quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

O POBRE MESMO SOU EU


O POBRE MESMO SOU EU
Clerisvaldo B. Chagas, 14 de fevereiro de 2013.
Crônica Nº 966

Nos tempos da escravidão, os fazendeiros nordestinos complementavam as comidas dos escravos com charque e bacalhau. O charque (carne seca) vindo das charqueadas do Rio Grande do Sul e o outro, vindo de Portugal, eram considerados alimentos de pobre. Até a década de cinquenta e início de sessenta, os proprietários rurais ainda utilizavam bastante os dois produtos para seus trabalhadores. Formavam-se nos sertões nordestinos, os chamados “batalhões”, com cerca de cem homens e mulheres para a colheita do algodão, plantio, limpa e colheita também de outros produtos como feijão e milho. Ao meio-dia, os pane laços à sombra do juazeiro, cajueiro, imbuzeiro... Atraiam os trabalhadores com o aroma gostoso do feijão com charque ou bacalhau. Nessa época, só quem comia charque e bacalhau eram os pobres... Ou os ricos na Semana Santa, por causa dos preceitos do catolicismo.  O preço era muito baixo. Depois o bacalhau e o charque passaram a peso de ouro, inclusive, aos poucos, foram extintos os “batalhões” de trabalhadores no campo.
 Na época em que charque e bacalhau passaram a custar uma fortuna, os papéis se inverteram. O consumo de ambos passou a ser somente pelo rico. O pobre ficou triste porque não podia realizar sua “mistura”: nem carne, nem peixe, nem nada. O naco diferente de feijão e farinha, no sertão, passou a ser coisa de luxo, comida premiada em dia de felicidade. Foi nessa época em que o coronel fazendeiro Antônio Bagano, com seu chapelão de abas largas e bigode cheio, passou pelo popular Zé Balão em dia de Quarta-Feira de Cinzas e indagou, por indagar, se ele já “havia comido o seu bacalhau de hoje”. O trabalhador braçal, sério, irônico e desconfiado, respondeu: “Coroné, o senhor já viu pobe comer bacaiau! O único bacaiau que eu comi hoje, foi o da minha nega, em casa”.
O coronel Bagano − Viúvo que não costumava ouvir resposta dos fracos − surpreendido eriçou o bigode, deu de ombros e saiu a resmungar: “Cabra fi' da peste de sorte! Pode não ter dinheiro, mas não pode se queixar do 'bacaiau' da nega!". Acho que O POBRE MESMO SOU EU.

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