quinta-feira, 1 de abril de 2010

ZÉ 38

ZÉ 38

(Clerisvaldo B. Chagas. 2.4.2010)
Do CD “Sertão Brabo I”

Morava no sítio Palmas
Matador de profissão
O cruel Zé 38
Magrelo do bigodão
Tinha os zoi da cor de fogo
Matava sem ter arrogo
Mulher, menino, ancião.

Foi assim que Zé matou
Do pobre ao remediado
Pra matar padre e juiz
Ele pedia dobrado
E antes que me esqueça
Sempre cobrou por cabeça
Aumentando o apurado.

Meu avô era roceiro
O chapéu era o capuz
Mas tinha sabedoria
Falava: deus me conduz!
Não temia o horroroso
Um devoto fervoroso
Do coração de Jesus

Meu avô um dia viu
Zé matando João Sindô
Quando passava no sítio
Chamado Bela Fulô.
Sexta-feira da Paixão
Chegou o fio do cão
No rancho do meu avô

38 foi dizendo:
─ Ô velho vim te matar
Ninguém me pagou pra isso
Mas pra você não falar
Pois não confio em vovô
E o crime de João Sindô
Não se pode boatar.

─ Zé você tá esquecido
Hoje é Sexta-feira Santa
(meu avô lhe respondeu)
Até mesmo a salamanta
Se esconde no sopé
Hoje não morde no pé
Sua ousadia me espanta.

O bandido enfarruscado
Respondeu: ─ é caduqueira
Quando o cabra fica velho
Só sabe dizer besteira
Que todo dia é comum
Eu nunca fui matar um
Pra não vê a bagaceira...

Sexta-feira que eu conheço
É bala, meu camarada,
Tu que só véve rezando
Perde tempo nas estrada,
Seu Deus é feito de pó
Vou lhe dar um tiro só
Nunca mais tu reza nada...

Eu vejo quando tu passa
Todo domingo pra igreja
Em vez de perder seu tempo
Devia estar na peleja
Vou acender um cigarro
Peça a seu Jesus de barro
Que agora venha e proteja.

Meu avô ajoelhou-se
Apontou o coração
Abriu os braços e lhe disse:
─ Pode atirar, valentão.
E do pistoleiro rouco
O revólver quebrou coco
Cinco vez na sua mão.

Na sexta vez o revólver
Daquele monstro sem luz
Jorrou o sangue divino
Com o meu avô em cruz
Juro com toda firmeza
Absoluta certeza
Que o sangue foi de Jesus.

deu um grito medonho
Com esse fato colosso
Afastou-se apavorado
Revólver cabo de osso
O cruel ia levando
O sangue fino pingando
Caindo e ficando grosso.

o bandido carrasco
Que a ninguém considera
Tinha matado setenta
Com o coração de pantera
Bem naquela sexta-feira
Logo depois da porteira
Já não sabia quem era.

enlouqueceu na sexta
Na segunda se enforcou
Porque Sexta-Feira Santa
A fera não respeitou
Hoje quem passa nas Palmas
Ouve os lamentos das almas
Dos homens que Zé matou.

FIM
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quarta-feira, 31 de março de 2010

NA VOLTA DO BACALHAU

NA VOLTA DO BACALHAU
(Clerisvaldo B. Chagas. 1.4.2010)
Pela tradição católica, vem à procura do bacalhau durante a Semana Santa, principalmente na sexta-feira, dia da morte de Jesus. É interessante como se forma uma opinião que leva a pessoa para uma prática automaticamente. Durante essa época fala-se tanto em bacalhau como se o peixe galídeo do Atlântico Norte fosse o único não proibido na refeição da sexta. Está certo que tanto o COD GADUS MORHUS (DO ATLÂNTICO NORTE) ou o COD GADUS MACROCEPHALUS (do Pacífico Norte) são deliciosos, mas nem somente vive a sexta-feira santa de bacalhau. Pode-se definir o bacalhau como peixe salgado, seco, nutritivo, saboroso, rico em sais minerais e vitaminas, quase sem colesterol e de fácil digestão. Dizem até que esse valor nutritivo, comparando em um quilo do produto, equivale a 3,2 quilos de que o peixe comum. Comer uma excelente bacalhoada está na moda, em casa, nas residências dos familiares ou mesmo em restaurantes simples ou caros no Brasil inteiro; mas nem sempre foi assim.
Nas décadas de 50 a 70, bacalhau era comida de trabalhador braçal alugado nas roças do Nordeste. Não somente o bacalhau, mas também o charque ou jabá, chamado em outras regiões de carne seca. O fazendeiro organizava grandes tarefas em batalhões (hoje mutirão) de até uma centena de pessoas, homens e mulheres, tentando apressar o trabalho. Colher algodão, limpar o mato e outros empreendimentos agrícolas, quase sempre eram realizados sob cânticos compassados como rituais solenes. A parada para o almoço (chamado boia) acontecia quase sempre sob árvore frondosa onde o bacalhau ou o charque não faltavam nos caldeirões pretos de fumaça. Entretanto, o patrão mesmo não se alimentava regularmente desses dois produtos, pois diziam ser comida de negro, “cassaco de rodagem” ou trabalhador (de roça).
Existem outros significados para a palavra bacalhau: mulher extremamente magra, comida muito salgada ou mesmo azorrague com que se castigava o escravo.
Na Santana do Ipanema da década de 50, lembramos de bacalhau à venda somente no armazém de secos e molhados do senhor Marinho Radrigues, situado no “prédio do meio da rua”, defronte à sapataria do comerciante Marinheiro, proprietário da “Casa Ideal”. O produto, juntamente com o jabá, ficava exposto no balcão aguçando o desejo do freguês, pela aparência de qualidade. Muitas unhas rasgavam as amostras que iam imediatamente às bocas ávidas no vai-e-vem de Seu Marinho. Somente no final do século XX e início do século XXI, foi que essas duas mercadorias, pelo menos no interior nordestino, começaram a fazer parte da classe média e, depois, de qualquer uma. As antigas comidas de escravos e cassacos estão presentes agora em todos os lugares. Enquanto o charque é o principal sabor da feijoada, o bacalhau é destaque somente durante a Semana Santa, quando é procurado e consumido em larga escala. Contudo, seu preço proibitivo, vai tangendo o consumidor para fora da tradição com diversas alternativas. De qualquer forma é melhor atender aos apelos das vísceras pelo produto de que viver gemendo fustigado NA VOLTA DO BACALHAU.



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