terça-feira, 1 de setembro de 2009

LAMPIÃO E A SERPENTE

LAMPIÃO E A SERPENTE

(Clerisvaldo B. Chagas. 1.9.2009)

Segundo o Livro Sagrado, muitos poderes foram dados aos homens. Inúmeras pessoas simples foram agraciadas com algum tipo desses poderes como o de curar dores de cabeça, sarar de picada de cobras e até mesmo de apagar incêndios. Algumas façanhas são incríveis, mas não devem causar escândalos porque são coisas naturais e do Alto. Ainda segundo a Bíblia, muitos segredos serão revelados aos pequeninos e negados aos grandes. Tenho testemunhado e ouvido fatos sobre rezadores ou benzedores, inclusive das famosas e misteriosas rezas das parteiras em casos difíceis. Como as variedades médicas, os curadores também tem seus casos específicos. Uns somente rezam contra dores comuns; outros contra mordeduras de cobras; outros ainda pela queda de verrugas ou cura de bicheiras e assim por diante.

Os manos Paraibano Rafael e Antonio tornaram-se famosos no sertão de Alagoas. Rafael Paraibano, discípulo de Antonio, na cura contra picadas de cobras, ficou em evidência quase quanto o irmão. Possuía também o dom de apagar incêndios nas propriedades rurais, no capim, na palma, na caatinga. Tanto é que no devastador incêndio do Paraná — motivo de música de Luiz Gonzaga — Rafael lamentava e dizia: “Ah se o governador do Paraná me chamasse para apagar aquele incêndio!” Rafael é falecido, mas o irmão Antonio Paraibano, já passando dos noventa (entre a lembrança e o esquecimento), muito fazia e talvez ainda faça. Curava contra picada de cobra e de doença provocada pela aranha que nem a medicina dá jeito. Quando convidado para curar os cercados de bovinos, perguntava ao dono por onde queria que as cobras saíssem da propriedade.

Quanto às serpentes, os ofídios são ápodes, isto é, não tem patas. Os dentes das cobras peçonhentas tem um canal que se comunica com as glândulas produtoras de veneno. No momento da picada, o veneno escoa por esse canal e é inoculado no corpo da vítima. No Nordeste são mais conhecidas, faladas e perigosas, a cascavel, a jararaca e a coral-verdadeira, cujos dentes inoculadores são pequenos, imóveis e caniculados. Já as duas primeiras, tem dentes inoculadores grandes e móveis que permitem sua movimentação para frente quando essas cobras dão o bote.

É grande o número de vítimas da peçonha nos roçados do Brasil. Felizmente a ciência tem feito a sua parte fabricando soro antiofídico suficiente para todo o território nacional. Butantã, motivo de orgulho brasileiro. Agora, existe uma qualidade de ofídio que nem os curadores nem o Butantã resolvem. É a cobra de duas pernas e também de língua bifurcada. Contra a substância desse réptil, só fazendo como Lampião fez com Donana — uma velha caluniadora do sertão — cortando a ponta da língua. Quer dizer, para alguns casos, é preciso ficar esperto entre veneno e curadores. Talvez não seja pecado fazer como LAMPIÃO E A SERPENTE.


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segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A CABEÇA DO CORONEL

A CABEÇA DO CORONEL
(Clerisvaldo B. Chagas. 31.8.2009)

Quem não já ouviu falar do Aleijadinho, o grande escultor das Minas Gerais! Certa feita uma autoridade foi procurar o exímio artista, acompanhada de um coronel chamado Zé Romão. Queria a autoridade que o escultor fizesse uma imagem grande de São Jorge para que ela saísse durante o próximo festejo religioso. O Aleijadinho prometeu realizar a encomenda. Acontece que o artista ouviu, talvez sem querer, as palavras do coronel para a autoridade: “Mas que homem feio!” O Aleijadinho guardou a frase e intimamente elaborou uma vingança. No dia da festa a charola foi bem acompanhada, mas o povo olhava desconfiado para a imagem de São Jorge. As pessoas apontavam para o andor com aquele santo diferente da tradição. Ora, o Aleijadinho — na sua vindita — havia confeccionado um São Jorge com a cara do ajudante de ordens da autoridade. Isso fez alguém criar e espalhar a seguinte quadrinha:

“Aquele que ali vem
Com ares de santarrão
Não é São Jorge nem nada
É o Coronel Zé Romão”

Ao invés de rezar o povo ria às gargalhadas. Foi assim que o célebre escultor mineiro realizou sua vingança de quem o chamou “feio”.
Vivemos nesse início de século no Brasil, não uma onda de violência, mas um verdadeiro mar de atos impensados. Não se fala somente sobre o Rio de Janeiro. Em Maceió mesmo, os assaltos acontecem nos bancos, nos sinais de trânsito, em mercadinhos, em farmácias, em consultórios médicos e até mesmo em ponto de ônibus e nas calçadas. À brutalidade se junta o álcool, a maconha, o crack. Não se pode mais nem apelar para a consciência degenerada do bandido. Ela — a consciência já combalida — vem acompanhada pelas drogas que não permitem esperança alguma à cabeça do usuário. Sem necessidade, por motivo fútil, amontoam-se as vítimas inocentes nos assaltos fatais pelo País.
Em se tratando de vingança, os sentimentos revanchistas são calculados e frios. Sobre a política deteriorada, os jornais também vão publicando rastros vermelhos invisíveis dos que se digladiam. Todos sentem ódio de alguma coisa nesse mundo de expiação. E para o que não tem condições de fazer vingança pior (o que é um erro), segue mais ou menos o traçado do escultor das Minas Gerais. Afinal o mundo está repleto de gente feia como nós e inconvenientes como Zé Romão. O jeito mesmo, para não estragar muito, é implantar num pedestal de justiça criatividade semelhante à CABEÇA DO CORONEL.

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