segunda-feira, 11 de outubro de 2010

ARATANHA

ARATANHA
(Clerisvaldo B. Chagas, 12 de outubro de 2010)
     Na crônica de ontem, “Zabé da Loca”, falamos sobre o projeto musical para os jovens no município de Monteiro, Paraíba. E quando aconselhamos projetos semelhantes para os adolescentes do campo, não foi somente para livrá-los das drogas e da ociosidade, mas também para ganharem dinheiro. Em todos os lugares do mundo existem talentos: nas planícies, nas cidades, nas montanhas, nos desertos... Ao falarmos sobre a escolinha de música da Paraíba, registramos também um belo exemplo ocorrido no município de Santana do Ipanema. No finalzinho de Santana vila, o povoado Capim (atual cidade de Olivença) já possuía uma banda musical, coisa difícil de acreditar. Mas como foi dito, os talentos proliferam em todas as paisagens, aflorando conforme os incentivos. Em 1920, essa banda do povoado Capim veio tocar na vila para homenagear a padroeira no dia 17 de julho. Houve aí uma grande transformação para melhor e, vários daqueles músicos comandados pelo fundador da banda, Joel Marques, tornaram-se famosos em Santana, em outros lugares do Brasil e mesmo no exterior. Inclusive, Joel Marques foi prefeito na gestão 1936-1937. Vejam de onde saíram. De um simples povoado sertanejo e da roça. Em 1922, ainda no início de Santana cidade, foi criada outra banda musical (já havia a de Seu Queirós) pelo comerciante Benedito Melo, recebendo o título de “Filarmônica Santanense”, logo apelidada pelo povo de “Aratanha”. Foi aí onde se encaixaram componentes da banda de Joel Marques do povoado Capim. Desse ponto em diante, teve início a exportação de excelentes músicos do interior.
     Tantos outros projetos simples poderiam ter sido feitos no Sertão para aumentar a renda de famílias, estimularem os jovens e aproveitar matéria-prima. No povoado Areias Brancas, caberia uma associação para se implantar fabriquetas de beneficiamento do caju, goiaba e manga. Alguns políticos, ao invés de incentivarem a iniciativa popular, preferem acusar autoridades cotidianamente. Esquecem que “é melhor acender uma vela de que amaldiçoar a escuridão”. Tanta mão de obra tem naquele povoado que faz gosto vê. Hoje, núcleo de inúmeros sítios circunvizinhos, inclusive de pés de serras, o povoado Areias Brancas, dispõe de uma ampla rede estudantil. Projetos e mais projetos não faltariam para essa juventude ganhar dinheiro aprendendo e se divertindo. As ideias retrógradas, entretanto, acomodam o povo na espera enervante pelas autoridades. Ninguém quer mais varrer à porta da rua, aguardando a boa vontade das prefeituras. Essa falta de iniciativa também ajuda na pobreza. É por isso que projetos simples, baratos e populares, tornam-se exceções e são expostos como coisas do outro mundo. Onde estão os autênticos líderes dos aglomerados? Como atualmente o supérfluo e a lei do menor esforço predominam, somos obrigados a abrir os olhos dos condutores de cegos para iniciativas como a da ARATANHA.
• Aratanha = pequeno camarão de água doce.

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domingo, 10 de outubro de 2010

ZABÉ DA LOCA

ZABÉ DA LOCA
(Clerisvaldo B. Chagas, 11.10.2010)
     Muito boa e emocionante a reportagem da televisão focalizando Zabé da Loca. São poucos os bons programas da televisão. O que tem de lixo, com certeza juntando tudo dá mais de oitenta por cento. Como disse alguém, a televisão brasileira é máquina de fazer doido. Zabé ─ no Nordeste, apelido carinhoso de Isabel ─ é hoje mulher famosa de idade avançada lá da Paraíba. As cavernas no sertão são chamadas locas, sovacos, grutas e furnas, independentes de comprimento e largura. Zabé, perto da cidade de Monteiro, trabalhava na roça e aos doze anos aprendeu a tocar pife. Como perdeu a casa com as intempéries, resolveu morar sob duas pedras que se sustentam. Ali conviveu com marido e filhos, fechando de taipa as aberturas das pedras. Trabalhadeira, animada, espirituosa e festeira, Isabel tornou-se conhecida como Zabé da Loca. A reportagem mostrou os bons tempos em que Zabé saiu percorrendo o País tocando pife com sua bandinha regional. Até prêmios arrebatou.
     Atualmente sem marido, Zabé ganhou uma casa do governo e mudou-se da loca para a casa azul, simples e de varanda onde senta para curtir os seus cigarros ou cachimbo. É tão famosa ainda, que recebeu a reportagem em sua nova residência. Zabé continua, mesmo com os percalços da velhice, alegre, brincalhona, extrovertida. Mas uma coisa mexe muito com a tocadora de pife, que são as boas lembranças da loca. Olhando por trás de casa, está ali, a certa distância, nas colinas das cercanias repletas de matacões, a loca adotada por Isabel. Ela foi mostrar a furna em que vivera mais de vinte anos, mas isso não foi nada fácil para a velhinha que se emocionou com as lembranças. E como todo sertanejo que ama seu torrão, a mulher ainda tem muita vontade de voltar a viver na loca. Isabel resolve dar uma palhinha e toca o pife para a reportagem, mas avisa que vai deixar a arte. Segundo ela, o esforço prejudica muito os pulmões. E quando perguntada se não era o cigarro que prejudicava ela diz animada que não.
     A pessoa que toma conta de Isabel fez projeto musical e implantou uma escolinha de música para os jovens da roça. São vários instrumentos que proporcionam o aprendizado, inclusive zabumba. Para substituir a famosa tocadora, já apareceram talentos que não irão deixar morrer a tradição. Além de conduzir os adolescentes para o mundo musical, o projeto mantém o jovem longe da ociosidade e dos vícios que estão apavorando o Brasil. Aplausos e incentivos para pessoas que dedicam parte do seu tempo a produzir o bem. Diante de tantas barbaridades que acontecem e são publicadas diariamente na mídia, esse assunto da Paraíba parece ser coisa de Deus. O nosso país precisa em todos os rincões, projetos semelhantes ao do município paraibano. E pelo exemplo e semeadura da alegria no Brasil, deixamos em nome de todos, o nosso preito a essa extraordinária mulher sertaneja ZABÉ DA LOCA.


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