terça-feira, 21 de dezembro de 2010

OUTRO GRITO NO ESCURO

OUTRO GRITO NO ESCURO
(Clerisvaldo B. Chagas, 22 de dezembro de 2010)
       Não faremos aqui uma análise social profunda do que representa o fim da bandidagem no Complexo do Alemão. O objetivo é apenas mostrar o impulso da qualidade de vida proporcionado pelo novo tipo de transporte. Inspirado no sistema teleférico de Medellín, na Colômbia, acaba de ser inaugurado pelo presidente Lula, sistema semelhante no complexo de favelas que compõem o Alemão. Esse projeto liga o sistema ferroviário ─ usado por milhares de trabalhadores do Rio de Janeiro ─ à favela distante da Fazendinha. Esse trajeto que gastava uma hora e trinta minutos passará a dezesseis minutos, apenas. Estarão interligadas as diversas favelas do Alemão em um percurso de três quilômetros e meio, através de 152 gôndolas. Cada gôndola poderá transportar até dez passageiros pelas seis estações oferecidas: Bonsucesso, Morro do Adeus, Baiana, Alemão, Itararé e Fazendinha. O governo não se esqueceu de estruturar todas as estações com postos de serviços, incluindo agência bancária, sala de leitura e centro de referência para a juventude. O esquema faz parte do Projeto de Aceleração do PAC e passa a contar com quarenta e nove torres de sustentação, onde cerca de trinta mil pessoas circularão por dia.
       Santana do Ipanema, Alagoas, com o segundo movimento comercial do interior, não dispõe de serviços coletivos. Os deslocamentos são feitos através de táxis ou moto táxis. Ora! Os comerciários, que sempre ganham pouco e trabalham no centro, moram na periferia, sofrem com o problema de transporte. Se uma dessas pessoas vai de manhã ao trabalho, volta para o almoço, retorna ao comércio e novamente volta a casa à noite, ou acaba com as pernas de tanto subir ladeiras ou deixa tudo que percebe nas mãos dos motos taxistas. A grande maioria é composta de estudantes que representa mais outra ida e vinda às escolas do centro. Propusemos há certo tempo à Prefeitura que, em convênio com o comércio, implantasse um transporte simples para os comerciários. Um ônibus aberto, rápido, gratuito que atuasse levando e trazendo esses trabalhadores, inclusive à noite para as escolas. Quanto alívio para os que não ganham mais de que o salário mínimo nas diversas lojas da cidade!
       Mas, através de sucessivas gestões, os bonecos do poder mantém os ouvidos tamponados às inovações de benefícios. À insensibilidade dos pobres coitados de espírito, assemelha-se a dos senhores escravocratas do século XIX ou a dos loucos falecidos da minha terra (com todo o respeito) Poni, Bebé e Agissé. Por menor que seja a concessão ao pobre ou à cidade, logo surge o dedo grosso ou o esmalte misterioso que obstruem o círculo ínfimo do suspiro. Elite gelada no poder, tacão nas nádegas e caroá no pescoço do infeliz. O progresso que chega a esse torrão representa muito mais às pressões do tempo de que as próprias barreiras elitistas que não as conseguem conter. São vários os cotados como veículos transformadores, mas preferem às benesses e usam náilon na boca e tinta invisível no computador. E como fazia o homem do povo nas areias grossas do rio Ipanema, vamos continuar cavando. Pode ser que depois do líquido fétido apareçam águas novas, puras e cristalinas para matar a sede do meu povo. E você, cabra velho, que não tem um pingo de sangue para defender a terra em que nasceu, pode até dizer com temor servil que esse é apenas OUTRO GRITO NO ESCURO.




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segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

ADEUS ÀS CAJARANAS

ADEUS ÀS CAJARANAS
(Clerisvaldo B. Chagas, 21 de dezembro de 2010)
     Aproveitando o domingo de céu nublado e calor escaldante, vou percorrendo trechos da minha terra, numa espécie de inspeção silenciosa. Da AL-130, tento desenhar as cercanias de Santana, mas a hora não é conveniente. Dirijo-me, então, à entrada da cidade de quem vem de Pão de Açúcar e volto ao centro de Santana pela antiga estrada que dá acesso a AL-130. Entro na primeira rodovia moderna construída no estado de Alagoas, na metade dos seus 4 km de extensão. Rodovia feita pelo, então, engenheiro agrônomo Otávio Cabral, Santana – Curral do Meio, 1924-25, para dá início à fazenda Sementeira (nome que rebatizou o Curral) modernizar a agricultura e fomentar o algodão. Instalações de um posto de gasolina estreitaram e esconderam a entrada pela AL. O trecho até o atual Conjunto Eduardo Rita, também pareceu mais estreito, invadido pelas cercas de arame farpado. O calçamento bruto de granito com cerca de trinta metros, sobre possível atoleiro, ainda estava lá. Reduzido, mas representando um dos marcos do Dr. Otávio que depois foi intendente interventor do município. Mas a surpresa desagradável foi não vê mais o conjunto de cajaranas que deu nome a localidade. Só os tocos restam dessas árvores enormes que nos forneciam deliciosos cajás, pequenos frutos cilíndricos, amarelos, doces e travosos. Assim, mais um topônimo de ponto aprazível da minha terra desaparece. Como devo avisar aos mais novos para não confundir esse lugar chamado “Cajaranas” com a “Cajarana”, ponto no outro extremo da cidade onde está situada a nova unidade hospitalar? Ali ainda existe a árvore frondosa que denominou o conjunto residencial Cajarana, construído pelo prefeito da época, Paulo Ferreira de Andrade (provavelmente até a chegada de dois loucos, o machado e o dono).
     A fazenda Sementeira, sede da revolução agrícola, estará ganhando as instalações do IFAL. Mas esse trecho, em torno de oitocentos metros, bem que poderia ser revitalizado como opção de acesso à Sementeira. Encontra-se completamente abandonado. À esquerda, o enorme terreno de uma fazenda urbana, com sede de vista privilegiada para a cidade, desmente a notícia que falta terrenos em Santana. Quantas coisas importantes poderiam ser construídas ali, até mesmo um centro de compras com amplo estacionamento. E passando pela pobreza do Conjunto Eduardo Rita, vamos lembrando a importância de outrora daquelas imediações para o progresso da cidade. Era a região das olarias que ergueram e cobriram os prédios de Santana do Ipanema. Na passagem molhada sobre o rio, a mesma pontezinha construída há mais de sessenta anos, aterrada e novamente descoberta pelo Ipanema. O mau cheiro da água empoçada e escura é insuportável. Lixo toma conta do cenário bucólico aonde pastam os animais, como no início de tudo.
     Assim encerro minhas inspeções domingueiras, convidando os que escrevem para fazermos, juntos, essas jornadas curtas e documentais. Notícias para os que estão fora da terra há bastante tempo. ADEUS ÀS CAJARANAS.




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