quarta-feira, 5 de maio de 2010

ESTRIBOS DO CANGAÇO

ESTRIBOS DO CANGAÇO
(Clerisvaldo B. Chagas. 6.5.2010)
Vivi situações diversificadas nas pesquisas sertanejas. Três delas, porém, continuam gravadas em pastas semelhantes.
Designado para a fazenda de um homem tipo coronel, não pensei duas vezes no cumprimento do dever. Senhor de terras e de homens, no alto Sertão, o fazendeiro casava, batizava, feriava e dava dia santo. Quando precisava, saía ligeiro com seus quinze ou vinte capangas armados até os dentes. Governadores temiam e respeitavam o fazendeiro. E alguns até levavam esporros desmoralizantes do homem do sertão. Seu nome virou lenda para o bem e para o mal. Fazia sua própria justiça e exercia influência sobre todos os tipos de representantes estaduais de cidades circunvizinhas. Sua vida daria um livro completo. Dirigi-me com um companheiro até lá. O homem nos recebeu normalmente, pediu que um empregado selasse dois cavalos brancos e mansos que estavam na varanda e fomos até um aglomerado dentro da imensidão de suas terras. Fizemos nosso trabalho, agradecemos ao “coronel” (não gostava de ser chamado assim) e viemos embora dentro da paz reinante no momento.
Com os mesmos objetivos, fomos à outra fazenda não tão longe dali. O dono também era famoso, mas não como o primeiro. Muitas terras, ordens poderosas e péssima fama. Chegamos à época de sua decadência. Apesar do mal de Parkinson, ainda era respeitado e temido. Diziam que esse tinha quantas mulheres quisesse e vivia com várias delas. No momento não estava em casa e nos entendemos com um dono de bar falido que nos pareceram filho bastardo e capanga do velho. Foi aí onde, pela primeira vez, vi um sino de convocar a capangada, pendurado numa estrutura de alvenaria. Até àquele momento eu só tinha ouvido falar no assunto nas leituras de adolescentes em literatura de cordel. Fiquei de queixo caído com a realidade. Dando graças pela ausência da fera, realizamos o nosso trabalho e viemos embora.
Em outra ocasião chegamos a uma fazenda localizada numa planura muito bonita no meio da caatinga. Havia perto do terreiro da casa-grande, duas pedras enormes escoradas uma a outra. Na base, formavam uma pequena gruta; correndo em sentido vertical ambas se iam  afunilando. O proprietário queria que descobríssemos o mistério de várias formas arredondadas que havia nas pedras, do tamanho de uma bola de golfe. Só vim, a saber, depois que aquilo era provocado por fungos e bactérias. Ganhamos a confiança do homem e ele nos confessou que era ali na pequena gruta onde ficavam muitas vezes, os cabras de Lampião. Disse ainda, que após a tragédia dos Angicos, os cangaceiros que escaparam andavam perambulando sem chefe pela caatinga. Foi ele, então, quem serviu de intermediário para que alguns cangaceiros se entregassem ao batalhão do coronel Lucena em Santana do Ipanema. O homem procurado por ele em Santana foi o comerciante (depois prefeito) Ulisses Silva que falou com o coronel. Não lembro o nome desse fazendeiro, mas era um tipo marcante, alto, forte, roupa de mescla e chapéu de couro de abas largas. Eu pequei suas características e o transformei no personagem Né de Zeca, coiteiro de Lampião, do meu futuro romance em relação à época, “Deuses de Mandacaru”.
Se não estive no dorso, pelo menos ainda vi os ESTRIBOS DO CANGAÇO.







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MERA COINCIDÊNCIA

MERA COINCIDÊNCIA
(Clerisvaldo B. Chagas. 5.5.2010)
Série ficção
Bem à vontade na espreguiçadeira, o coronel Leonino Leão palestrava animadamente com o deputado Lobo Faninto. Era perto do meio-dia e a buchada cheirava muito no fogo da fazenda “Escreveu Não Leu”. A visita de cortesia era também pelo agradecimento do deputado que fora eleito entre os primeiros lugares. Leonino, muito satisfeito, contava ao deputado como se fazia política no Sertão:
─ Pois comigo é assim, meu caro deputado. Tem muito cabra peste no mundo! O Zé Catenga mesmo (sujeito da vila) me procurou dizendo que havia ganhado um cavalo, mas faltava a sela. Garantiu-me quinze votos certos, entre a família dele. Providenciei a sela, mas o infeliz disse que só servia nova. Mandei o mestre fazer. Depois da eleição não veio nem aqui. Levou seus quinze votos para outro deputado, ganhou mais uma sela nova e uma cabra leiteira. Mandei chamá-lo e dei-lhe uma pisa da peste! Mas, entenda deputado, a surra não foi com chibata velha não. Foi com uma novinha, novinha, como a sela que eu dei a ele.
─ Sei, meu amigo...
─ Sebastião Xundoca, um cabra da Lagoa Bonita, quando pedi uns votinhos a ele, o indivíduo falou que nem precisava ter pedido: “Lá em casa é tudo com o seu candidato, coronel”. Quando ele saiu de perto de mim, disse a uma afilhada minha que eu fosse lamber sabão que o voto dele não era para ladrão. Rimou, não foi, deputado? Eu disse a mim mesmo que iria pagar bem pela sua rimada. Passado o pleito, mandei um recado pedindo que Xundoca viesse até aqui e me trouxesse uma barra de sabão. Ele chegou com cara de besta, mas trouxe a barra. Eu mandei Zé Ligeiro e Pedro Marreta fazerem uma presepada com o sabão que ele trouxe. Um foi empurrando pedaços pela boca de cima e o outro empurrando sabão pelo furo de baixo.
─ Oxente! E ele morreu, coronel?
─ Levaram-no para a capital. Nem sei o futuro de Bastião Xundoca... Antonio Jururu (esse o senhor conhece) me prometeu um boi pela sua vitória. Quando o deputado ganhou, perguntei a ele pelo boi. Hum! Ele disse que lamentava muito, mas a cobra tinha mordido o garrote. Aí eu fiz ver àquele cabra cu-de-galinha que em seus pastos ainda pastavam muitos bois. Sabe o que ele me respondeu, deputado? Que não iria tirar outro boi do pasto, pois o prometido fora o boi da mordida. Eu, então, pedi a ele que me trouxesse pelo menos a serpente que mordeu o boi. No outro dia o safado chegou à fazenda com uma jararaca que mandou caçar nem sei aonde. Nesse tempo não se encontra uma só por aqui. Mandei os “meninos” amarrá-lo e soltar a jararaca dentro da roupa dele, depois de fechar as pernas da calça.
─ E aí?
─ Deixe isso para lá, deputado. Um cabra que me prometeu ajudar e foi tocar sanfona para o adversário eu o peguei depois e ele passou aqui um dia inteiro tocando sanfona sem parar, nem beber, nem comer. Os meninos não deixavam. E como a buchada já está à mesa, quero dizer só mais uma. Fiz um cabra dormir pendurado com as mãos para cima no meio dos morcegos porque ele disse a minha comadre, referindo-se a mim, que não acompanhava minha política, pois “quem anda com morcego dorme de cabeça para baixo”. Ele dormiu com os morcegos, mas de cabeça para cima para largar de ser mentiroso.
A mulher do coronel chamou o povo. O deputado se levantou dizendo que já tinha feito muitas daquelas. Aí o coronel também se levantou e disse:
─ Então é MERA COINCIDÊNCIA.






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