segunda-feira, 27 de julho de 2020

SANTANA E A FEIRA DA FARINHA


SANTANA E A FEIRA DA FARINHA
Clerisvaldo B. Chagas, 28 de julho de 2020
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.354

MERCADO DE CEREAIS PRECISANDO REPAROS, EM 2013.
(FOTO: LIVRO 230/B. CHAGAS)
Farinha de mandioca sempre foi mercadoria gostosa e sem valor comercial. Nos tempos de muita mendicância nas ruas, era o principal produto para os esmoleres. Aplicava-se a denominação de farinheiro ao cidadão que vendia farinha, deixando bastante gente conhecida com esse falso sobrenome. Em Santana do Ipanema, a farinha era vendida em sacos brancos com bocas arregaçadas, em qualquer lugar das feiras livres. Depois os farinheiros ficaram juntos, pela organização da prefeitura, mas ainda no meio da turba. Assim foi criada pelo povo, a expressão “feira da farinha”.  A aglomeração foi dividida por títulos e lugares: feira da farinha, feira das panelas, dos porcos, dos mangalhos, das frutas, do fumo e assim por diante. Mas foi feita outra mudança na feira e os farinheiros passaram a vender a farinha de mandioca, em casa de esquina no início da Rua Tertuliano Nepomuceno (defronte ao hoje mercadão Todo Dia). Houve estranheza do povo. Todos os farinheiros num salão só, na casa, talvez comprada pela prefeitura e cedida para esse fim. Antes, ali funcionava uma barbearia.
Mais tarde foi construído pela gestão do prefeito Adeildo Nepomuceno Marques, o Mercado de Cereais, em terreno baldio no bairro monumento por trás do, então, Hotel Santanense, de Dona Beatriz, entre 1960 e 1970. O povo estranhou mais ainda, por ficar o lugar muito distante do centro de compras. Mas, o próprio Mercado ajudou a estirar a feira de baixo para cima chegando à sua calçada e ruas próximas. O Mercado de Cereais passou a negociar também feijão e arroz. Depois foi criado um compartimento para vender peixe.  Muitos farinheiros deixavam seus boxes para colocar a mercadoria no corredor de entrada do Mercado, na ambição de vender, dificultando o tráfego de pessoas.
Vários farinheiros se destacaram pelo tempo na profissão, entre eles, os irmãos Camilo: Valdemar, Agenor, José e seu filho Bilola (ô) que depois virou soldado de polícia. O Mercado continua de pé, sofrendo desgastes, mas resistindo ao tempo vendendo farinha.
A mandioca não dá em todo tipo de terra. Mas, dos agricultores que trabalhavam com esses roçados, muitos deixaram o plantio da mandioca e até casas de farinha modernas, cerraram suas portas. Entretanto, vindo dos quatro cantos do mundo, a farinha continua chegando à cidade. E quando o sujeito não presta é chamado no sertão, de farinha: “Aquilo é um farinha”.
E o terreno baldio em que se armavam os circos que chegavam à cidade, passou da alegria temporária ao mister de matar a fome dos seus antigos espectadores.
                                                             










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domingo, 26 de julho de 2020

SEMANA E CASO DO PADRE CÍCERO


‘SEMANA E CASO DO PADRE CÍCERO
Clerisvaldo B. Chagas, 27 de julho de 2020
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.353

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Contando caso acontecido nos sertões nordestinos.
Seu Guilherme, baixinho, branco e de idade avançada, não perdia um ano sem ir a Juazeiro do Norte, a pé. Morava no Bairro Lajeiro Grande e zelava a igrejinha do padre Cícero no lombo do lajeiro. Aqueles que tinham a coragem do senhor Guilherme, enfrentavam em torno de 500 km por todos os tipos de estradas, sol, chuva, animais selvagens, sede e cansaço nessa estirada de pedras e areias.
Quem já caçou no sertão, lembra da espingarda “soca-tempero”.   Assim chamada porque carregava pela boca. A pólvora, o chumbo, a bucha de corda velha eram socados pela vareta – acessório metálico da arma. Após, levantava-se o cão e colocava-se a espoleta. Estava pronta para o tiro. O chumbo grosso ou fino dependia do porte da caça. A pólvora era guardada pelo caçador em uma cabacinha natural, fruto do cabaceiro. Muitos envernizavam caprichosamente esse depósito que era tampado com pedacinhos de madeira ou sabugo. O chumbo era armazenado em um saquinho de tecido especial com saída arredondada e metálica, chamado chumbeiro. Motivo de apelido para pessoas de boca pequena e redonda: boca de chumbeiro. Em Santana do Ipanema, comprávamos pólvora em embalagem cilíndrica no armazém do senhor Marinho Rodrigues, no “prédio do meio da rua” ou na mercearia do senhor Manoel Vieira, no beco do Mercado de Carne onde hoje é o supermercado Todo Dia. Chumbo também. 
Um grupo de romeiros se dirigia a Juazeiro, a pé. Parou numa casa pediu rancho (pousada).  Durante a madrugada, um deles viu atrás da porta uma cabacinha de pólvora, pendurada. Era tão formosa que ele não resistiu e carregou o objeto. No outro dia, o grupo prosseguiu viagem. Uma vez em Juazeiro, providenciaram as coisas de praxe e na volta foram pedir conselhos e bênção ao padre Cícero. Este aconselhou ao grupo, mas, na saída, chamou um dos componentes e disse: “Amiguinho, quando vocês voltarem e dormirem na casa do senhor Fulano de Tal, deixe a cabacinha no mesmo canto em que você pegou”. Fato narrado no livro que mudou a minha vida: “O Patriarca do Juazeiro”.
Na cidade de Ouro Branco, sempre é formado um grupo de romeiros que continua a tradição. Não temos mais essa força, porém, conhecemos pessoas em Santana do Ipanema que há pouco enfrentaram esse desafio. Os motivos da caminhada são diversos, mas sempre tendo como pano de fundo algo difícil de conquistar ou já conquistado pela fé através do milagreiro cearense.
Seu Guilherme, se fosse vivo, ficaria bastante desgostoso em saber que no Lajeiro Grande substituíram sem coração o santo popular do credo sertanejo.
Cícero é obra de Deus e será sempre um vencedor.





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