.
Vamos fazendo em casa a
Igreja do Deus Vivo.
Os templos estão dentro
de nós.
Ontem foi domingo de
Ramos, abrindo a Semana Santa, mas nunca
sairá do peito amoroso o ruído ou o SILÊNCIO DAS PROCISSÕES.
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