RIACHO DO NAVIO
(Clerisvaldo B. Chagas. 25.3.2010)
No semi-árido nordestino os rios temporários são todos semelhantes, exercem as mesmas serventias e variam em largura, extensão e fama. Após as enchentes periódicas, as correntes somem, restando poços rasos ou profundos, em locais arenosos ou em pedregulhos respeitáveis. Em Alagoas destacam-se as três ribeiras Ipanema, Capiá e Traipu, seguidas de outros menores como Gravatá, João Gomes, Dois Riachos, Riacho Grande, Camoxinga, Canapi, Desumano e Jacaré. A pesca incessante nos tempos de estiagem, não deixa sequer um carito (peixe pequenino e vil) para remédio.
Havia uma tradição em Santana do Ipanema quando, anualmente, um grupo de homens partia para uma pesca no riacho do Navio, zona sertaneja de Pernambuco. Participei da prática quase no final dessas alegres e decantadas excursões. Convidado que fui, parti em cima de uma camioneta lotada de mantimentos, cuja despesa era dividida por todos. A diferença geral iniciava ao entrarmos em Pernambuco cortando caminho por uma paisagem inóspita, cujo areal parecia não ter fim. A camioneta pesada e com boa velocidade, ia engolindo léguas e léguas sobre trilhos de carro de bois, ladeados por arbustos pelados e cinzentos. Tive impacto fortíssimo com uma visão real naquele mundo de deserto: um imenso açude de água verde que se perdia no horizonte como verdadeira miragem saariana. Bem ali pertinho estava o riacho do Navio, cantado nacionalmente pelo sanfoneiro Luiz Gonzaga. No local de chegada, no bojo da sequidão, um poço longo mantinha a água presa cercada de pedras lisas e de várias frondosas craibeiras que protegiam as barracas dos visitantes.
O riacho do Navio, afluente do Pajeú, nasce entre os municípios de Custódia e Betânia e percorre 132,24 km até o seu coletor. Tinha certa aparência do riacho santanense Gravatá.
Três dias de pesca longe de casa no mais engraçado lazer que eu conheci. Somente homens no acampamento em atividades diversas. Uns pescavam com tarrafas, outros caçavam, muitos jogavam baralho e outros ainda divertiam-se em farras movidas a violão, aguardente e uísque. O palavrão era destaque e corria solto na boca de predestinados. Entre a turma, um ou dois eram alvos da maior parte da brincadeira como o senhor Sebastião Gonçalo, vulgo Sebastião Labirinto. Surpreendeu-me a quantidade de mantas de carne-de-sol espalhadas por cima das pedras. Frutas à vontade. Após as horas normais das refeições, não havia regras para lanches. Quem quisesse, a qualquer hora do dia ou da noite, cortava, espetava e assava sua carne nas fogueiras permanentes. Mexia nos pães, nas frutas, na bebida, tudo de acordo com o desejo. Nenhuma restrição. Quando alguns adormeciam, tinham os punhos das redes cortados. Bagunceiros ralavam latas nas pedras e nessas horas não tinha quem dormisse. Com a garganta inflamada desde o início, não tive plenitude nas brincadeiras.
Fui e voltei com o técnico João Galego. Alguns anos após a minha ida, o movimento foi escasseando, devido o desaparecimento dos mais antigos. A tradição teve fim quando um santanense tentou derrubar a craibeira mais antiga e quase foi trucidado pelos nativos. Fui à outra pesca na volta do Moxotó com os senhores José Maria Amorim (professor), José Gomes, vulgo “Cara Veia (técnico), Sebastião “Poara” (aposentado), Juca “Alfaiate”, Osman (sargento), Manoel da “Guanabara” (comerciante), mas foi diferente e a moda não pegou. Fica assim registrada a tradição e o fim, em Santana do Ipanema, da pesca no RIACHO DO NAVIO.
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