quinta-feira, 10 de junho de 2010

BAFANA BAFANA

BAFANA BAFANA
(Clerisvaldo B. Chagas. 11.6.2010)
Nas décadas de 1950-60, sobressaía em Santana do Ipanema, a moda dos cabarés e das farras habituais nos antros da cidade. Violões plangentes ecoavam dos bares para a Praça Coronel Manoel Rodrigues da Rocha, Ponte General Batista Tubino e Rua Tertuliano Nepomuceno. Em voga as choradeiras de Lupicínio Rodrigues, Nelson Gonçalves, Altemar Dutra e outros românticos nacionais. Violões como os de Zequinha Bulhões, José Panta, Miguel Chagas, aliavam-se desde o acordeom meloso de José Francisco ao intrépido pandeiro de Pedro “Aleijado”. Os boêmios varavam o negrume das noites quentes ou invernosas, sem tempo determinado para o término. Regadas a aguardente, cerveja, conhaque, rabo-de-galo, as brincadeiras iam recebendo os mais estranhos tira-gostos. Tripa torrada, cágado, teiú, galinha, torreiro, tudo era motivo para mais uma canção, para mais um aperitivo. E assim, as farras com José Yoiô, Moreninho, Tenente Guedes, Manoel “Toinho”... Iam encontrando mais adeptos amantes da luz artificial.
Certa feita, um matuto do Município bateu sessenta sacos de feijão. Quando perguntaram pela pequena fortuna oriunda da venda, o homem riu. Disse que todo o sonho acalentado durante sua vida era um dia poder fazer uma farra. É que ele ouvia falar tanto na danada que chegava a sentir inveja dos farristas. E foi assim que gastara todo o dinheiro apurado da roça com uma bruta brincadeira que havia durado três dias e três noites. Estava felicíssimo de bolso liso e sonho realizado. Nunca mais invejaria ninguém.
Quando vemos tudo que está se passando na África do Sul, é difícil não fazer uma comparação com o desejo matuto de uma farra descomunal; um desabafo homérico que lava com água mineral, sabão cristalino e detergente multicheiroso a alma desacorrentada do nosso irmão africano. Quantos séculos de sofrimento, dores, gemidos que dominaram os pontos cardeais do continente mãe! E os testemunhos impávidos e congelados do mundo! Os tumbeiros cruzando os mares; baques surdos de corpos inertes nas águas profundas; moendas, canaviais, senzalas, garimpos... Chicotes de feitores, cortes de navalha apartheid, a maior dor.
No intenso colorido que toma conta da África do Sul, brilha o amarelo da alegria, da liberdade, da conquista, da vaidade ímpar em receber o mundo inteiro para uma farra nunca vista e mais de cabeças erguidas. O grande evento histórico que está acontecendo no continente africano é uma conquista humana, social de dimensões planetárias que chama atenção definitivamente dos povos indiferentes. É a mão de Deus agindo através do futebol, continuando a justiça iniciada com homens iluminados como Mandela e o bispo Desmond Tuto. Temos absoluta certeza de que a alegria e a felicidade do povo africano tornar-se-ão perpétuas após o magnífico espetáculo de recepção, esperança e fé trazido pelo esporte mais querido do mundo. Depois do Brasil, não temos outra saída, iremos torcer pela seleção BAFANA BAFANA.

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quarta-feira, 9 de junho de 2010

RUA DE SOFRIMENTO

RUA DE SOFRIMENTO
(Clerisvaldo B. Chagas. 10.6.2010)
Para jovens pesquisadores
Já foi dito neste espaço que a Rua Professor Enéas teve início ao lado do curral de gado do senhor José Quirino. Hoje a rua é plana, calçada, comprida e estreita, inda do antigo curral até a ponte General Batista Tubino. A parte de baixo do casario tinha ao fundo, amplo terreno do mesmo proprietário e se estendia até o rio Ipanema. A parte de cima, da rua, a ele não pertencia. Eram os fundos de quintais compridos das casas da Rua Antonio Tavares, como os quintais de Júlio “Pisunha”, soldado Joaquim Manoel, Alfredo Forte, José Urbano, Seu Né Lecor, “Manezinho” Chagas e outros. Quintais que não atingiam a nova rua, eram formados de mato e monturo. Esses matos e monturos na parte de cima, iam dos fundos da casa vizinha a “Manezinho” Chagas, até a segunda travessa em direção ao comércio. Depois iniciava por ali novos fundos de muros das casas do comércio, como até hoje.
José Quirino construiu logo algumas pequenas casas, inclusive, a primeira, encostada ao mourão da cerca de arame farpado do curral. Depois ele construiu mais outras casas um pouco maiores, tudo para alugar aos pobres. Havia um longo vazio após as casas, tanto na parte de baixo quanto na de cima. Na descida do primeiro beco, acesso para o Ipanema, bem na esquina, tinha duas casas particulares, rústicas, pertencentes aos familiares do senhor Cirilo, velho tropeiro do lugar. Após o beco, ainda na parte de baixo, um terreno do senhor Marinho Rodrigues e o curral de gado do senhor Doroteu Chagas que depois passou a ser de “Manezinho” Chagas (ambos desciam até o rio). Algumas casas de lavadeiras mais adiante, por trás dos quintais do comércio, outras casas independentes onde morava o casal “Zé Cambão” e Regina “Cambão”, resistiam na pobreza. O “Gorila” (figura típica) e a “Nicinha” (garota que nadava muito bem ali no poço dos Homens) também faziam parte do local. A Rua José Quirino levou décadas e décadas para ser preenchida em ambos os lados.
O que chamava atenção eram as brigas diárias, com discussões permanentes de várias mulheres que, às vezes, incluíam os maridos nas desordens. Nessa época, moravam ali figuras bastante conhecidas como o “Toinho das Máquinas”, Genésio “Sapateiro”, “Caçador”, Otávio “Marchante” e sua esposa Carmelita que todo dia entrava em discussão com a vizinhança. À tarde, chegava Otávio, do trabalho, com uma faca grande pendurada no coldre e era insuflado para tomar partido nas arengas da mulher. Mas Otávio sempre saía pela tangente. Lembro que certa vez houve uma discussão feroz na rua. Enquanto isso, um camarada tocava uma rabequinha dentro de casa, e não colocou a cabeça para fora uma única vez. Aquele sabia viver! Estava no meio errado.
A rua sem calçamento, entregue a imundície de inverno e verão, certa feita foi visitada por um homem do Paraguai ou do Uruguai (falavam que ele era um sábio) chamado professor Cabajal. Esse cidadão iria ministrar palestra à noite para a sociedade, sob o entusiasmo do doutor Adelson Isaac de Miranda. Chegando mais cedo, percorreu alguns pontos de Santana, inclusive a citada rua. Dizem que durante a sua palestra ele falou encontrar-se estarrecido com o nome de professor dado a uma rua tão imunda e sem expressão como aquela. E que na terra dele, professor era valorizado. Como Cabajal era um homem nervoso e sem papas na língua, deixou a sociedade santanense envergonhada com essa e naturalmente outras observações. Esse constrangimento, o povo da Rua José Quirino, teve que engolir, por conta da má administração dos seus dirigentes. É bom salientar que, mesmo assim, a via continuou sendo chamada oficialmente Professor Enéas (o primeiro professor de Santana) chefe político e senador por inúmeras vezes, no tempo Santana /vila. Enéas já tem o seu nome em um dos três largos comerciais.
Ainda hoje, como já foi dito acima, os quintais das casas do comércio não deixam o trecho, entre a travessa Antonio Tavares e a ponte, ser preenchido por novas residências, pois eles chegam até a linha d’água da rua de baixo; Rua José Quirino, Rua Professor Enéas... RUA DE SOFRIMENTO.




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