quinta-feira, 22 de novembro de 2018

COMO SE FAZ UM ROMANCISTA (V)


COMO SE FAZ UM ROMANCISTA (V)
Clerisvaldo B. Chagas, 23 de novembro de 2018
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.013
 
CERAMISTAS DE CARUARU
A bodega do meu tio não tinha tudo. Minha atenção maior era na saída dos goles de cachaça, na venda do gasóleo e do querosene. Nos dias de feira na vila (as segundas) o movimento no Pedrão era intenso na ida e na vinda. Cavaleiros, carros de boi, jumentos, burros e pessoas a pé. À tarde voltavam da feira, lotados, vencendo uma légua. Bois puxando os carros, esticando cambão, mesas abarrotadas das mais diversas mercadorias. Os cavaleiros pegavam corridas na rua plana do povoado e paravam defronte à bodega. Bebiam cachaça, diziam prosas e cuspiam no chão.
Em Dia de Finados surgia o padre Luís Cirilo e o sacristão Jaime, para missa no cemitério local, que ficava depois da igreja, no caminho do Capim. Lembro ainda uma estrofe cantada pelo povo e repetida pelo sacristão, da Ladainha dos Mortos:

“Abris os céus
Das almas tendes compaixão...”

Assim eu ia observando tudo, vendo como fazer, sem pensar jamais no futuro das letras. Aprendi a fazer flauta de talo de abobreira; a descascar laranja com a unha (imitando Zé Vieira); a comer melão-de-são-caetano, presos nas cercas de arame; a sugar o néctar da pequena flor do espinheiro roseta; a conhecer e distinguir o carrapicho, o velame, a urtiga, o rasga-beiço... E muitos rastros da fauna sertaneja. Só não aprendi a cavalgar e dançar forró porque não me ensinaram.
Foi com essa bagagem de infância que li o romance CURRAL NOVO do escritor palmeirense, Adalberon Cavalcante Lins, (para mim o maior romance do mundo) que enveredei pelos romances regionalistas nordestinos.
Sei não, mas penso que é assim que se FAZ UM ROMANCISTA.

(FIM DA SÉRIE DE CINCO CRÔNICAS)


                                                  



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quarta-feira, 21 de novembro de 2018

COMO SE FAZ UM ROMANCISTA (IV)


COMO SE FAZ UM ROMANCISTA (IV)
Clerisvaldo B. Chagas, 22 de novembro de 2018
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.012
ILUSTRAÇÃO: ELIAS VITALINO

Contemplei em uma imensa plantação de algodão, a colheita do produto, comandada pelo meu tio. Cerca de 100 pessoas, entre homens e mulheres a quem eles chamavam de batalhão. Todos protegidos por chapéu de palha de aba grande ou pano à cabeça, bizaco a tiracolo. Uma senhora puxava cantiga em quadras improvisadas. Cada estrofe era ouvida por todos os que vinham atrás colhendo o algodão, embizacando e respondendo:

Mineiro pau...
Mineiro pau...

Hora do almoço, feijoada com charque para o batalhão, debaixo dos laranjais.
O algodão era pesado e ensacado nos armazéns. Os sacos/estopas eram pendurados ao teto com uma roda de pneu fino na boca. Um homem dentro do saco pilava o algodão com os pés. Outro cozia a boca da estopa com agulha de saco e novamente o colocava na balança de armazém. Dali o produto seguia em carros de boi para a vila de Olho d’Água das Flores onde era vendido às algodoeiras.

Também contemplei em outro roçado, a colheita da mandioca, raiz que gosta de terras especiais. Em lombo de jegue e em carros de boi, o produto chegava a casa-de-farinha.  Formava-se a deliciosa festa da farinhada. Mulheres sentadas no piso de barro tagarelavam e rapavam mandioca em redor do monte, sempre abastecido. Aqui, acolá aparecia uma macaxeira (macaxeira não é mandioca) que logo era comida crua pelas participantes.
No caititu, a cevadeira triturava o produto colocado no cocho. Dois homens fortes rodavam a roda de veio ligada por barbante, ao caititu. A massa triturada ia para a prensa manobrada por um sujeito forte. Depois era peneirada, colocada ao forno de barro, onde um habilidoso cidadão mexia a massa, com um rodo de madeira produzindo a farinha. O forno era alimentado por lenha bruta. O cheiro gostoso invadia toda a casa-de-farinha. Eu ficava no pé do forno catando “grolado” para comer. Lá fora, no oitão, um cabra gritava em referência ao caldo da prensa jogado fora: “Deixe a vaca longe, Ciço, manipueira mata!”.
(CONTINUA).





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