O TUBARÃO DE LULU FÉLIX
Clerisvaldo B. Chagas, 11 de setembro de 2020
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica:
2.380
(FOTO: TNH1 VÍDEO REPRODUÇÃO)
Lendo uma reportagem recente em que um corpo humano foi encontrado na barriga de um jacaré abatido, lembrei-me de uma figura da minha terra.
Quando
ainda rapaz, conheci Lulu Félix. Morava em marcante e isolada casa com
alpendre, trezentos metros antes das primeiras residências do lugar Maniçoba,
em Santana do Ipanema. Naquele largo da estrada, somente sua casa no lado mais
alto do terreno e o sapateiro Alfredo Forte, defronte, na parte baixa e do
outro lado. Parece-me que Lulu vivia de alguma coisa em relação aos curtumes
daquela região. A impressão é que negociava com o produto sola. Como a sua casa
ficava no largo, na parte alta, dali se via tudo. O famoso doido da época,
barbudo Justino, sempre estava descansando no banco de pelar porco no alpendre
daquela casa.
Lulu
era baixinho, muito tranquilo, fala preguiçosa e sumida. Gostava muito de usar
paletó sem gravata. Toda Santana gostava de Lulu. Ele chegava às rodas de
conversas, ficava encostado na parede e escutava. Quando descoberto e indagado
começava a contar suas aventuras das viagens por onde andara. Sua ausência era
notada quando passava dois, três meses desaparecido. Nunca falava quando iria
viajar, mas dizia onde esteve e quase sempre era em São Paulo
Carinhosamente
fora o maior mentiroso de Santana. Sereno, narrava com naturalidade seus
exageros. Quando alguém dizia que não
acreditava em sua explanação, o argumento era infalível: “Você não viaja!...”
Entre
tantos e tantos casos já contados, repito um deles lembrando o caso do início
da crônica: Em Maceió, os soldados do 20o Batalhão de Caçadores,
gostavam de se exercitares na praia do Sobral. Mas, em certa manhã, ao término
da atividade, notaram a falta de um companheiro. Iniciaram as buscas e nada.
Retornaram ao Quartel e registraram o ocorrido.
Alguns
dias depois, os pescadores capturaram um tubarão e resolveram dividi-lo com os
companheiros, ali mesmo nas areias da praia. “E qual não foi a surpresa! O
soldado recruta foi encontrado na barriga do peixe gigante”.
“Mas
isso é um absurdo!” – falou um ouvinte.
Lulu
voltou à carga: “E não é só isso, não. Todos ficaram admirados com o recruta na
barriga do peixe ainda batendo continência”.
“Eita
mentira da gota serena!”
E
Lulu, com toda mansidão possível: “Você não viaja!...”.
·
A Câmara de Vereadores aprovou a minha ideia de colocar o
nome do trecho asfaltado São Pedro/Maniçoba de DONA JOANINHA. Mas o lugar onde
Lulu morava merece uma praça e, o seu nome constar como Largo Lulu Félix, MERECIDAMENTE.
Quando li essa, papai respondeu a mesma coisa: "Eita mentira da gota serena!!"
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