UM GALÃO BEM DIFERENTE (Clerisvaldo B. Chagas. 24.9.2009) Para o apologista Miguel Chagas que me passou esta narrativa há mais de 20 anos.
Em diversas comunidades brasileiras, não chegou ainda a água encanada. Mulheres, homens e crianças transportam o precioso líquido em latas, potes, baldes, entre brigas e discussões. Alguns lugares tem mais sorte quando existem boas fontes por perto. Esse fator ameniza as tensões geradas pela sobrevivência. Mulheres preferem latas à cabeça. Homens mais robustos costumam usar o chamado “galão”, objeto engenhoso para ganhar tempo. O galão se compõe de duas latas, cada uma pendurada através de corda na extremidade de um pau forte carregado nos ombros. Mas o galão, entre outros significados, pode ser também uma tira de pontas douradas que indica a graduação de militares. Como a coisa, no momento, estar ligada a outra, isso faz lembrar uma passagem de poeta-repentista. O caso vem sendo narrado há bastante tempo (e pela via oral), não sendo possível para nós a identidade do autor. Dois repentistas cantavam na feira, em torno de uma roda de apreciadores. Elogiavam aos que iam chegando e sempre ganhavam algumas cédulas pelas criativas saudações. Eis que de repente surgem à roda dois policiais: um tenente e um sargento. O repentista da vez — percebendo a excelente oportunidade para ganhar mais — iniciou a estrofe em sextilha com a seguinte louvação:
“Eu agora vou botar Um galão nesse tenente... “
Mas o oficial, percebendo a “facada”, chamou o sargento e disse: “Deixe esse corno para lá”. O repentista ouviu, sentiu-se ofendido e mudou o rumo da prosa, concluindo a estrofe:
“Mas o galão que eu falo É um galão diferente É um pau com duas latas Uma atrás outra na frente.”
Vejamos nós como é a vida. O poeta inicia com um elogio, é decepcionado e ainda encontra como consertar o erro. Encerra, sem ofender, com uma ótima lição em quem merecia. Quantas vezes elogiamos antes da hora, igualmente ao repentista. Surge o desengano logo a alguns passos após o brinde. Isso acontece muito entre as pessoas com as quais nos relacionamos. E o pior é que elas ofendem, atacam e nunca conseguem adquirir a humildade para as devidas reparações. Casos decepcionantes com elogios são comuns em se tratando de representantes do povo. Você vota em alguém com uma certeza tão grande sobre as qualidades do candidato... E depois? Você já se sentiu como se fosse colocar um galão no tenente? Não sendo repentista e nada podendo fazer, esqueça o tal leite derramado (muitas vezes é champanha). Mude o desenrolar da estrofe nas próximas eleições como nos ensina o poeta: retire os dois primeiros versos e coloque no tilintar da urna UM GALÃO BEM DIFERENTE.
Paraos (as) colegas professores de Geografia, em especial a José Arnaldo, a Rosângela, a Hélia e a Geraldo “Maleta” (In memoriam).
Nos últimos anos a Geografia, matéria de ensino e ciência, tem deixado os professores ressabiados. Pelos novos conteúdos, pela complexidade, pelos novos avanços epistemológicos e até pela individualidade dos autores, ficou difícil cada vez mais dominar essa matéria. É certo que não se pode entender um Estado sem território, sem fronteiras, mas também a sociedade sem território. Cada vez mais, entretanto, os livros engrossam no conteúdo com muitas “abobrinhas” e vintenas de páginas inúteis para mestres e alunos. Os conteúdos divisórios do Fundamental e Médio não são claros nem objetivos. Quando é dividida a lógica da sequência, não corresponde. A definição clara de domínio da Geografia, nunca aparece em série alguma. Para o Curso Médio muitas vezes é apresentado volume único. Sem divisória interna, o compêndio dificulta o bom ensino para veteranos quanto mais para novatos. A Geografia do Brasil se dilui na Geografia Geral e nem uma coisa nem outra. Parece até que os responsáveis não querem que o aluno aprenda tanto a Geografia quanto a História do Brasil. Nesta, são omitidos importantíssimos episódios da história brasileira. Na Geografia é capado o esquema básico objeto da matéria. Por outro ângulo, surgem “defeitos” na confecção dos livros que acompanham o samba da loucura. Páginas coloridas idênticas às cores das letras; letras reduzidíssimas para olho biônico que levam à irritação constante dos pesquisadores. Em alguns deles, tem-se a impressão de que os donos estão muito mais preocupados em demonstrar conhecimento de que em transmiti-los didaticamente.
Lecionar Geografia, hoje, é um perigo constante para o mestre — não pelas novidades dos conteúdos e atualizações de rotina — que se perde na falta de clareza. Não existe mais satisfação no aprender. O que vale agora é a obrigação de cumprir a meta escolar, tornada cada vez mais dificultosa. A Geografia vai perdendo o encanto, a magia, o êxtase de ser apreciada. Cursos de capacitação ainda são oferecidos. Não raras vezes os contratados são fracos comocabos de vassoura, causando irritação nos dentes de quem os escuta. Ninguém pode entender o mundo se não o conhece. A Geografia veio justamente para mostrar esse caminho. Mas olhando do jeito que está o que vem de cima, com certeza não é água líquida, é saraivada de granizo na cabeça de quem vive da sala de aula. Veja esse trecho, a fonte é tão pequena que nem a lupa decifra: “(...) a construção dos fundamentos epistêmicos necessários à consolidação de sua cientificidade; a definição e a clareza do seu objeto de estudos; e o papel do sujeito desta ciência, capaz de desvelar a organização espacial e suas relações (...). Entendeu?
Minha eterna, querida e encantadora Geografia organizada, não aguento mais a burocracia da besteira. Após a chegada da sua prima, A GEOGRAFIA OXENTE, digo como a juventude: FUI.