domingo, 28 de março de 2010

PROCURA-SE BARBEIRO

PROCURA-SE BARBEIRO
(Clerisvaldo B. Chagas. 29.3.2010)
Fui surpreendido mais uma vez pela Internet, com a notícia do passamento do meu barbeiro Manoel Ferreira, dois dias depois do acontecido. Barbeiros e alfaiates são duas classes em extinção por essas bandas. Lembro que o meu primeiro barbeiro, nos tempos das calças curtas, chamava-se Nézio. Já com certa idade, Nézio trabalhava no antigo “prédio do meio da rua”. Depois fui cliente muitos anos do senhor José Barbosa que atuava à Rua Nilo Peçanha, bem próximo à Travessa Antonio Tavares. Ali, defronte à alfaiataria de José de Souza Pinto, o “Juca Alfaiate, o senhor José Barbosa começou a contar meus primeiros pelos que surgiam no queixo. Como era bem humorado, o barbeiro contava com seu futuro adicional da minha barba. Tempos depois, o senhor José mudou de ramo, passando a ser dono de bar nas imediações do mercado municipal de carne.
A boa quantidade de conceituados barbeiros em Santana do Ipanema ia rareando. No auge da categoria, houve até uma velada concorrência entre eles, coincidindo com os modernos cortes de cabelos de regiões adiantadas introduzidos em Santana. Como o senhor José Barbosa ficou de fora, o meu terceiro barbeiro passou a ser o Apolônio que também trabalhava na mesma barbearia da Rua Nilo Peçanha. Depois o barbeiro mudou para a Rua Antonio Tavares e terminou sua carreira nos salão do cine Alvorada, à Praça Cel. Manoel Rodrigues da Rocha. Foi uma vida inteira como cliente. O belo nome “Apolônio” me chamou atenção. Era diferente e lembrava o político da música cantada por Luiz Gonzaga sobre a hidrelétrica de Paulo Afonso: “Delmiro deu a ideia/Apolônio aproveitou/ O presidente Café/Agora inaugurou (...)” Quando eu estava escrevendo o meu romance “Fazenda Lajeado” (ainda inédito) precisava de um personagem marcante para o papel de capataz da fazenda. Era preciso também um nome incomum e atraente. Tomei emprestado o belo nome do meu barbeiro e Apolônio passou a ser o capataz da “Fazenda Lajeado” (os leitores irão se apaixonar por ele). Diferente, todavia, do modo de ser e da aparência do capataz, Apolônio barbeiro, morador do sítio Jaqueira, era calmo e de fala mansa. Vez em quando me contava baixinho, uma das suas aventuras e falava ser bom atirador. Frequentava anualmente o Juazeiro do padre Cícero. Senti muito quando ele faleceu. Cabra bom! Como a família possui a tradição da tesoura, passei a ser cliente do seu filho Manoel Ferreira até o dia do seu falecimento, vítima, segundo o site, de infarto fulminante.
As barbearias hoje dão lugar aos salões unissex, deixando pessoas como eu ainda constrangidas. Nem nunca entrei em um desses salões, nem barbeiro nenhum rapou a minha barba (prática pessoal de quatro ou cinco vezes semanais). Na escassez dessa profissão, ainda resta o filho de Manoel Ferreira, também exímio na tesoura; é preciso saber se vai continuar a arte do pai e do avô. Meus sentimentos à família do barbeiro radialista e fã das serestas santanenses. Com a falta desses notáveis prestadores de serviço, afixemos o cartaz: PROCURA-SE BARBEIRO.


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quinta-feira, 25 de março de 2010

ESQUINA DO PECADO

ESQUINA DO PECADO

(Clerisvaldo B. Chagas. 26.3.2010)

Minha primeira experiência coletiva intelectual em discussão foi em Santana do Ipanema. Entre quinze e dezessete anos, travei conhecimento com o “Negão Zé Lima” que morava com a tia no “Hotel Central”. Era um prazer muito grande encontrar-me com pessoa tão inteligente e atualizada. Zé Lima, moreno claro e franzino, tinha uma capacidade incrível de criar piadas curtas e dá respostas rápidas. O local predileto das nossas conversas era a esquina do hotel, principalmente à noite e aos domingos. Conversávamos principalmente sobre História e Geopolítica. Revirávamos o mundo inteiro onde entravam a Segunda Guerra, tipos de armas, principais combates, Vietnã e muito mais além de enveredarmos pelo campo das novas tecnologias. Zé Lima andava de amigação lá na baixada do “gamba”, cuja mulher era doida por ele. Mas o Negão era apaixonadíssimo por Zilma e não parava em todas as ocasiões de elogiar “seus olhos verdes e seu rosto meigo”. Certa vez fomos a Pão de Açúcar contemplar a procissão dos navegantes e ele não parava de falar sobre Zilma, lá em cima, no cristo, de onde víamos a bela paisagem das embarcações nas águas do São Francisco.
Depois chegou o Fernando Campos e integrou-se aos encontros. Jovem de família tradicional do Bairro Monumento surgia bem penteado e bem vestido, sem nunca largar um cigarro que parecia fazer parte dele. Descobri que era também inteligente e mostrava leves ideias socialistas. Em seguida surgiu o Arlei, gago, sabido e também com pensamentos semelhantes aos de Fernando. Alguns outros rapazes também compareciam, mas eram coadjuvantes nas palestras do quarteto.
Aos domingos, as mulheres passavam para a missa das sete e das dezenove horas e não paravam de pedir licença entre a parede da casa comercial e o poste onde se amarravam os cartazes do cinema e dos jogos de futebol. Ficávamos ali, escorados na parede ou no poste. Como o filme “Esquina do Pecado” estava em voga, dei o apelido do nome do filme àquela esquina que pegou rapidamente. Não falávamos mal das mulheres de Santana como sempre acontecia no “Senadinho” pesado de adultos na porta da igreja-monumento de Nossa Senhora da Assunção. Já foi dito acima qual era o nosso tema. Entretanto, como o nome do lugar era “Esquina do Pecado”, parece que incomodava as mulheres que por ali transitavam em direção à Igreja Matriz de Senhora Santa Ana. Um dia chegou à notícia de que o novo delegado havia recebido uma queixa sobre a esquina e iria visitá-la para recolher os componentes. Verdade ou mentira, por via das dúvidas, resolvemos abdicar. A roda do intelecto nunca mais se reunião ali. Depois Zé Lima foi trabalhar em Arapiraca (onde teve a vida ceifada em acidente); eu fui estudar na capital e perdi contatos com Arlei e Fernando. Soube recentemente que Arlei trabalha em Delmiro Gouveia (AL) e, Fernando, não sei. Mas foi com grata surpresa que o redescobri através da Internet, usando as letras que saem daquela cabeça da ESQUINA DO PECADO.
• Atualmente Zilma trabalha na Escola Helena Braga.
• “Gamba” = baixo meretrício.
• Pelo menos a “Esquina do Pecado” produziu dois escritores santanenses.


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