terça-feira, 20 de novembro de 2018

COMO SE FAZ UM ROMANCISTA (III)


COMO SE FAZ UM ROMANCISTA (III)
Clerisvaldo B. Chagas, 21 de novembro de 2018
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.011
 
ILUSTRAÇÃO: DRICA MELO.
Parte Externa

A frente da casa, calçada alta de pedra e cimento, dava para a rua poeirenta. Do outro lado da rua, a bodega, os armazéns, um telheiro com porta e a casa-de-farinha, grande, fechada, sem reboco. Dali eu via o cotidiano externo. Raros passantes. Um cavalo comendo milho no aió vai viajar. Firmino Carreiro, sempre com um palito na boca. O morador Zé Vieira – figura do Jeca – paciente e agradável, chegando à bodega. Lá no fim da rua, perto da igreja, sob frondosa árvore, quartos de bode na banca frágil, expostos à venda. Chega o carreiro Ulisses, assoviando e cantando baião:

“Ó sanfoneiro
Moça mandou lhe chamar
Para tocar um baião no Ceará
Tu diga a ela
Que de pé eu não vou lá
Eu sou vou de avião
Se mandarem me buscar...”.

“Mas ela tinha
Doze parmo de canela
Para dá um beijo nela
É preciso me atrepar...”.

Quando dava, eu ia com Ulisses buscar água em barreiro para servir a casa. Era uma barrica e um funil na mesa do carro, puxado por dois bois, Paraná e Ouro Branco. Andava pelos pomares e por vários cercados do meu tio. Certa vez fui até a Gameleira tomar banho de barreiro na casa de Quitéria. Que delícia!
Havia a Santa, bela mulher independente, morando ali perto. Minha tia era meio esquerda com ela e assim eu evitava os mistérios dos adultos.
  Pela tardinha os bois de carro eram tangidos para a esquina de um dos armazéns, onde comiam palma pinicada. O Sol declinava. Meu tio sentava-se na calçada alta e lavava os pés em gamela ou da árvore gameleira ou do mulungu.
Noites muito escuras, casa iluminada com placas nas paredes, à base de querosene
 E quando havia som de forró nas imediações, não era para mim, não era para nós.
(CONTINUA).

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segunda-feira, 19 de novembro de 2018

COMO SE FAZ UM ROMANCISTA


COMO SE FAZ UM ROMANCISTA (II)
Clerisvaldo B. Chagas, 20 de novembro de 2018
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2010
PILÃO: LUÍS GALDINO.

Parte Interna

Pela manhã, ia contemplar o enorme terreiro de trás, repleto de galinhas, pintos e perus. Participava do tititi, chamando as aves e semeando grãos de milho. Jogava também os grãos pelo gradeado de três chiqueiros onde viviam confinados os capões – animais castrados para engorda – servidos em ocasiões especiais. Pareciam perus de tão cevados. Mais tarde ia visitar o pilão de pedra em formato de rachadura onde mulheres lavavam roupa. Ficava a uns duzentos metros dos fundos da casa. Lá para as dez horas, começava a coletar os ovos das aves do terreiro, espalhados em ninhos por vários lugares, inclusive, dentro de casa. Essa atividade me dava muito prazer.
Passeava pelo oitão direito da casa, onde havia algumas bananeiras, e um coqueiro. Pelo oitão esquerdo, perambulava no amplo jardim aguado todas as manhãs pela minha tia. Entrava no vizinho prédio, em preto, que funcionara como vapor e fora queimado pela investida de Lampião. Pelo grande quintal, chegava até os fundos da casa/escolinha – única do povoado – de dona Expedita e seu esposo Barrinho. Às vezes encontrava ali o primo Paulo Chagas, que como eu, passava alguns dias na casa de Expedita. Era filho da minha tia Araci e José Pinto Oliveira, em Santana. Bom quando chegavam à preta Quitéria e sua genitora lá do sítio Gameleira. Passavam o dia. Ambas com pano amarrado à cabeça. Quitéria falava que só uma matraca! Ali castravam os pintos crescidos, lavavam roupa, engomavam e faziam o café com rapadura, batido num pilão de aroeira. O aroma ia longe, longe...
Quando chegava gente ilustre, igual aos padres, docinho para lá, docinho para cá... E o capão gigante no prato das figuras.
Andar pelos quartos arrumados e frequentar a dispensa estavam sempre na minha pauta.
Durante a noite, dormia assombrado com os morcegos que frequentavam o casarão.
Essa era a parte interna e o aprendizado para o futuro.
(CONTINUA).






                                                         

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